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terça-feira, 29 de agosto de 2017

Na janelinha

Na semana passada foram divulgados vários indicadores de atividade econômica, culminando com o índice do Banco Central (IBC-Br), que busca antecipar o comportamento do PIB e que, pela primeira vez desde o final de 2013, mostrou dois trimestres consecutivos de crescimento, 1,2% e 0,3%, sempre na comparação com o trimestre imediatamente anterior, ajustados à sazonalidade.

Trata-se de desempenho positivo, nem tanto pelo IBC-Br em si, que nem sempre consegue capturar os movimentos do PIB, mas pelo conjunto da obra. No período observamos expansão da produção industrial (+0,9%), do varejo (+1,7%) e do volume de serviços (+0,3%), números que sugerem recuperação difundida da atividade, não mais limitada à agropecuária, como havia ocorrido no primeiro trimestre.

Mais próximo do dia-a-dia das pessoas, há ainda sinais de melhora no mercado de trabalho. Dados do IBGE indicam que, também corrigida a sazonalidade, o emprego total aumentou no segundo trimestre, muito embora o crescimento tenha se dado principalmente entre os trabalhadores informais. Assim, detectamos pequena queda do desemprego (dessazonalizado), de 12,9% para 12,7%, a primeira desde o último trimestre de 2013.

Para ser sincero, não dá para garantir que o crescimento do PIB já se mostre positivo no segundo trimestre, mas a evidência aponta para uma economia que finalmente saiu do fundo do poço. Ao contrário do ocorrido no primeiro trimestre, quando o crescimento veio do setor externo e da acumulação de estoques, componentes que tipicamente não sustentam a economia por muito tempo, o consumo deve ter sido o principal motor da expansão, sugerindo continuidade da retomada.

Em particular, como tenho insistido já há algum tempo, a redução persistente da taxa real de juros (de 7% há um ano para menos de 4% agora), resultado da queda da inflação, é a causa mais provável da recuperação. Notando ainda que seus efeitos costumam aparecer com defasagem ao redor de seis meses, é bastante razoável concluir que ainda há impulso a se materializar na segunda metade do ano, ou seja, devemos testemunhar um desempenho um pouco melhor à frente, longe de espetacular, mas sólido o bastante para nos levar a terreno positivo ainda em 2017 e mais vigoroso em 2018.

Não se segue, contudo, que nossos problemas estejam superados. Muito embora haja condições para uma retomada moderada nos próximos 18 a 24 meses, o comportamento das contas públicas permanece como fonte constante de ansiedade e mais ainda após a revisão das metas fiscais para o período 2017-20.

Mesmo com taxas reais de juros mais baixas, a se confirmarem os números ali previstos, o governo a ser eleito em 2018 herdará uma dívida superior a 80% do PIB e a necessidade de transformar o déficit primário de 2,3% do PIB (R$ 159 bilhões) em superávit de 1% a 1,5% do PIB (de R$ 70 a R$ 100 bilhões).

A eleição do ano que vem pode ser, portanto, a mais importante pós-redemocratização do país: decidiremos se vale a pena seguir o difícil caminho do ajuste, ou se optaremos pela manutenção do status quo, que nos trouxe à pior crise da nossa história.


A depender de nossos políticos, que continuam lutando pelos lugares na janelinha enquanto o ônibus marcha para o abismo, temo que o status quo largue com ampla vantagem.



(Publicado 23/Ago/2017)

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Podcast para o NOVO

https://soundcloud.com/novo30/novocast-2-alexandre-schwartsman

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Os fins e seus meios

Há no país uma crença estabelecida: se queremos atingir determinado objetivo simplesmente passamos uma lei afirmando isto e damos o assunto por resolvido; pouca atenção é dedicada à construção dos meios para chegar onde queremos. Este padrão também se aplica à principal medida aprovada até agora no âmbito fiscal, a criação do teto para as despesas federais.

Considero o teto um passo importante para recuperarmos o equilíbrio fiscal, em particular porque institui como princípio o controle das despesas, que cresceram de forma praticamente ininterrupta por 20 anos, de R$ 454 bilhões em 1997 para R$ 1,3 trilhão nos 12 meses terminados em junho, valores expressos a preços de junho de 2017. No entanto, como tive a oportunidade de apontar mais de uma vez, trata-se de um ponto de partida, não a jornada completa.

De fato, a emenda aprovada no ano passado estabelece medidas de controle de gastos em caso de violação do limite (os incisos de I a VII ao artigo 109 da Constituição), mas não dá nenhum instrumento para evitar que isto aconteça. Ao contrário, deixadas à própria sorte, as despesas obrigatórias – notadamente as ligadas à previdência, mas uma série de outros gastos também – seguirão crescendo sem controle.

No primeiro semestre deste ano, por exemplo, as despesas obrigatórias aumentaram pouco mais de 5% na comparação com o mesmo período do ano passado, já descontada a inflação, ou seja, R$ 24 bilhões. Já as despesas ditas “discricionárias” caíram R$ 23,1 bilhões, em particular o investimento, que registrou R$ 11 bilhões de retração no mesmo período.

Há, portanto, um paradoxo: faltam gastos em setores vitais para a operação do estado, mas, em outros flancos, as despesas ainda crescem a ritmo quase chinês. Desta forma, não apenas o governo deixa de controlar o conjunto do dispêndio federal, mas também a rigidez do gasto público aumenta (com maior peso para as despesas obrigatórias), enquanto a qualidade do gasto federal despenca.

Posto de outra forma, conseguimos o pior dos mundos: seguimos gastando mais do que o suficiente para fazer nossa dívida crescer de maneira acelerada, mas não para termos serviços públicos com um mínimo de qualidade. O resultado deste arranjo é o aumento da meta de déficit para 2017 e 2018 em meio a notícias como corte no orçamento das forças armadas, assim como na Polícia Federal, entre outros.

Deve estar claro que esse arranjo não é sustentável. Sem controle da despesa obrigatória não interessa que o teto de gasto esteja inscrito no código penal, na constituição, ou mesmo nos 10 Mandamentos: não há diploma legal que se sobreponha a um fato inexorável. Se a lei estiver no caminho, será devidamente alterada, podem contar com isto.

Obviamente não estou recomendando que o teto constitucional seja revogado, apenas notando que, pelo que sabemos das instituições brasileiras, contar com mandamentos legais sem trabalhar para que funcionem é cortejar o fracasso. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que, reconheço, é uma lei complementar, não um preceito constitucional, não foi capaz de evitar a imensa deterioração das contas públicas.


A moral é simples: não resolveremos o problema só passando leis que expressam nossos objetivos; vamos ter que ralar muito para por este país em ordem.



(Publicado 16/Ago/2017) 

Participação no É Notícia

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Um homem de riquezas e bom gosto

Superada, ao menos por ora, a discussão sobre a autorização para que o STF processasse o presidente, o governo anunciou intenções de retomar a agenda de reformas, principalmente a previdenciária. Há, contudo, distância considerável entre intenção e gesto, e as consequências desta distância não são nada agradáveis.

Se havia dificuldade em aprovar meses atrás a reforma na versão proposta pelo relator da comissão especial – ou seja, já bastante aguada com relação à original – a tarefa soa ainda mais complicada agora. Em primeiro lugar porque a votação a favor do presidente, 263 votos na Câmara, sugere uma base parlamentar insuficiente para aprovar tal mudança constitucional (308 votos), mesmo considerando que alguns deputados que se opuseram ao presidente tenham declarado apoio à proposta.

Afora isto, o foco do Congresso não está na reforma previdenciária, mas na definição das regras que guiarão a eleição de 2018, cuja aprovação precisa ocorrer um ano antes do evento, ou seja, em escassos dois meses. Enquanto a usina de péssimas ideias (o “distritão”, para citar apenas uma) funciona a pleno vapor, com o objetivo quase explícito de manter tudo como está, a atenção dos nobres parlamentares não pode se dedicar a assuntos secundários, como tentar colocar as contas públicas numa trajetória com alguma chance de sustentabilidade num horizonte minimamente razoável.

Como escrevi há pouco, o tempo não corre a nosso favor, muito pelo contrário. Sem a reforma da previdência o país enfrentará um dilema sério em horizonte não muito distante: ou mantém o teto constitucional para as despesas (e, com ele, uma chance de controlar o endividamento crescente), mas observa o eventual desaparecimento da já minúscula folga fiscal; ou descarta o teto, submetendo-se, porém, a uma trajetória explosiva da dívida, que termina do jeito que conhecemos por décadas, isto é, inflação e instabilidade.

A esta altura está para mim mais do que claro que o mundo político não entendeu a gravidade do problema, reflexo provavelmente da mesma falta de compreensão por parte da sociedade, em particular de suas elites. A reivindicação salarial do ministério público, 16,7%, por exemplo, em meio à maior crise fiscal do país não é só sintoma de descolamento da realidade; trata-se de tapa na cara da população que, ao contrário dos procuradores, recebe baixos salários, corre risco de desemprego e não tem direito à aposentadoria integral bancada pelo Tesouro Nacional.

Enquanto cada corporação busca se proteger, seja elevando seus salários, seja na manutenção de privilégios, como acesso a crédito subsidiado, proteção contra a concorrência, ou rendas de toda espécie, as finanças públicas pioram a cada dia, a ponto de ser cogitada a revisão da atual meta fiscal, de forma a permitir déficits ainda mais elevados.

E o problema não se limita a isto. À parte iniciativas louváveis, como a luta para eliminar gradualmente o subsídio do BNDES, mesmo em face de considerável oposição pelos defensores do status quo, mantemos o capitalismo de compadrio, que mina nossa capacidade de crescimento de longo prazo.


A verdade é que o atual pacto social se esgotou e descobrimos que, assim como em outros pactos, o que nos espera não é o paraíso, mas exatamente o seu oposto.



(Publicado 9/Ago/2017)

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Custo de oportunismo

Há coisas com que apenas economistas se importam. Não quer dizer que sejam irrelevantes, muito pelo contrário, mas que, de maneira geral, estão sempre, por força do hábito, em nosso radar, mas não tanto no de quem não foi treinado especificamente para isto. Dentre elas, o custo de oportunidade é uma preocupação que parece sempre negligenciada, em particular no discurso político.

A noção do custo de oportunidade é bastante clara: ao optarmos por alguma alternativa dentro de um conjunto de escolhas, estamos abrindo mão dos benefícios das demais oportunidades. Por exemplo, na praia, se uso o (pouco) dinheiro que carrego para pagar pela cerveja, estou automaticamente desistindo de tomar um sorvete, ou seja, o custo de oportunidade da cerveja é o sorvete que desisti de tomar quando decidi molhar a garganta com um belo suco de cevada...

Obviamente, se escolhi uma alternativa deve ser porque a considero melhor. Assim, no mundo das escolhas individuais podemos concluir que o custo de oportunidade será menor ou igual ao retorno da opção preferida.

Já no mundo das políticas públicas, nem sempre este é o caso. É bastante comum ouvirmos que a política X gerou N mil empregos, sem qualquer consideração no que diz respeito ao uso alternativo dos recursos públicos. Em outras palavras, é bem possível que os recursos usados para bancar a política X pudessem ser utilizados para financiar a política Y, cujos resultados podem ser superiores àqueles da política X.

Aliás, no caso da escolha pública, em países como o nosso, ouso dizer que na imensa maioria dos casos há alternativas que seriam superiores do ponto de vista do retorno desses recursos, mas que não são levadas em conta por vários fatores, principalmente de ordem política.

É possível que os beneficiários de X tenham maior capacidade de influenciar políticas públicas do que os beneficiados por Y. Um caso clássico é o da proteção comercial: o setor protegido engorda seus lucros e pode até empregar mais, às expensas, porém, do resto da sociedade, que paga mais caro pelo produto nacional, na prática transferindo renda para um setor politicamente conectado.

Mais relevante, no atual contexto, é o extenso subsídio que beneficia empresas cujo poder de persuasão é suficiente para que tenham acesso aos financiamentos do BNDES. Há vários usos alternativos para estes recursos, em particular a possibilidade de reduzir a dívida pública, ou, de forma equivalente, fazer a dívida crescer menos do que cresceria caso o dinheiro não fosse usado para pagá-la. Assim, o custo de oportunidade dos empréstimos do BNDES deve ser igual ao custo da dívida pública.

O senador José Serra, porém, argumenta que os recursos originários do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por serem constitucionalmente vinculados ao BNDES, não têm este custo de oportunidade, já que não poderiam ser usados para pagar a dívida. Trata-se de argumento formalista, que ignora, como sempre, o fenômeno econômico.


A vinculação orçamentária não elimina magicamente o custo de oportunidade do FAT. Ainda que regras não permitam redução da dívida diretamente pelo FAT, seu uso eficiente permitiria que outros recursos fossem liberados para este fim. Mas, como notado no começo da coluna, só economistas se importam com isso...

Custo de oportunidade?!


(Publicado 02/Ago/2017)

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Anda, mas para trás...

Incapaz de resolver o problema do gasto público, o governo mais uma vez passou o mico para a sociedade. Para atender a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões aumentou o tributo sobre combustíveis, medida que, espera-se, irá trazer receitas adicionais da ordem de R$ 10 bilhões ainda em 2017, ao custo de uma elevação ao redor de 0,6 ponto percentual no IPCA deste ano, que, ainda assim, deverá ficar ao redor de 4%.

Não é uma boa solução. Há, é claro, quem defenda uma tributação mais pesada de combustíveis fósseis, já que seus custos para a sociedade não são totalmente capturados pelos preços. Esta, porém, é uma argumentação de eficiência no uso de recursos e, para ser sincero, deveria ser mais bem embasada, o que não parece ter sido o caso. Na verdade, o real motivo, como antecipado, é elevar as receitas do governo.

Temos mais de um problema com esta proposição. Em primeiro lugar, não se trata de uma estratégia nova. Ao contrário, usamos (e abusamos) do aumento de tributos para conter o déficit público: entre 1997 e os 12 meses até maio de 2017 a arrecadação federal saltou de 15,5% para 18,8% do PIB, aumento de 3,3% do PIB. No entanto, as despesas federais cresceram bem mais no mesmo período: de 14,2% para 19,8% do PIB, ou seja, elevação de 5,6% do PIB.

Em que pese alguma perda de arrecadação por força da recessão de 2014 para cá, deve ficar mais do que claro que responder ao aumento das despesas com maiores impostos é uma estratégia destinada ao fracasso. Apenas adia (e cada vez menos) o doloroso encontro com a realidade: o setor público no país saiu de qualquer controle e, enquanto não for domado, não há estabilidade possível a médio e longo prazo.

Posto de outra forma, a medida pode até ajudar a atingir a meta em 2017, mas não será à custa da elevação persistente de impostos que conseguiremos reverter a trajetória crescente da dívida pública.

Em segundo lugar, a experiência internacional sugere que há assimetrias importantes entre redução de gastos e elevação de tributos. Em trabalho publicado em maio deste ano, Alberto Alesina e coautores, examinando 17 países da OCDE entre 1978 e 2009, mostram que reduções de gastos (ou transferências) “causam (...) modesto impacto recessivo no primeiro ano, mas este efeito já começa a desaparecer no ano seguinte”, ponto, aliás, nada sutilmente ignorado por Laura Carvalho.

Já aumentos de impostos têm efeitos recessivos maiores do que cortes de gastos e também mais persistentes. Segundo os autores “quatro anos após a introdução de um ajuste equivalente a 1% do PIB, o produto é mais do que 1% menor do que seria na ausência do programa”.

Como notado, o estudo se refere a economias maduras. Contudo, outro trabalho, de Troy Matheson e Joana Pereira, aplicado precisamente ao caso brasileiro, chega a conclusões semelhantes. Em particular, “espera-se que, na atual conjuntura, estímulos fiscais [gasto e crédito público] sejam ineficazes”, enquanto “ajustes baseados em receitas provavelmente devem levar à freada da atividade”.

À luz desses resultados me pergunto como economistas supostamente preocupados com a recuperação da economia, como nelson barboooosa, ainda batam na tecla de mais impostos como saída para a crise fiscal.


Não há evidência que demova a ideia fixa.

Moonwalking



(Publicado 26/Jul/2017)

terça-feira, 25 de julho de 2017

No céu com diamantes

O artigo de Laura Carvalho semana passada é um primor: é raro encontrar tantos erros concentrados em apenas 3200 caracteres. Resumindo, ela afirma que a reforma trabalhista não representa um ganho de competitividade no agregado porque “se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresários ao mesmo tempo, não é possível ganhar competitividade em relação aos concorrentes nacionais”. Esta afirmação trai o desconhecimento do que é a reforma trabalhista, para começar, bem como falhas não menos consideráveis a respeito de como funciona a economia.

Como tive oportunidade de explorar em coluna escrita com meu irmão, Sérgio Schwartsman, a reforma trabalhista essencialmente regula uma série de práticas até então à margem da legislação e dá aos acordos coletivos peso de lei, ressalvados direitos como férias, 13º, horas extras, jornada de trabalho, etc. Seu principal mérito, portanto, consiste em reduzir a incerteza judicial na relação trabalhista.

Assim, o risco de um empregador acabar incorrendo em custos adicionais (por força de decisões da justiça trabalhista) se reduz, o equivalente a um aumento de produtividade: produz-se o mesmo com menor custo esperado.  Adicionalmente a reforma encoraja a formalização do trabalho, o que também tem sido associado a maior produtividade, por ganhos de escala, acesso a crédito e outros mecanismos.

Caso soe estranho afirmar que maior produtividade não tem efeitos positivos sobre a economia é porque é estranho mesmo (se fosse verdade, teríamos que concluir que redução da produtividade não traria consequências negativas, algo que qualquer venezuelano pode atestar em contrário).

Falta à análise de Laura considerar os impactos da produtividade sobre a economia. Por exemplo, é esquisito considerar que a reforma trabalhista implicaria salários menores; ao contrário, a redução do custo esperado aumenta a demanda por trabalho, elevando consequentemente o salário recebido. Assim, sua conclusão sobre a reforma reduzir a remuneração dos trabalhadores não se segue.

Isso dito, também não é verdade que a reforma não implique ganhos relativos de competitividade.

Para ver isto imagine duas empresas com R$ 100 de capital, remunerado a 10% ao ano, ou seja, custo de capital de R$ 10/ano. Uma emprega 10 trabalhadores ao custo de R$ 1,00 por trabalhador/ano; a outra, 100 trabalhadores ao mesmo custo unitário, implicando custo de trabalho de R$ 10/ano na primeira e R$ 100/ano na segunda. Seus custos totais, portanto, são R$ 20/ano e R$ 110/ano respectivamente.

Uma redução de 10% no custo do trabalho reduz o custo total da primeira para R$ 19/ano, ganho de 5%. No caso da segunda o custo cai para R$ 100/ano, ganho de 9%.

Vale dizer, empresas intensivas em trabalho ganham mais do que as intensivas em capital, o que deve ser sempre verdade em um mundo em que não exista apenas um insumo para a produção, ou seja, o mundo como ele é...

Relendo a coluna percebo que afirmei apenas o óbvio: aumento da produtividade é sempre benéfico e eleva salários; já os efeitos de redução do custo do trabalho beneficiam mais quem usa trabalho mais intensamente. Como podem ter escapado a uma professora da USP?


A resposta é simples: quando a conclusão precede a análise, a lógica é sempre sacrificada.




(Publicado 19/jul/2017)

terça-feira, 18 de julho de 2017

Seis anos em seis meses

Boa parte do empresariado nacional, em particular os encastelados na pirâmide da Paulista, se especializou em ganhar dinheiro à custa de transferência de recursos do resto da população. São vários os mecanismos, da proteção contra a concorrência (não só internacional, mas também doméstica) ao uso intensivo de subsídios. Uma das formas mais insidiosas e menos transparentes, porém, se dá por meio do BNDES.

Empresas com acesso privilegiado ao banco tomam lá recursos balizados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que tipicamente se situa muito abaixo do custo a que o Tesouro Nacional se financia (numa primeira aproximação, a taxa Selic), quando não da própria inflação.

Nos últimos 10 anos, por exemplo, a TJLP ficou, em média, 4 pontos percentuais abaixo da Selic a cada ano; nos últimos 3 anos, 5 pontos percentuais. No acumulado destes 3 anos foi também 4 pontos percentuais inferior à inflação. Tudo isto implica transferência maciça de renda do contribuinte para os que têm acesso a estes recursos, devidamente apelidada Bolsa-Empresário.

No entanto, os efeitos negativos desse arranjo não se limitam ao seu impacto fiscal, já explorado em outras colunas. Para começar, trata-se de um subsídio gigantesco que não passa pelo orçamento federal: dá-se, portanto, a um ramo do executivo o poder de promover transferências de renda sem qualquer transparência, sem qualquer discussão com a sociedade, seja de cunho técnico, ou democrático.

E, exatamente por ser pouco transparente, é também um incentivo considerável para os que apreciam participar do jogo da corrupção. A questão aí não é só o quanto de “bola” se paga para agentes que possam favorecer uns e outros. A própria lógica de uma economia de mercado se inverte quando a principal atividade empresarial deixa de ser a inovação para se concentrar na obtenção de facilidades de modo a canalizar renda do resto da sociedade para si.

Países em que esta atividade se torna dominante, em detrimento à inovação (e consequente aumento de produtividade), se encontram precisamente entre as nações que fracassam, em oposição àquelas em que a destruição criativa é o principal modo de enriquecimento. Veem alguma semelhança?

Para mudar isso, governo pretende migrar ao longo de cinco anos o balizamento do custo dos recursos do BNDES da TJLP para uma nova taxa (TLP), que por sua vez seria guiada pelo custo de financiamento de longo prazo do Tesouro, na prática eliminando aos poucos o colossal subsídio implícito para as novas operações do banco (a partir de janeiro de 2018).

A reação, como esperada, é feroz. Até o novo presidente do banco se manifestou contra, alegando que a mudança tornaria as condições de financiamento menos previsíveis, já que o custo de financiamento do Tesouro poderia se alterar drasticamente, por exemplo, em condições de crise, aparentemente esquecido da possibilidade de empresas contratarem diversas formas de seguro para mitigar este risco.

Ainda menos auspiciosa é sua promessa de fazer “seis anos em seis meses”, ecoando justamente o faraó da pirâmide paulista quando pedia a cabeça de Maria Sílvia Marques para manter os privilégios dos suspeitos de sempre.

Se cumprir a promessa posso garantir que regrediremos bem mais do que seis anos em seis meses.

O presidente da Fiesp, em momento relax


(Publicado 12/Jul/2017)


terça-feira, 11 de julho de 2017

Deixai aqui toda a esperança

Em artigo para lá de interessante, Caio Farah Rodriguez defende que uma das consequências da Lava-Jato seria a imposição do capitalismo ao empresariado nacional por força dos acordos de leniência, que criariam uma governança severa para as empresas, supostamente as impedindo de continuar com as práticas expostas ao público de 2014 para cá. É um argumento bem formulado, e, juro, bem que queria acreditar, mas não estou convencido de sua validade.

Não é de hoje que o capitalismo brasileiro vai mal das pernas. Louvada em verso e prosa em alguns círculos, a industrialização do país se deu sob o manto protetor do governo, à base de subsídios, crédito artificialmente barato, proteção desmedida e outras formas de intervenção. Com raras exceções, a indústria nacional se mostrou incapaz de competir na arena global e – a despeito dos protestos de neodesenvolvimentistas, novo-desenvolvimentistas, velho-desenvolvimentistas e o diabo – não há taxa de câmbio que compense a baixa produtividade.

E que não se diga que este problema se deve à presumida concentração em setores pouco produtivos. Trabalho recente da FGV (O Brasil em Comparações Internacionais de Produtividade: Uma Análise Setorial) revela que este fenômeno explica fração modesta do hiato entre o país e a fronteira tecnológica; a maior parcela se deve à distância existente em todos os setores da economia nacional com relação aos países desenvolvidos.

Em outras palavras, não jogamos mal porque nossos atletas estão na posição errada; o plantel é que é ruim mesmo...

Parte disto reflete a qualidade lamentável da educação nacional, visível em qualquer comparação internacional, como, por exemplo, os resultados do PISA. Outra parte resulta da nossa má organização institucional.

Como chamei a atenção há alguns meses, sob o arranjo institucional brasileiro, o empresário, como regra, não vai ficar rico pela inovação, mas pela sua capacidade de cultivar as ligações corretas com os donos do poder. Se restasse alguma dúvida (a mim não, há muito tempo), esta teria se dissipado com a revelação das conversas entre o presidente Temer e o inefável Joesley.

Uma empresa de proteína animal foi elevada às maiores do país não por qualquer coisa que cheirasse a competência empresarial, mas porque teve acesso a toda sorte de favores governamentais. E, como fica claro pelo acordo de leniência, tais favores não foram obtidos gratuitamente, muito pelo contrário...

Iremos mudar esse estado de coisas?

Não, a depender de políticos como a senadora Vanessa Grazziotin, que aqui mesmo na Folha cometeu um artigo defendendo a Zona Franca de Manaus, mamata que apenas em renúncias fiscais consumiu algo como R$ 28 bilhões/ano entre 2012 e 2016 (pouco mais que o Bolsa-Família) e foi prorrogada para 2073, na expectativa de que nos próximos 56 anos consiga atingir o que não obteve nos últimos 50.

Se quem se pretende defensor dos desvalidos promove mecanismos tão óbvios de captura e concentração de renda, com efeitos nefastos sobre a produtividade e crescimento, o que esperar do mundo político?


Ando pessimista com o país há mais do que gostaria, mas não falta quem se esforce para confirmar meus piores temores e destruir as poucas esperanças que me restam.



(Publicado 5/Jul/2017)