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terça-feira, 24 de agosto de 2021

Quem nos carrega é o mar

Não há um mínimo de articulação entre as diferentes propostas de política econômica hoje em debate. Cada uma atira em direção distinta e nenhuma no alvo, vulnerabilidade devidamente revelada pela mudança da maré.

Não irei dignificar a lorota do ministro da Economia sobre uma possível união monetária do Mercosul na qual o Brasil desempenharia o papel alemão(!), exceto por um “que pena do Uruguai!”. Podemos, portanto, passar ao que realmente importa.

Estamos à deriva. Está mais do que claro que o ministro não tem – e não é de hoje – qualquer conjunto minimamente articulado de política econômica, subordinada que está aos imperativos da eleição do ano que vem.

Não há como colocar sequer em balaios aparentados, já que no mesmo é tarefa impossível, a PEC dos precatórios, o Auxílio Brasil e a reforma do imposto de renda. Cada uma atira em direção diferente e, coincidência ou não, jamais perto do alvo.

Tomemos a reforma do IR só para começar. Havia, como há, questões importantes quanto a taxar igualmente as atividades semelhantes, ponto sempre enfatizado por quem trata deste assunto com seriedade. Sem ignorar estas distorções, todavia, o tema passa longe dos principais problemas ligados à tributação no país, a saber, a burocracia opressiva, diferenças gigantescas entra a taxação de bens e serviços, o enorme contencioso tributário e incentivos à má distribuição geográfica da produção para ficar apenas nos mais gritantes.

Fato é que o Congresso vem debatendo propostas tecnicamente muito sólidas para reformar os impostos indiretos de modo a reduzir estes problemas (e ainda melhorar a distribuição de renda!) pelo menos desde 2019, iniciativa devidamente ignorada pelo Executivo. Depois de insistir, sem sucesso (ainda bem!), na recriação da CPMF, foi encaminhada proposta modesta, que reformaria apenas os impostos federais, deixando de lado nada menos do que o ICMS, o maior e mais distorcivo tributo no país.

Pois bem, mesmo isto foi agora abandonado enquanto ocorre outra discussão sem qualquer orientação da equipe econômica, que pode (deve!) resultar não apenas num regime mais injusto, mas também em perda de arrecadação enquanto as finanças públicas continuam em estado para lá de delicado, para não dizer esfrangalhadas.

Ao mesmo tempo, sob o argumento de conter os gastos, submete-se ao Parlamento uma sugestão de calote de direitos líquidos e certos, os precatórios, cuja essência já tratei em colunas anteriores, não cabendo aqui repetição.

Para finalizar a tríade, temos o Auxílio Brasil, proposta de valor incerto, mas que pretende substituir o Bolsa-Família, presumivelmente aumentando o valor das transferências, por mera coincidência em ano eleitoral, em direta oposição ao tema da contenção das despesas públicas.

Nenhuma palavra acerca da reforma administrativa, nem de outras medidas que possam enxugar o gasto com o aparato governamental. E, ao contrário do prometido, o presidente manteve na Lei de Diretrizes Orçamentárias tanto as emendas da comissão permanente, quanto as do relator-geral do orçamento, na prática liberando o que ficou conhecido como “orçamento secreto”.

À parte as possibilidades de uso de recursos para fins políticos nada nobres, a permanência do RP-8 e RP-9 (como são conhecidas as emendas no jargão) colaboram para tornar, como já o fizeram este ano, o orçamento uma peça de ficção. Não poderemos fingir surpresa caso, a exemplo do ocorrido no início de 2021, o relatório final subestime despesas obrigatórias para fazer caber emendas parlamentares.

Enquanto não se esperava nenhuma redução expressiva da liquidez global e preços de commodities permaneciam em elevação, nossos problemas foram devidamente ignorados, principalmente por quem não tinha o direito de ignorá-los. O risco, porém, de retirada de parte dos estímulos monetários ainda este ano e a (consequente?) queda das cotações internacionais das commodities bastou para revelá-los.

Na frase imortal de Warren Buffet, “quando a maré baixa descobrimos quem está nadando pelado”. A maré pode até subir de novo, mas não resta dúvida que o país nada pelado há muito e sem perspectivas de voltar a se vestir, pelo menos não por força de qualquer iniciativa do ministério da Economia.



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