Há no país uma crença
estabelecida: se queremos atingir determinado objetivo simplesmente passamos
uma lei afirmando isto e damos o assunto por resolvido; pouca atenção é
dedicada à construção dos meios para chegar onde queremos. Este padrão também
se aplica à principal medida aprovada até agora no âmbito fiscal, a criação do
teto para as despesas federais.
Considero o teto um
passo importante para recuperarmos o equilíbrio fiscal, em particular porque institui
como princípio o controle das despesas, que cresceram de forma praticamente
ininterrupta por 20 anos, de R$ 454 bilhões em 1997 para R$ 1,3 trilhão nos 12
meses terminados em junho, valores expressos a preços de junho de 2017. No
entanto, como tive a oportunidade de apontar mais de uma vez, trata-se de um ponto
de partida, não a jornada completa.
De fato, a emenda
aprovada no ano passado estabelece medidas de controle de gastos em caso de violação
do limite (os incisos de I a VII ao artigo 109 da Constituição), mas não dá
nenhum instrumento para evitar que isto aconteça. Ao contrário, deixadas à
própria sorte, as despesas obrigatórias – notadamente as ligadas à previdência,
mas uma série de outros gastos também – seguirão crescendo sem controle.
No primeiro semestre
deste ano, por exemplo, as despesas obrigatórias aumentaram pouco mais de 5% na
comparação com o mesmo período do ano passado, já descontada a inflação, ou
seja, R$ 24 bilhões. Já as despesas ditas “discricionárias” caíram R$ 23,1 bilhões,
em particular o investimento, que registrou R$ 11 bilhões de retração no mesmo
período.
Há, portanto, um
paradoxo: faltam gastos em setores vitais para a operação do estado, mas, em
outros flancos, as despesas ainda crescem a ritmo quase chinês. Desta forma,
não apenas o governo deixa de controlar o conjunto do dispêndio federal, mas
também a rigidez do gasto público aumenta (com maior peso para as despesas
obrigatórias), enquanto a qualidade do gasto federal despenca.
Posto de outra forma,
conseguimos o pior dos mundos: seguimos gastando mais do que o suficiente para
fazer nossa dívida crescer de maneira acelerada, mas não para termos serviços
públicos com um mínimo de qualidade. O resultado deste arranjo é o aumento da
meta de déficit para 2017 e 2018 em meio a notícias como corte no orçamento das
forças armadas, assim como na Polícia Federal, entre outros.
Deve estar claro que
esse arranjo não é sustentável. Sem controle da despesa obrigatória não
interessa que o teto de gasto esteja inscrito no código penal, na constituição,
ou mesmo nos 10 Mandamentos: não há diploma legal que se sobreponha a um fato
inexorável. Se a lei estiver no caminho, será devidamente alterada, podem
contar com isto.
Obviamente não estou
recomendando que o teto constitucional seja revogado, apenas notando que, pelo
que sabemos das instituições brasileiras, contar com mandamentos legais sem
trabalhar para que funcionem é cortejar o fracasso. A Lei de Responsabilidade
Fiscal, que, reconheço, é uma lei complementar, não um preceito constitucional,
não foi capaz de evitar a imensa deterioração das contas públicas.
A moral é simples: não resolveremos
o problema só passando leis que expressam nossos objetivos; vamos ter que ralar
muito para por este país em ordem.
(Publicado 16/Ago/2017)
6 comentários:
Mais claro, lógico e contundente, é impossível. Mas, "ralar", no caso, se dará no andar de baixo, não? Regalias, mordomias, pirotecnias, conchavos e afins, postos num dos pratos da balança, terão de ser equilibrados com a miséria social, no outro. Aliás, isso é novidade?
A impressão que dá é que a aprovação do teto dos gastos só fez o governo gastar cartuchos que agora estão sendo necessários. Provavelmente teria sido melhor se o governo tivesse se empenhado em propor uma reforma da previdência consistente principalmente para o setor publico. Como bem lembra uma expressão popular: o "Ótimo" é o pior inimigo do "Bom".
sobre aquele assunto, triste fim: Serra e lindbergh morreram abraçados na votação da TLP
Daonde agora virão as malas de dinheiro?
Mauricio Quimas, talvez vc esteja certo, a reforma da previ deveria ter vindo antes da do Teto.
Temer, o maquiavélico, talvez tenha errado na estratégia. Talvez!
Prezado Alexandre,
Por que os debates publicos sobre BNDES sao sempre tao polarizados? De um lado, quem acha que o banco nao serve pra nada, apenas aos interesses politicos (e das grandes empresas, patrocinadoras dos politicos) e, de outro, quem acha que ele é absolutamente fundamental pra tudo, o verdadeiro motor do crescimento do país?
Será impossível reconhecer que há pontos a serem corrigidos e pontos a serem preservados? Vossa excelencia, os dados, nos revelam diversos aprendizados que poderiam guiar a politica do bndes. Me parece que o problema principal do banco é de mandato e independecia.
Grande abraço,
Ricardo
Alexandre,
Pode me tirar uma duvida teórica?
Para os Economistas Ortodoxos/Mainstream o principio da Demanda efetiva continua presente? Ou seja, o Investimento puxa a poupançca. A causalidade é do investimento para a poupança?
O mecanismo que assegura essa causalidade vem dos preços serem rigidos no curto prazo? (Modelos dos Novos Keynesianos)
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