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terça-feira, 22 de agosto de 2017

Os fins e seus meios

Há no país uma crença estabelecida: se queremos atingir determinado objetivo simplesmente passamos uma lei afirmando isto e damos o assunto por resolvido; pouca atenção é dedicada à construção dos meios para chegar onde queremos. Este padrão também se aplica à principal medida aprovada até agora no âmbito fiscal, a criação do teto para as despesas federais.

Considero o teto um passo importante para recuperarmos o equilíbrio fiscal, em particular porque institui como princípio o controle das despesas, que cresceram de forma praticamente ininterrupta por 20 anos, de R$ 454 bilhões em 1997 para R$ 1,3 trilhão nos 12 meses terminados em junho, valores expressos a preços de junho de 2017. No entanto, como tive a oportunidade de apontar mais de uma vez, trata-se de um ponto de partida, não a jornada completa.

De fato, a emenda aprovada no ano passado estabelece medidas de controle de gastos em caso de violação do limite (os incisos de I a VII ao artigo 109 da Constituição), mas não dá nenhum instrumento para evitar que isto aconteça. Ao contrário, deixadas à própria sorte, as despesas obrigatórias – notadamente as ligadas à previdência, mas uma série de outros gastos também – seguirão crescendo sem controle.

No primeiro semestre deste ano, por exemplo, as despesas obrigatórias aumentaram pouco mais de 5% na comparação com o mesmo período do ano passado, já descontada a inflação, ou seja, R$ 24 bilhões. Já as despesas ditas “discricionárias” caíram R$ 23,1 bilhões, em particular o investimento, que registrou R$ 11 bilhões de retração no mesmo período.

Há, portanto, um paradoxo: faltam gastos em setores vitais para a operação do estado, mas, em outros flancos, as despesas ainda crescem a ritmo quase chinês. Desta forma, não apenas o governo deixa de controlar o conjunto do dispêndio federal, mas também a rigidez do gasto público aumenta (com maior peso para as despesas obrigatórias), enquanto a qualidade do gasto federal despenca.

Posto de outra forma, conseguimos o pior dos mundos: seguimos gastando mais do que o suficiente para fazer nossa dívida crescer de maneira acelerada, mas não para termos serviços públicos com um mínimo de qualidade. O resultado deste arranjo é o aumento da meta de déficit para 2017 e 2018 em meio a notícias como corte no orçamento das forças armadas, assim como na Polícia Federal, entre outros.

Deve estar claro que esse arranjo não é sustentável. Sem controle da despesa obrigatória não interessa que o teto de gasto esteja inscrito no código penal, na constituição, ou mesmo nos 10 Mandamentos: não há diploma legal que se sobreponha a um fato inexorável. Se a lei estiver no caminho, será devidamente alterada, podem contar com isto.

Obviamente não estou recomendando que o teto constitucional seja revogado, apenas notando que, pelo que sabemos das instituições brasileiras, contar com mandamentos legais sem trabalhar para que funcionem é cortejar o fracasso. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que, reconheço, é uma lei complementar, não um preceito constitucional, não foi capaz de evitar a imensa deterioração das contas públicas.


A moral é simples: não resolveremos o problema só passando leis que expressam nossos objetivos; vamos ter que ralar muito para por este país em ordem.



(Publicado 16/Ago/2017) 

6 comentários:

Mais claro, lógico e contundente, é impossível. Mas, "ralar", no caso, se dará no andar de baixo, não? Regalias, mordomias, pirotecnias, conchavos e afins, postos num dos pratos da balança, terão de ser equilibrados com a miséria social, no outro. Aliás, isso é novidade?

A impressão que dá é que a aprovação do teto dos gastos só fez o governo gastar cartuchos que agora estão sendo necessários. Provavelmente teria sido melhor se o governo tivesse se empenhado em propor uma reforma da previdência consistente principalmente para o setor publico. Como bem lembra uma expressão popular: o "Ótimo" é o pior inimigo do "Bom".

sobre aquele assunto, triste fim: Serra e lindbergh morreram abraçados na votação da TLP
Daonde agora virão as malas de dinheiro?

Mauricio Quimas, talvez vc esteja certo, a reforma da previ deveria ter vindo antes da do Teto.
Temer, o maquiavélico, talvez tenha errado na estratégia. Talvez!

Prezado Alexandre,

Por que os debates publicos sobre BNDES sao sempre tao polarizados? De um lado, quem acha que o banco nao serve pra nada, apenas aos interesses politicos (e das grandes empresas, patrocinadoras dos politicos) e, de outro, quem acha que ele é absolutamente fundamental pra tudo, o verdadeiro motor do crescimento do país?

Será impossível reconhecer que há pontos a serem corrigidos e pontos a serem preservados? Vossa excelencia, os dados, nos revelam diversos aprendizados que poderiam guiar a politica do bndes. Me parece que o problema principal do banco é de mandato e independecia.

Grande abraço,
Ricardo

Alexandre,

Pode me tirar uma duvida teórica?

Para os Economistas Ortodoxos/Mainstream o principio da Demanda efetiva continua presente? Ou seja, o Investimento puxa a poupançca. A causalidade é do investimento para a poupança?


O mecanismo que assegura essa causalidade vem dos preços serem rigidos no curto prazo? (Modelos dos Novos Keynesianos)