Formou-se uma percepção no mercado de
renda fixa sobre o risco de recessão. Os sinais ainda são ambíguos, mas se trata
de uma possibilidade bastante concreta, embora não tão grave quanto o observado
em 2007-09.
Estamos
no 10º ano de crescimento da economia global, ao ritmo médio de 3,8% ao ano, um
dos períodos mais longos de crescimento, embora a velocidade não seja
extraordinária. Há, todavia, receios que este período tenha chegado ao fim.
Isto ficou claro nos últimos dias pelo comportamento do mercado de renda fixa
norte-americano, um fenômeno conhecido como “inversão da curva de juros”. Embora corra o risco de ter perdido todos
leitores com a frase anterior, o nome é mais incompreensível do que o fato
propriamente dito.
Embora
falemos de “taxa de juros”, no singular, há inúmeras taxas de juros em qualquer
economia. De particular interesse são as taxas a que o governo, em geral
percebido como o menor risco de “calote”, consegue tomar recursos emprestados
no mercado por meio da venda de seus títulos, promessas de pagamento em diferentes
prazos, de poucos meses a muitos anos.
Sob
condições normais, espera-se que empréstimos ao governo por um período curto
custem menos do que por períodos longos, ou seja, a “curva de juros”, que
associa cada prazo de vencimento dos títulos do governo a uma taxa de juros, seria
positivamente inclinada.
Fonte: Federal Reserve
Hoje, porém, não é isto que se observa nos EUA: a taxa de juros para empréstimos de 10 anos (em torno de 1,5% aa) é menor do que para empréstimos de 1 mês (ao redor de 2,0% aa), ou seja, a curva está “invertida” na comparação com o usual. A diferença não é enorme, mas trata-se de acontecimento raro, que tem previsto momentos de recessão com bastante precisão.
Fonte: Federal Reserve
A
razão, imagina-se, é a reação esperada do Federal
Reserve (Fed), o banco central norte-americano. A taxa de juros básica da
economia para empréstimos de prazo muito curto está fixada pelo Fed em 2,00-2,25% ao ano, mas, em caso
de recessão, espera-se que a reduza para estimular a economia e tome outras
medidas para baixar as taxas de juros de títulos de vencimento mais longo, ou
seja, o mercado de renda fixa antecipa que as taxas de juros no futuro serão
menores que no presente e, portanto, as taxas de títulos mais longos cairão em
relação às taxas de títulos mais curtos.
Isto
não significa que a “inversão” da curva de juros causa a recessão, mas alerta
para percepção dos investidores sobre o risco de recessão. Nada garante que o
mercado de renda fixa esteja correto acerca desta percepção, embora seu índice
de acerto seja alto.
Fonte: CPB
Há
sinais preocupantes. O comércio global, que crescia a um ritmo próximo a 5% ao
ano até abril do ano passado, desacelerou-se para 1,7% em maio deste ano,
enquanto a produção industrial global mostra processo similar (de 3,9% para
1,9%) no mesmo intervalo, provavelmente em resposta à “guerra comercial” (a imposição
de tarifas e retaliações).
Fonte: Markit
Na
mesma linha, indicadores de curto prazo, notadamente o Índice Global de Gerentes de Compra (PMI, que sugere expansão
quando registra acima da marca de 50 e contração em caso contrário) tem ficado
abaixo da linha d´água desde maio, pela primeira vez desde junho de 2009, sob o
efeito da economia europeia. A Alemanha, em particular, começa a mostrar sinais
de fraqueza na esteira da desaceleração do crescimento do comércio global.
O
mesmo ocorre com as exportações chinesas, cujo ritmo anual de expansão caiu de
mais de 10% em meados do ano passado para menos de 4% em junho deste ano, com
reflexos também sobre seu desempenho industrial.
Fonte: Federal Reserve
Já
nos EUA propriamente ditos, os sinais são mais ambíguos. A produção industrial
caiu nos últimos trimestres e mesmo o PIB desacelerou visivelmente, mas o
mercado de trabalho segue bastante aquecido, seja no ritmo de criação de
empregos (140-150 mil/mês), seja na manutenção de taxas reduzidas de desemprego
ao redor de 3,7%, próximas à mínima histórica, o que não impediu o Fed de reduzir a taxa de juros em sua
última reunião, precisamente como “seguro” contra o risco de recessão.
Fonte: BLS
Apesar
da ambiguidade, o risco de recessão deve ser levado a sério. O ciclo econômico
não foi abolido e a insistência na “guerra comercial” por parte de um governo
cujo chefe não parece ter o entendimento claro do que está em jogo eleva as
chances de chegarmos ao fim do longo verão.
Não
imaginamos, contudo, algo tão grave como foi a Grande Recessão de 2007-09,
principalmente no final de 2008, quando a economia global entrou em colapso.
Não há os mesmos excessos financeiros de 10 anos atrás e o sistema bancário se
encontra mais sólido, de modo que o risco de interrupção total do crédito, que
precipitou os piores efeitos da Grande Recessão, parece ser incomparavelmente
menor hoje. Caso a recessão se materialize, deverá se assemelhar às que
ocorreram antes de 2007-2009, tanto em termos de duração quanto profundidade.
O
principal problema é a “falta de munição” dos bancos centrais. Nas últimas
recessões os BCs tiveram, de maneira geral, bastante espaço para reduzir a taxa
básica de juros antes de chegar à “barreira” das taxas negativas, o que está
longe de ser o caso hoje. Mesmo o Fed,
o banco que mais longe foi em termos de normalização da política monetária,
registrava, até o mês passado, taxa de juros no intervalo 2,25-2,50%, enquanto
os demais apresentam taxas de juros ainda mais baixas.
Neste
sentido, em caso de recessão muito provavelmente veremos novas rodadas de
“expansão quantitativa”, isto é, de recompra de títulos do governo por parte
dos BCs, com o objetivo de reduzir as taxas de juros mais longas.
Isto
dito, se a recessão for relativamente moderada e a política monetária global
for relaxada, os efeitos sobre o Brasil devem atuar em direções opostas. O país
perderá fôlego exportador, seja pelo menor crescimento, seja pela redução de
preços de commodities. Por outro
lado, não deveremos ver grandes pressões de depreciação do real, nem pressão
para cima nas taxas de juro, pelo contrário.
Assim,
a dinâmica de recuperação da economia brasileira ainda dependerá principalmente
do que for feito na frente doméstica, em particular no que se refere às
reformas que alterem o panorama sombrio para as contas públicas nos próximos
anos.
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