A insistência com a recriação da CPMF,
mesmo rebatizada, revela descaso com a distorção associada a este tributo
Antônio,
Beatriz e Cris entram num bar. Tendo pedalado 100 km, Antônio topa pagar até R$
20 por uma cerveja gelada. Já Beatriz, que caminhou na manhã de sábado, também
gostaria de uma cerveja, mas não pagaria mais do que R$ 12. Cris, que curtiu a
manhã lendo no parque, adoraria uma breja, mas no máximo por R$ 8.
A
cerveja, trincando, sai por R$ 8. Cris, portanto, entregou R$ 8 por algo que
havia avaliado em R$ 8; Beatriz também pagou o mesmo valor, mas, como estava
disposta a pagar até R$ 12, saiu com um excedente de R$ 4; Antônio, por sua vez,
registrou um excedente de R$ 12, já que valorizava a cerveja a R$ 20. Assim, os
três consumidores acumularam um excedente de R$ 16. Já o custo da cerveja para Zuleide,
a dona do bar, (tudo incluso) era R$ 7/garrafa. Ao vender as três garrafas por
R$ 8 cada teve lucro total de R$ 3. A sociedade, portanto, registrou ganho de
R$ 19 nestas transações.
Num
universo paralelo, porém, havia um imposto de R$ 5 sobre a venda de cerveja. Assim,
chegando ao bar nossos consumidores encontraram um preço de R$ 13/garrafa.
Beatriz e Cris desistiram da compra ao ver o preço; Antônio, por sua vez, não
só pagou, como ainda saiu positivo na transação, registrando excedente de R$ 7
na comparação com o preço que estava disposto a pagar. Zuleide vendeu apenas
uma garrafa, por R$ 13, dos quais pagou R$ 5 ao governo, e ficou com lucro de
R$ 1. O governo, por sua vez, arrecadou R$ 5, referente à venda de uma garrafa
de cerveja. A sociedade teve um ganho total de R$ 13 (R$ 7 do excedente de Antônio,
R$ 1 do lucro do bar e R$ 5 referentes à arrecadação do governo).
Neste
universo paralelo houve, portanto, destruição de valor na comparação com o
original: R$ 13 versus R$ 19, que pode ser atribuída à única diferença entre
estes dois universos, a tributação de R$ 5/garrafa. À esta perda dá-se o nome
de “peso morto” do imposto, ou “custo de eficiência”.
O
exemplo parece muito particular, mas a verdade é bastante geral (os
interessados em uma discussão mais profunda, em termos simples, podem achá-la aqui).
A introdução/elevação de impostos não provoca apenas a redistribuição do bolo
entre consumidores, empresas e governo, mas também reduz o tamanho do bolo ao
alterar o comportamento de consumidores e produtores. (Há, é bom registrar, momentos
em que vale a pena reduzir a produção e o consumo, como no caso, por exemplo,
de atividades altamente poluidoras, cujo custo também tem que ser
contabilizado, mesmo que nenhum agente particular o faça, mas não se trata do tema
aqui discutido).
O
problema se agrava quando o imposto é cumulativo porque a alíquota sobre os estágios
finais da cadeia de produção é crescente: quanto mais longa, tanto maior
imposto e, consequentemente, tanto maior a distorção. Note-se também que
produtos de longas cadeias ficariam relativamente mais caros do que os de
cadeias curtas, o que agrava as distorções resultantes da introdução do
tributo.
Isto
se torna ainda mais importante à luz da insistência do ministro da Economia com
o retorno da CPMF, rebatizada como ITF, mas essencialmente a mesma coisa.
Segundo
seus cálculos, o efeito cumulativo do ITF em uma cadeia de produção de 10 elos
seria 4,5%. Tomando provisoriamente estas contas como verdadeiras, sugerem uma
alíquota de 0,25% sobre cada lado da transação, que, para fins de comparação
com a CPMF seria 0,50% (que incidia apenas sobre um dos lados), um tanto acima
da alíquota que vigorava em 2007 (0,38%), quando aquele tributo foi extinto.
Naquele
momento, a CPMF arrecadava o equivalente a 1,3% do PIB, o que hoje
representaria cerca de R$ 90 bilhões. Com uma alíquota mais alta, poderia
arrecadar algo na casa de R$ 120 bilhões (menos do que os R$ 150 bilhões
indicados por Guedes), supondo que a reação de consumidores à maior alíquota –
como a descrita acima – fosse modesta. Já a arrecadação total do governo
federal se situa na casa de R$ 1,5 trilhão, na casa de 21% do PIB, 12,5 vezes
maior do que a provável receita do ITF.
Obviamente
não falamos de substituir todos tributos federais pelo ITF (muito embora o
atual secretário da Receita tenha defendido esta tese alguns anos atrás). De
qualquer forma, deve ficar claro que, para substituir, mesmo parcialmente, os
impostos existentes, dificilmente escaparíamos de alíquotas ainda maiores do
novo ITF. Se verdade, também não faria sentido supor que a reação dos
tributados fosse tão modesta quanto sob uma alíquota baixa, indicando não só um
“peso morto” maior, como a possibilidade que a arrecadação fosse menor do que a
estimada pela mera extrapolação das alíquotas.
A
insistência em transformar a CPMF num zumbi tributário já passou do estágio de
curiosidade para obsessão mórbida.
Zumbis tributários |
(Publicado 11/Set/2019)
1 comentários:
Ótimo texto, professor! Pena ele e a indicação do (também ótimo) artigo do Penaloza chegaram um dia atrasado para minha prova do Otto (rs).
Brincadeiras à parte, obrigado por dividir tanto conosco!
Abs
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