Notícias recentes mostram que governos
estaduais estão se curvando às pressões das corporações, mesmo com finanças em
pandarecos. Nos últimos anos houve deterioração visível de seu desempenho
fiscal, por força de elevação de despesas, principalmente com o funcionalismo,
levando ao sacrifício do investimento. Há cada vez menos dirigentes que destoem
desse padrão.
Em
Minas Gerais o governador Romeu Zema enviou projeto de lei determinando aumento
salarial de quase 42% para policiais, bombeiros e agentes penitenciários. Já no
Ceará a polícia militar se amotinou, insatisfeita com reajuste proposto pelo
governo, o que levou o senador licenciado Cid Gomes a tentar invadir o quartel
do batalhão da PM em Sobral, sofrendo ferimentos a bala (não fatais, ainda
bem!). Outros estados temem movimentos semelhantes e há governadores prontos
para ceder antes mesmo de serem pressionados.
Segundo
estudo do Tesouro Nacional, que busca equiparar as diferentes metodologias de
aferição dos gastos com o funcionalismo, Minas gasta quase 80% de sua receita
corrente líquida com o pagamento de funcionários ativos e inativos,
ultrapassando em muito o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade
Fiscal (60%); já no Ceará o gasto, por tal métrica é menor, mas, ainda assim,
próximo ao limite. A bem da verdade, se a metodologia do Tesouro fosse aplicada
para esses fins, nada menos do que 14 dos 25 entes federativos (estados e o
Distrito Federal) estariam desenquadrados da LRF.
Não
deveria ser surpresa, portanto, concluir que o conjunto dos governos estaduais
apresente sérios problemas na área fiscal, conforme resumido na tabela abaixo, também
cortesia da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Resultado
fiscal dos governos estaduais - % PIB
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
||
Transações que afetam o patrimônio
líquido
|
|||||||||||
1
|
Receita
|
12,2
|
12,1
|
11,9
|
12,1
|
12,0
|
12,2
|
12,2
|
12,2
|
12,5
|
12,5
|
11
|
Impostos
|
7,8
|
7,7
|
7,7
|
7,7
|
7,6
|
7,6
|
7,6
|
7,8
|
8,0
|
8,1
|
113
|
Impostos sobre a propriedade
|
0,6
|
0,6
|
0,6
|
0,6
|
0,7
|
0,7
|
0,8
|
0,7
|
0,8
|
0,8
|
114
|
Impostos sobre bens e serviços
|
7,1
|
7,0
|
7,0
|
7,1
|
6,9
|
6,8
|
6,9
|
7,1
|
7,3
|
7,3
|
12
|
Contribuições sociais
|
0,6
|
0,6
|
0,6
|
0,8
|
0,8
|
0,9
|
0,8
|
0,6
|
0,6
|
0,7
|
13
|
Transferências / Doações
|
3,3
|
3,1
|
3,1
|
2,9
|
3,0
|
2,9
|
3,1
|
3,3
|
3,4
|
3,3
|
14
|
Outras receitas
|
0,6
|
0,7
|
0,6
|
0,7
|
0,7
|
0,9
|
0,7
|
0,5
|
0,4
|
0,5
|
2
|
Despesa
|
12,6
|
11,9
|
12,2
|
12,4
|
12,5
|
13,4
|
13,3
|
12,8
|
13,1
|
12,9
|
Despesa primária (ex-consumo de
capital fixo e ex-juro)
|
10,5
|
10,3
|
10,6
|
10,9
|
11,0
|
11,3
|
11,5
|
11,5
|
11,6
|
11,6
|
|
21
|
Remuneração de empregados
|
4,3
|
4,3
|
4,3
|
4,6
|
4,6
|
4,9
|
4,8
|
4,8
|
4,8
|
4,8
|
22
|
Uso de bens e serviços
|
1,7
|
1,6
|
1,7
|
1,8
|
1,7
|
1,6
|
1,6
|
1,6
|
1,7
|
1,7
|
23
|
Consumo de capital fixo
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,6
|
0,5
|
0,6
|
0,6
|
24
|
Juros
|
1,6
|
1,1
|
1,2
|
1,0
|
0,9
|
1,5
|
1,3
|
0,8
|
0,9
|
0,7
|
25
|
Subsídios
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
26
|
Transferências / Doações
|
2,2
|
2,1
|
2,2
|
2,1
|
2,2
|
2,1
|
2,1
|
2,1
|
2,2
|
2,2
|
27
|
Benefícios sociais
|
1,8
|
1,8
|
1,9
|
2,0
|
2,1
|
2,2
|
2,3
|
2,4
|
2,5
|
2,5
|
28
|
Outras despesas
|
0,5
|
0,4
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,6
|
0,5
|
0,4
|
0,4
|
Resultado operacional bruto - ROB (1-2+23)
|
0,1
|
0,6
|
0,2
|
0,1
|
0,0
|
-0,6
|
-0,5
|
-0,1
|
0,0
|
0,2
|
|
Resultado operacional líquido - ROL (1-2)
|
-0,3
|
0,2
|
-0,3
|
-0,3
|
-0,5
|
-1,2
|
-1,1
|
-0,7
|
-0,6
|
-0,4
|
|
Transações com ativos não financeiros
|
|||||||||||
31
|
Investimento líquido em ativos não
financeiros
|
0,6
|
0,2
|
0,2
|
0,4
|
0,5
|
0,0
|
-0,1
|
-0,1
|
0,0
|
-0,2
|
31.1
|
Aquisição de ativos não financeiros
|
1,0
|
0,7
|
0,7
|
0,9
|
1,0
|
0,6
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,4
|
31.2
|
Alienação de ativos não financeiros
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
31.3
|
Consumo de capital fixo
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,6
|
0,5
|
0,6
|
0,6
|
Capacidade (+)/Necessidade(-) líquida de
financiamento (1-2-31)
|
-0,9
|
-0,1
|
-0,5
|
-0,8
|
-1,0
|
-1,2
|
-1,0
|
-0,6
|
-0,5
|
-0,2
|
|
Capacidade (+)/Necessidade(-) líquida de
financiamento primária ((1-141)-(2-24)-31)
|
0,6
|
0,9
|
0,6
|
0,1
|
-0,2
|
0,2
|
0,2
|
0,1
|
0,3
|
0,5
|
Fonte: Tesouro Nacional
(dados para 2019 são os quatro trimestres acumulados até setembro)
Os
dados da STN indicam que os estados se encontram em situação mais do que
delicada no que diz respeito ao desempenho de suas contas. Seu resultado
operacional bruto, positivo em média de 2010 a 2014, tornou-se negativo nos 5
anos seguintes (no caso tomamos os quatro trimestres até setembro de 2019 como
resultado do ano fechado). Tal piora não se deve, é bom destacar, ao desempenho
das receitas, que cresceram no período, atingindo seu máximo em 2019, mas sim
ao crescimento persistente de suas despesas.
Esse
resultado também não é decorrência do pagamento de juros, que caíram no
período, mas do total de despesas primárias (também excluída, no caso, a
depreciação do capital público), cujo aumento nos últimos cinco anos ficou na
casa de 0,8% do PIB. Na verdade, as despesas primárias também atingiram seu
pico histórico em 2019, R$ 835 bilhões, bem acima da média observada entre 2010
e 2014, R$ 770 bilhões (a preços constantes do terceiro trimestre de 2019).
A
remuneração de empregados (ativos) somada aos benefícios sociais (aposentadorias
e pensões), que representava 58% da despesa primária em 2010 e 60,5% em 2014,
atingiu quase 63% em 2019, por força principalmente do gasto crescente com
funcionários inativos, cuja participação na despesa primária saltou de 17,5% em
2010 para 21,7% em 2019. Medidas em reais ajustados à inflação do período,
falamos de aumento de R$ 110 bilhões (0,7% do PIB) em nove anos.
O
resultado da crise fiscal dos estados é a forte queda de seus investimentos,
que – líquidos da depreciação – despencaram de 0,4% do PIB em 2010-14 para
menos 0,2% entre 2015 e 2019, isto é, na média dos últimos cinco anos sequer
repuseram o que foi depreciado no período.
O
padrão que emerge é claríssimo: a chamada máquina pública estadual cada vez
menos existe para prover serviços à população e cada vez mais a si mesma. Houve,
é verdade, casos heróicos, como o protagonizado por Paulo Hartung em 2017,
quando enfrentou a PM com mais galhardia que Romeu Zema e menos espalhafato do
que Cid Gomes, postura que colocou seu estado entre os mais sólidos no que se
refere às contas públicas (o Espírito Santo aparece como o segundo menor gasto
com pessoal como proporção da receitas corrente líquida, à frente apenas de São
Paulo).
Tal
exceção não comprova regra alguma, apenas que dirigentes com firmeza de
propósito no que tange à boa administração das contas públicas e que não se
vergam às pressões corporativistas conseguem resultados melhores em termos de
prestações de serviços à população, o real motivo para que existam governos.
Infelizmente, como indicado pelos números do Tesouro, trata-se de espécie dentre
as mais raras e infelizmente ameaçada de extinção.
(Publicado 26/Fev/2020)
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