No terceiro capítulo da série mostramos
que o aumento do gasto público, tanto no caso do governo federal, como no caso
dos governos locais, foi a principal causa da deterioração do resultado primário
e, portanto, do aumento da dívida.
O
artigo
dos Defensores do Gasto Público, analisado nas minhas colunas mais recentes, afirma
que:
“O
resultado primário, que se manteve positivo ao longo de quase todo aquele
período, teve um impacto próximo de zero para explicar a [estabilidade] da
dívida” e que “os déficits primários, por sua vez, invertem o sinal da
contribuição, mas respondem por apenas 0,5 p.p. do PIB/ano do aumento da dívida
bruta ao longo do período [2015 a 2018];
Esta
primeira afirmação resulta de um erro grosseiro dos Defensores, que confundiram
emissões líquidas, conceito que incorporava, entre outras coisas, as emissões
de dívidas para bancos oficiais e compra de reservas internacionais (ver tabela
abaixo) com o resultado primário do governo geral (União, estados e
municípios).
1
- Fatores condicionantes da evolução da dívida bruta do Governo Geral - % PIB
Total
|
Média anual
|
|||
2007-13
|
2014-18
|
2007-13
|
2014-18
|
|
Juros nominais
|
40,5
|
33,7
|
5,8
|
6,7
|
Emissões líquidas
|
-4,0
|
4,8
|
-0,6
|
1,0
|
Emissões para bancos oficiais
|
9,3
|
-4,2
|
1,3
|
-0,8
|
Resultado primário do Governo Geral
|
-18,0
|
7,0
|
-2,6
|
1,4
|
Operações com reservas internacionais
|
11,2
|
0,3
|
1,6
|
0,1
|
Demais
|
-6,5
|
1,6
|
-0,9
|
0,3
|
Reconhecimento de dívidas
|
0,7
|
0,3
|
0,1
|
0,1
|
Impacto de variações cambiais
|
0,1
|
1,7
|
0,0
|
0,3
|
Efeito do crescimento do PIB real
|
-13,4
|
2,3
|
-1,9
|
0,5
|
Efeito da inflação
|
-26,8
|
-17,4
|
-3,8
|
-3,5
|
Efeito cruzado PIB real x inflação
|
-1,1
|
0,2
|
-0,2
|
0,0
|
Variação da dívida
|
-3,9
|
25,7
|
-0,6
|
5,1
|
Memorando:
|
||||
Juros reais (Juros nominais (-) Efeito da
inflação)
|
13,7
|
16,3
|
2,0
|
3,3
|
Fonte: Cálculos do autor, com dados do BCB
Como
se vê, os superávits primários no período 2007 a 2013 abateram em média
2,6% do PIB por ano da dívida bruta, enquanto os déficits primários registrados
entre 2014 e 2018 adicionaram 1,4% do PIB por ano à dívida bruta.
Adicionalmente
os autores confundiram crescimento nominal com crescimento real
do PIB. O primeiro inclui a inflação, no caso medida pelo deflator
implícito do PIB, distorcendo os cálculos. Conforme mostrei em minha
última coluna (e detalhado na tabela acima), o crescimento real do produto teve
impacto menor do que os superávits primários para a redução da dívida entre
2013 e 2017 (1,9% do PIB por ano contra 2,6% do PIB por ano), enquanto a queda
do PIB entre 2014 e 2018 teve efeito menor para a elevação da dívida do que os déficits
primários (0,5% do PIB por ano contra 1,4% do PIB por ano). Por fim, o efeito
da inflação foi grande nos dois momentos analisados: reduziu a dívida em
respectivamente 3,8% e 3,5% do PIB por ano.
Já
a terceira tese dos Defensores é que o aumento do gasto público não é a causa do
déficit primário porque:
Esta
afirmação, para variar, também está errada. A taxa de crescimento mede a velocidade
do aumento das despesas, que, de fato, caiu no período mais recente, mas seguiu
positiva, isto é, os gastos continuaram a aumentar. A tabela abaixo
mostra a evolução de receitas e gastos do governo central (apenas um dos
integrantes do governo geral, mas para o qual temos informações mais detalhadas)
medidos como proporção do PIB.
2
- Resultado primário do governo central - % PIB
2007-13
|
2014-18
|
Variação
|
% D prim.
|
|
Receita total
|
22,6
|
21,2
|
-1,5
|
41
|
Transferências
|
3,7
|
3,5
|
-0,1
|
-3
|
Despesa total
|
17,1
|
19,4
|
2,3
|
64
|
Ajustes (Fundo Soberano, Itaipu, etc)
|
-0,4
|
-0,3
|
0,1
|
-3
|
Resultado primário do governo central
|
1,5
|
-2,0
|
-3,5
|
100
|
Fonte: Cálculos do autor, com
dados da STN
A
despesa primária aumentou de 17,1% do PIB no período de superávits primários
(2007 a 2013) para 19,4% do PIB no período de déficits primários (2014 a 2018),
salto de 2,3 pontos percentuais do PIB, dos quais 1,9 pontos percentuais do PIB
se devem à expansão das despesas obrigatórias. Receitas caíram, é verdade, mas o
aumento de despesas, como mostrado acima, representa 64% da piora do desempenho
primário (3,5 pontos percentuais do PIB). Vale dizer, o crescimento das
despesas é o principal responsável pelo ressurgimento de déficits primários e,
portanto, do aumento da dívida.
Cabe
notar, porém, que o encolhimento do PIB entre 2013 e 2018 explica parcela do
aumento das despesas medidas como sua proporção, já que o denominador da fração
fica menor. Para checar o resultado examinamos também os dados medidos a
valores constantes, trazendo-os para preços médios de 2018.
3
- Variação do resultado primário do governo central – R$ bilhões de 2018
Total
|
Média
|
% var.
|
|||
2007-13
|
2014-18
|
2007-13
|
2014-18
|
primário
|
|
Receita total
|
347,3
|
-91,9
|
49,6
|
-18,4
|
42
|
Transferências
|
38,7
|
13,6
|
5,5
|
2,7
|
6
|
Despesa total
|
322,5
|
115,3
|
46,1
|
23,1
|
53
|
Ajustes (Fundo Soberano, Itaipu, etc)
|
-1,7
|
3,9
|
-0,2
|
0,8
|
-2
|
Resultado primário do governo central
|
-15,6
|
-216,8
|
-2,2
|
-43,4
|
100
|
Fonte: Cálculos do autor, com dados da STN
e IBGE
A
tabela acima mostra a variação do resultado primário entre os
anos de 2007 e 2013 e de 2014 a 2018. No segundo intervalo, quando o superávit
se transformou em déficit (variação negativa de R$ 217 bilhões), as despesas
aumentaram R$ 115 bilhões, enquanto as receitas caíram R$ 92 bilhões. Muito embora
o crescimento médio das despesas (R$ 23 bilhões por ano) tenha sido mais lento
do que no período anterior (R$ 46 bilhões/ano), ele representou mais da metade (53%)
da piora observada do resultado primário.
Em
outras palavras, o aumento das despesas foi o
principal fator de piora do resultado primário, ao contrário do afirmado pelos
Defensores, erro que, em última análise, decorre do entendimento equivocado de
velocidade e aceleração, ou seja, confusão entre primeira e segunda derivadas,
resultado de formação deficiente em Cálculo I.
Reforçando
este ponto, as tabelas seguintes fazem o mesmo exercício para o governo
geral (incluindo, além do governo federal, governos estaduais e
municipais), embora para um intervalo mais curto, a partir de 2010, quando a série
calculada pelo Tesouro Nacional se inicia.
4
- Despesas primárias do governo geral - % PIB
2010-13
|
2014-18
|
Variação
|
|
Despesas primárias
|
34,9
|
38,4
|
3,5
|
Remuneração de empregados
|
11,9
|
13,0
|
1,1
|
Uso de bens e serviços
|
5,5
|
5,4
|
0,0
|
Subsídios
|
0,3
|
0,4
|
0,1
|
Transferências / Doações
|
0,0
|
0,1
|
0,0
|
Benefícios
sociais
|
13,8
|
16,7
|
2,8
|
Outras despesas
|
1,2
|
1,4
|
0,2
|
Investimento líquido em ativos não financeiros
|
2,2
|
1,5
|
-0,7
|
Fonte: Cálculos do autor, com
dados da STN
Assim,
no período de déficits primários as despesas dos três níveis de governo cresceram
de 34,9% para 38,4% do PIB (aumento de 3,5 pontos percentuais do PIB), dos quais
2,8 pontos percentuais do PIB se devem benefícios sociais (principalmente
previdência, tanto INSS quanto os regimes próprios do funcionalismo), enquanto
1,1% do PIB reflete o aumento de gasto com pessoal. No sentido contrário temos
o corte do investimento público, ou seja, a mesma dinâmica observada no caso do
governo federal.
Apresentando
os dados em valores constantes de 2018 (novamente usando o deflator do PIB) temos
a seguinte tabela.
5
- Despesas primárias do governo geral – R$ bilhões de 2018
2010
|
2013
|
2018
|
2010-13
|
2013-18
|
|
Despesas primárias
|
2.322,5
|
2.537,7
|
2.722,2
|
215,2
|
184,5
|
Remuneração
de empregados
|
801,1
|
865,5
|
917,2
|
64,4
|
51,8
|
Uso de bens e serviços
|
367,2
|
383,7
|
371,2
|
16,5
|
-12,5
|
Subsídios
|
19,0
|
34,3
|
24,6
|
15,3
|
-9,7
|
Transferências / Doações
|
1,7
|
2,5
|
3,6
|
0,8
|
1,1
|
Benefícios sociais
|
920,0
|
1.012,2
|
1.213,5
|
92,2
|
201,3
|
Outras
despesas
|
77,0
|
90,2
|
101,6
|
13,1
|
11,5
|
Investimento líquido em ativos não financeiros
|
136,5
|
149,3
|
90,5
|
12,8
|
-58,9
|
Fonte: Cálculos do autor, com dados da
STN e IBGE
Assim,
o conjunto das despesas primárias dos 3 níveis de governo aumentou R$ 185 bilhões
(R$ 37 bilhões/ano) no período de déficits primários. As fontes de aumento,
como notadas acima foram benefícios sociais (ou seja, previdência) adicionando
R$ 201 bilhões, e o funcionalismo, R$ 52 bilhões.
Para
controlar do dispêndio total os 3 níveis de governo reduziram o investimento, R$
59 bilhões, e o uso de bens e serviços (por exemplo, merenda, medicamentos,
materiais), R$ 13 bilhões, ou seja, diminuindo a provisão de serviços à
população.
O
padrão que emerge dos dados é, portanto, muito claro. A piora do resultado primário
derivou, ao contrário do afirmaram os Defensores, do aumento do gasto, não só
no caso do governo federal, mas também dos governos locais. Este, por sua vez, provém
das despesas obrigatórias, o que fica patente quando examinamos o dispêndio
primário do governo geral, em que previdência e funcionalismo representam a
parte do leão (quase 80% do total de despesas primárias em 2018), às expensas
dos serviços prestados à população e dos investimentos públicos.
Esgotados
os erros contábeis, examinarei no próximo capítulo os não menos graves erros
econômicos.
NOTA:
Este artigo foi corrigido, quando foi apontado ao autor que a série de despesas discricionárias se iniciava apenas em 2010, o que tornava inválida a média calculada para o período 2007-13. Ao auto agradece a Pedro Rossi e Esther Dwek pela correção, notando que ela não invalida a conclusão que o aumento das despesas primárias representa 64% da piora do resultado primário no período 2014-18 medido como proporção do PIB. Lamenta também que o mesmo não possa ser dito acerca das conclusões da dupla e demais autores, que permanecem invalidadas pelos argumentos apresentados neste artigo, a saber: (1) a confusão entre emissão líquida e superávit primário (que altera as estimativas da contribuição do esforço – e da falta de esforço – fiscal para a dinâmica da dívida pública; (2) a confusão entre crescimento nominal e real do PIB, que leva à superestimação do impacto do crescimento por incorporar a este indevidamente o efeito da inflação; e (3) a confusão entre taxas percentuais de crescimento de despesas/receitas e o crescimento absoluto de despesas/receitas, que os impediu de ver que as despesas, como notado acima, representam 64% da piora do resultado primário
(Publicado 25/Set/2019)
5 comentários:
O senhor se sente confortável para comentar esse fato? BC nos últimos sempre foi uma instituição respeitada.
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,mpf-e-pf-deflagram-operacao-sobre-vazamentos-do-copom-de-2010-a-2012-para-btg,70003035569?utm_source=facebook%3Anewsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais%3A102019%3Ae&utm_content=%3A%3A%3A&utm_term&fbclid=IwAR0aFISHl3AS1FPXzVTLIqCbkVfz-qRoU-7DM9enm72L-up32gC-LVISW0o
O correto seria só os funcionários de carreira do BC ocuparem esses cargos.
A maioria dos últimos presidentes vieram da iniciativa,o que aumenta a possibilidade de conflitos de interesse.
Tombini foi o único funcionário de carreira que saiu do BC e foi para o FMI,não optando pela iniciativa privada.
"Tombini foi o único funcionário de carreira que saiu do BC e foi para o FMI,não optando pela iniciativa privada."
E foi um excelente presidente do BC (modo ironia "on", senão imbecil pensa que é verdade...)
Ele foi vítima do PT.
Foi um banana, um submisso, indigno do cargo. Vítima de sua própria covardia.
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