A estabilização do dispêndio federal em
decorrência do teto de gastos abre espaço para a redução adicional da taxa de
juros. “Flexibilizar” o teto em nome de fins supostamente “nobres” limitaria
esta possibilidade.
Não
falta quem defenda a expansão do gasto público. Mesmo após os dados revelarem
que a piora do endividamento do governo, 80% do PIB em agosto de 2019, resulta
essencialmente da deterioração do resultado primário, em decorrência
principalmente do aumento de despesas, afirma-se que maiores gastos,
investimentos supostamente “focalizados”, acelerariam o processo de
recuperação.
O
argumento se encontra presente no artigo dos Defensores dos gastos, e também,
surpresa, surpresa, na coluna
de nelson barbooosa. Este último pede
flexibilização do teto de gastos para permitir a elevação do investimento,
mesmo reconhecendo (ao contrário de seus colegas), que tal decisão implicaria
elevação do endividamento, notando que a economia ainda opera abaixo do
potencial.
Pareceria
razoável, não fosse a extensa “capivara” do ex(ainda bem!)-ministro, que
essencialmente repete a mesma cantilena. Em qualquer circunstância, esteja ou
não a economia operando perto de seu potencial, barbooosa defende
aumento do investimento público, como por exemplo no final de
2009,
no final de
2010, no final de
2011, ou ainda em
2012, e isto só na primeira página de pesquisa
do Google. Só para constar, ao longo de todo este período a economia
estava ou próxima, ou (bem) acima de seu potencial, o que sugere que barbooosa
sofre de um caso clássico da Síndrome de Relógio Quebrado.
Não
se trata, é claro, do caso de hoje. Embora a recessão originária da aplicação
da Nova Matriz tenha se encerrado em 2016, a recuperação é lenta e há evidência
de uma economia operando bem abaixo do pleno-emprego, expresso na taxa de
desemprego pouco inferior a 12%, enquanto nossas estimativas para a taxa
“natural” de desemprego (bastante incertas, de qualquer forma) a colocam ao
redor de 9-9,5%. Em tais circunstâncias, há espaço para crescimento da demanda,
em particular da demanda interna, dada a desaceleração da economia global e a
crise argentina.
Isto
não significa que o melhor instrumento seja o aumento de gastos. Contrastando
com países desenvolvidos, a taxa de juros básica no Brasil, 5,5%, ainda
apresenta considerável potencial de redução, sinalizado, inclusive, pelo BC,
tanto na Ata do
Copom, quanto no Relatório
Trimestral de Inflação, divulgados na semana
passada. Conforme indicado pelo Relatório
Focus, já se espera que a Selic caia a 4,75% ao
ano no final de 2019 (a meu ver pode chegar a 4,5% ao ano e há possibilidade de
queda adicional em 2020). Este caminho parece bem mais promissor.
A
começar pelo seu efeito sobre o endividamento público. Ao contrário do gasto,
que implica emissão adicional de dívida (como barbooosa admite, mas os
Defensores ainda não), menores taxas reais de juros reduzem o ritmo de
crescimento da dívida e permitem sua estabilização mesmo com superávits
primários mais reduzidos (ou mesmo com déficits primários, caso caiam abaixo do
crescimento do PIB).
Adicionalmente,
os efeitos da taxa de juros sobre a demanda interna atuam tanto pelo lado do
consumo das famílias, quanto do investimento, ao aumentar o valor presente dos
lucros associados a este último, o grande ausente no processo de recuperação. Em
oposição ao investimento público, sujeito a decisões políticas para lá de questionáveis,
bem como a processos licitatórios complicados e demorados (mais demorados,
diga-se, do que a resposta da demanda à taxa de juros), o investimento privado
se pauta pelo retorno, o que costuma gerar resultados bem melhores do ponto de
vista de crescimento e bem-estar.
Curiosamente,
barbooosa – mesmo admitindo que a contração fiscal ajuda a reduzir a
Selic – argumenta em favor da “diversificação” para, mais uma vez, defender
maiores gastos. Deveria começar notando que sua própria admissão implica
reconhecer que a expansão fiscal limita o espaço para a queda da Selic.
Não se trata, portanto, de reduzir a Selic no mesmo montante que se espera sob
as regras correntes, mas menos do que seria possível. Não sei, não, mas parece
que há alguém aqui a defender os “rentistas” ...
De
qualquer forma, trata-se de argumento para lá de frágil, porque implicaria,
como, aliás, também admitido por barbooosa, mudar o teto de gastos,
supostamente em nome de fins que ele considera “nobres”. Isto abriria
precedentes para outros gastos também “nobres”. Que tal educação? E saúde? E
aposentadorias? Como notado por Samuel Pessoa em sua última
coluna, “grupos organizados conseguem com
facilidade pressionar o Congresso a aprovar medidas que os beneficiam em
detrimento do bem comum”. Neste contexto, é o teto de gastos que explicita as
tensões orçamentárias e torna mais difícil a vida dos lobbies.
Em
suma, o caminho para a recuperação passa pela redução dos juros, hoje possível
porque a inflação se encontra abaixo da meta, em boa parte por força da mudança
na dinâmica de gastos públicos que se seguiu à aprovação do teto. Temos uma
oportunidade inédita de finalmente trazer a taxa de juros para níveis similares
aos de nossos pares e não devemos desperdiçá-la em nome de relógios quebrados,
que marcam as horas erradas infinitas vezes ao dia.
Correção
Em minha última coluna a discriminação
entre despesas obrigatórias e discricionárias estava errada. Foi apontado que a série de despesas
discricionárias se iniciava apenas em 2010, o que tornava inválida a média
calculada para o período 2007-13.
Agradeço a Pedro Rossi, Esther Dwek e
asseclas pela correção, notando que ela não invalida a conclusão que o aumento
das despesas primárias representa 64% da piora do resultado primário no período
2014-18 medido como proporção do PIB, conforme argumentado.
Refazendo as contas para o período 2010-13
(tabela abaixo) vê-se que as conclusões permanecem: o aumento de despesa
explica a maior parte do aumento do déficit (58%). Nota-se também que o aumento
das despesas obrigatórias teve impacto ainda maior do que as despesas totais (69%
do aumento do déficit), parcialmente compensado pela redução das despesas
discricionárias.
2010-13
|
2014-18
|
Variação
|
% D prim.
|
|
Receita total
|
22,6
|
21,2
|
-1,4
|
41
|
Transferências
|
3,5
|
3,5
|
0,0
|
0
|
Despesa total
|
17,3
|
19,4
|
2,0
|
58
|
Obrigatória
|
14,8
|
17,2
|
2,4
|
69
|
Discricionária
|
2,5
|
2,1
|
-0,4
|
-11
|
Ajustes (Fundo Soberano,
Itaipu, etc.)
|
0,1
|
0,1
|
0,0
|
1
|
Resultado primário do
governo central
|
1,8
|
-1,7
|
-3,5
|
100,0
|
Apenas lamento que o mesmo não possa ser
dito acerca das conclusões da dupla e demais autores, que permanecem
invalidadas pelos argumentos apresentados em minhas colunas anteriores, a
saber: (1) a confusão entre emissão líquida e superávit primário; (2) a confusão entre crescimento nominal e real do PIB, que leva à superestimação do impacto do
crescimento por incorporar a este indevidamente o efeito da inflação; e (3) a confusão entre taxas percentuais de crescimento de
despesas/receitas e o crescimento absoluto de despesas/receitas, que os impediu de ver que o aumento das
despesas explica a maior parte da piora do desempenho primário.
(Publicado 2/Out/2019)
(Publicado 2/Out/2019)
6 comentários:
Engraçado que o senhor criticou Paulo Guedes dizendo que ele não fazia conta e elogiou Appy,um heterodoxo da Unicamp.
"Engraçado que o senhor criticou Paulo Guedes dizendo que ele não fazia conta e elogiou Appy,um heterodoxo da Unicamp."
Engraçado mesmo é o "heterodoxo" da Unicamp fazendo contas e o Paulo Guedes chutando...
Adolfo Sachsida,membro da equipe econômica reconheceu o erro e pediu desculpas,isso gato público.
Paulo Guedes deu a sua contribuição para o debate liberal no Brasil,fez sucesso no setor privado e montou uma boa equipe econômica não se assina desta forma.
Desculpe não comentar: não entendo símio.
Isso mesmo, o importante é cortar, custe o que custar!
Principalmente os investimentos.
A crise agradece!
Sempre leio seus artigos aos domingos, acompanhado de uma boa cerveja. Parabéns pela interessante mistura entre conhecimento baseado em evidências e sarcasmo aos detratores!
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