“Nosso
artigo ‘Por que cortar gastos não é a solução para o Brasil ter crescimento
vigoroso?’ publicado no dia 14 de setembro na Folha de São Paulo, teve grande
repercussão ao contrapor as ideias defendidas em artigo anterior.”
Apenas
omitem que a repercussão se deve à duvidosa honra de terem sido brindados pela Folha
com um Erramos, provavelmente o primeiro na longa história do
jornal a ser atribuído um artigo de opinião.
Meus
leitores sabem o porquê: como notado na minha primeira coluna a respeito, os autores
confundiram a emissão líquida de títulos (conta que inclui, entre outras, a
capitalização de bancos públicos e aquisição de reservas internacionais) com o
superávit primário. Concluíram, assim, erroneamente que este último não teria
colaborado para a redução da dívida pública no período 2007-13, e que os
déficits primários registrados entre 2014 e 2018 não teriam elevado a dívida
pública.
Confundiram
também o crescimento nominal do PIB (que inclui a inflação) com o crescimento
real do PIB, algo que se espera não acontecer depois do curso de Introdução à
Economia. Superestimaram desta forma o impacto do crescimento no comportamento
da relação dívida-PIB, como pude mostrar na segunda
coluna a respeito. Ao contrário do que acreditavam, o
impacto do crescimento foi menos decisivo para o comportamento da relação
dívida-PIB do que o saldo primário, tanto no período em que esta caía, como no
período de forte elevação, a partir de 2013.
Há
algum reconhecimento dos seus erros na nova tentativa? Nenhum de forma
explícita. Os assuntos foram convenientemente varridos para baixo do tapete, o
que por si só já revela a vergonha sofrida.
É
também na surdina que parecem ter encaixado o papel do saldo primário na
dinâmica da dívida. Afinal, agora querem discutir a causa da piora dos
resultados primários, insistindo na lorota que a queda da receita foi o
principal fator, não o aumento persistente da despesa federal.
Curiosamente
apresentam como evidência sua decomposição do resultado primário que mostra que
os gastos contribuíram em média 0,72% por ano para a redução do superávit
primário entre 2007 e 2013, quase totalmente compensado pelo aumento de
receitas, 0,69% do PIB por ano, enquanto entre 2013 e 2018 suas próprias
estimativas revelam que os gastos seguiram pressionado o resultado primário,
0,33% do PIB por ano, enquanto a queda das receitas contribuiu 0,30% do PIB por
ano para a redução do superávit.
Como,
até prova em contrário, 0,33 é maior do que 0,30, deve ficar claro que, sim, o
aumento das despesas teve impacto maior sobre o resultado primário do que a
queda das receitas, notando que o teto de gastos, criticado pelos Defensores, é
o responsável pela menor (embora ainda positiva) contribuição do dispêndio. Apesar
disto reafirmam que:
“o
suposto (sic) crescimento acelerado dos gastos públicos não explica a evolução
da dívida”.
Eu
já achava esta afirmação esquisita à luz das evidências levantadas por outros,
mas, ao contrariar a evidência que os próprios autores levantaram, a declaração
atinge patamares inéditos de bizarrice.
Apesar
disto, os argumentos esdrúxulos não cessam por aqui. Os autores invocam artigo
também publicado no sítio da Folha por João Romero, para
quem o déficit primário não existiria se a receita do governo federal tivesse
mantido a tendência registrada no período anterior.
Eu,
para ser sincero, apresentei argumento semelhante à Confederação Brasileira de
Basquete, notando que, se eu tivesse crescido entre os 14 e 18 anos ao mesmo
ritmo que cresci dos 11 aos 14, faria jus à vaga de pivô titular em qualquer
seleção brasileira de 1981 até pelo menos 2003. Fui injustamente ignorado...
O
tal “argumento” nada mais é do que uma extrapolação linear, procedimento contra
o qual também somos alertados nos primeiros cursos de Econometria e neste caso
não é difícil entender o motivo.
Caso
a receita e o PIB tivessem mantido suas “tendências” a partir de 2014, a carga
tributária brasileira – hoje na
casa de 35% do PIB – já teria superado 37,5% do PIB; em 2029
ultrapassaria 41% do PIB provavelmente sufocando de vez o setor privado, mas
conseguindo um lugar na seleção brasileira de basquete.
Insatisfeitos
com a realidade, que teima em impor limites à tributação, afirmam que:
“A
elevação dos gastos pode ser feita de forma a manter o orçamento equilibrado e
ainda sim ter efeitos positivos sobre a economia.”
Aqui
o pensamento mágico atinge o ápice, expresso na noção que o aumento de gastos
poderia elevar a receita em montante ainda maior com base no “efeito
multiplicador”, ignorando que o “moto-contínuo” tributário, mesmo nas condições
mais favoráveis, só funcionaria se a alíquota marginal de imposto superasse
100%, ou seja, que, dada a estrutura tributária, para cada R$ 1 de elevação de
renda o governo arrecadasse quantia maior (os cálculos estão à disposição para
quem se interessar).
Em
suma, a maior contribuição do artigo é a envergonhada confissão tácita acerca
da importância do resultado primário para a evolução do endividamento. De
resto, vale pelo passeio divertido pelo país da Matemágica.
(Publicado 16/Out/2019)
1 comentários:
Triste ver a turma da matemágica gastar tanto tempo, esforço, planilha, espaço em jornal, etc etc para propor mais do mesmo, sem nunca nunca nunca fazer uma bela autocritica, sem ir aos fundamentos dos gastos, dos porquês...
Sua paciência com esse povo, Alex, é algo a ser estudado tanto quanto as matemágicas.
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