Embora a redução da taxa de juros ajude a
conter a dívida, o desempenho fiscal esperado sugere que esta continuará
crescendo na ausência de novas reformas que permitam reduzir os gastos
obrigatórios.
A
inflação baixa possibilita ao BC testar novos limites para a taxa de juros,
processo que ainda não se encerrou. A Selic se encontra em 5,5% e, segundo o Boletim
Focus, deve fechar o ano em 4,75%, permanecendo neste nível até o final
de 2020. Apenas em 2022 a Selic atingiria 7% e lá ficaria.
Esta
visão é compartilhada pelo mercado de renda fixa, que expressa as projeções de
quem põe dinheiro a risco.
A
partir dos números publicados pela ANBIMA é possível inferir que o mercado antecipa
a taxa de juros ao redor de 4,75% ao ano para os próximos 12 meses, subindo
para a vizinhança de 7-7,5% ao ano entre o final de 2021 e o final de 2022. Há
seis meses este mesmo mercado projetava a manutenção dos juros em 6,5% ao ano
até meados de 2020, elevando-se para 9-9,5% ao ano ao longo de 2022.
Uma
mudança desta magnitude reduz a pressão de aumento sobre a relação dívida-PIB,
principal medida de solvência do setor público.
Esta
razão é influenciada pelas taxas reais de juros (isto é, o excesso de taxa de
juros sobre a inflação) e pelo crescimento do PIB. Juros superiores à inflação aumentam
o numerador da fração, enquanto o crescimento do produto eleva seu denominador,
reduzindo, portanto, a fração.
É
possível mostrar que a estabilização da relação dívida-PIB requer um resultado
primário (antes do pagamento de juros) aproximadamente igual à diferença entre
a taxa real de juros e o crescimento do PIB. Considere, por exemplo, um país
cuja relação dívida-PIB seja 80% e que pague uma taxa real de juros de,
digamos, 4% ao ano. A cada ano, portanto, o juro real acrescenta 3,2% do PIB à
dívida (0,04 x 0,80).
Caso
este país cresça 1% ao ano, o aumento da economia tira 0,8% do PIB da dívida a
cada ano (0,01 x 0,80), de modo que o resultado líquido da interação entre juro
real e crescimento do PIB eleva a dívida ao ritmo de 2,4% do PIB por ano (3,2%
- 0,8%). Para impedir que isto aconteça, o governo tem que produzir um
superávit primário no mesmo montante, isto é, 2,4% do PIB, neutralizando o
efeito da combinação juro-crescimento.
No
caso do Brasil hoje, a dívida se encontra próxima a 80% do PIB, enquanto a
Selic, como visto, deve ficar em 4,75%, contra a inflação na casa de 3,80%, ou
seja, uma taxa real de juros de 0,9%. Assim, o efeito do juro real faria a
dívida crescer pouco mais de 0,7% do PIB (0,009 * 0,80) no ano que vem.
Todavia,
se o PIB crescer conforme o esperado, 2%, o impacto reduziria a dívida em valor
equivalente a 1,6% do PIB (0,02 x 0,80). Neste caso, mesmo um déficit primário
até 0,9% do PIB (0,7 – 1,6) bastaria para estabilizar a dívida.
Laura
Carvalho fez uma conta semelhante, mas supondo
crescimento do PIB de 1,2%, e concluiu que um superávit primário
de 0,2% do PIB seria suficiente, o que, segundo ela, já seria obtido com “a
reforma da previdência e a eliminação de subsídios, desonerações e
supersalários”, sugerindo que reformas adicionais dos outros gastos
obrigatórios seriam, portanto, desnecessárias.
Há,
para começar, um erro de conta que revela a pouca intimidade com o tema.
Caso
o crescimento seja 1,2%, seu impacto reduziria a dívida em pouco menos
de 1% do PIB (0,012 x 0,80), enquanto a taxa de juros elevaria a relação
em 0,7% do PIB. Isto significa que mesmo um déficit do 0,2% do
PIB seria suficiente para manter a dívida na casa de 80% do PIB, no ano que
vem. O erro mais grave, contudo, não é este.
Ocorre
que o orçamento de 2020 projeta déficit primário de 1,6% do PIB, bem maior do
que o valor consistente com a estabilidade da dívida. Assim, mesmo com a taxa
de juros bem mais baixa, o fraco resultado primário não evitará que a dívida
suba em 2020, elevando o sarrafo fiscal para os anos seguintes.
Aliás,
como previsto pela Lei
de Diretrizes Orçamentárias publicada em abril, os
resultados primários em 2021 (-0,8% do PIB) e 2022 (-0,3% do PIB) também não
seriam suficientes para impedir o crescimento da dívida naqueles anos, mesmo se
a taxa de juros não subisse.
No
entanto, como mencionado no começo do artigo, a Selic deverá subir para perto
de 7% em 2021, contra uma meta de inflação de 3,75%, ou seja, a taxa real
de juros atingiria um pouco mais de 3% ao ano.
Caso
o crescimento da economia fique ao redor de 2% ao ano, o governo teria que
gerar um superávit primário de 0,6% do PIB em 2022, também acima
do projetado pela LDO. Mesmo se o crescimento médio fosse mais alto, 2,5-3,0%, a
trajetória de resultados primários previstos na LDO ficaria aquém do requerido
para estabilizar a dívida.
Apesar,
portanto, da queda da taxa real de juros em comparação ao esperado meses atrás,
o desempenho fiscal projetado – sob a hipótese de manutenção do teto de
gastos – ainda não bastará para estabilizar a relação dívida-PIB nos
próximos 3 anos pelo menos.
Engana-se
quem acha que a reforma da previdência (e a eliminação de “supersalários”) resolveria
o problema. Seu impacto apenas alinha o crescimento das despesas previdenciárias
ao ritmo de expansão do produto, permitindo que o governo federal mantenha os
chamados gastos discricionários em nível maior do que seria possível sem a
reforma.
Sem
reformas adicionais, o gasto federal seguiria determinado pela regra do teto,
definindo a trajetória de resultados primários expressa na LDO, insuficiente,
como vimos, para estancar o crescimento da relação dívida-PIB. Ou seja, neste
caso a dívida seguiria uma trajetória crescente e insustentável.
Não
há mágica que faça o Brasil escapar de um sério encontro com sua realidade
orçamentária nos próximos anos.
Início das aulas em certo departamento de
Economia no interior de São Paulo
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(Publicado 9/Out/2019)
3 comentários:
"a Selic deverá subir para perto de 7% em 2021". Há alguma base para essa crença de setores do mercado?
O senhor considerou o impacto de um maior crescimento na taxa real de juros?
Seria mais interessante a inclusão das despezas financeiras com a própria dívida nesse esforço, já que elas são responsáveis pela maior parte do déficit fiscal.
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