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terça-feira, 30 de julho de 2019

O caso da produtividade desaparecida


O desempenho da produtividade tem sido ruim e reflete queda disseminada entre setores. Não é um obstáculo agora, mas será para a retomada mais forte à frente.

Não há dúvida que vivemos a recuperação mais fraca de todas as registradas desde 1980, conforme indica o imprescindível trabalho do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE). Em 9 trimestres, desde o fim da Grande Recessão, o PIB cresceu pouco mais do que 3%.

Na média das 7 recuperações anteriores o produto havia crescido 9,5% no mesmo intervalo e, mesmo se limitarmos as observações às duas recessões longas e profundas (iniciadas em 1981 e 1989), o desempenho é também bastante inferior ao observado. Assim, no primeiro trimestre deste ano o produto (medido pelo Valor Adicionado a Preços Básicos e, portanto, livre do efeito de tributos indiretos) ainda se achava 5% abaixo do registrado no primeiro trimestre de 2014, último do ciclo anterior de expansão.

Há, todavia, um aspecto relativamente pouco explorado. Em que pese a queda lenta do desemprego no período (de 13% para pouco menos de 12% em termos dessazonalizados), o nível de emprego supera hoje o vigente antes da crise.

Na série livre de influências sazonais estimamos que o nível de emprego em maio deste ano atingiu 93 milhões de postos, não apenas bastante superior ao registrado no pior momento da crise (na casa de 89 milhões no começo de 2017), mas também acima do observado primeiro trimestre de 2015, 92 milhões. Mesmo com flutuações ao longo do caminho, os números da PNAD sugerem a criação líquida de algo como 3,9 milhões de empregos de março de 2017 para cá.

É bem verdade que a imensa maioria (3 milhões) dos empregos líquidos gerados desde então se encontra nos segmentos informal (sem carteira assinada, 1,1 milhão) e conta própria (1,9 milhão), mas, de qualquer forma, trata-se de expansão da ordem de 3% sobre o pior momento do mercado de trabalho e 1% sobre o vigente no início de 2014, o fim do último ciclo de crescimento.

Isto ilustra um ponto crucial para nossas perspectivas de expansão à frente: o emprego cresceu, mesmo com o valor adicionado ainda 5% abaixo do registrado naquele momento, o que sugere forte queda da produtividade, concentrada ao longo do período recessivo.

A redução do produto por trabalhador durante a recessão não é surpreendente. Naturalmente empresas evitam diminuir seus quadros na mesma proporção da queda da produção por conta dos custos envolvidos. Aqui não falamos apenas dos custos trabalhistas propriamente ditos (indenizações, etc.), mas também da perda de mão-de-obra (arduamente) qualificada. Assim, empresas podem optar (e frequentemente o fazem) por manter pessoal, à espera da próxima recuperação, o que leva ao menor produto por trabalhador.

Todavia, uma vez que a recuperação se inicia, esperamos que o contrário ocorra, isto é, durante algum tempo empresas não precisam contratar trabalhadores porque preservaram seus quadros, mas a produção aumenta, de modo que o produto por trabalhador tenderia a subir.

É este o grande ausente da recuperação atual. Na prática, o valor adicionado por trabalhador não se distingue do observado ao fim da recessão, isto é, não parece haver qualquer aumento da produtividade.

Uma explicação possível seria a mudança da composição da economia, ou seja, trabalhadores saindo de setores de produtividade mais alta para os menos produtivos (onde presumivelmente se concentraria o trabalho não-formal), de tal maneira que a produtividade média seja “puxada” para baixo. Não é o caso, porém.

Com efeito, calculamos o valor adicionado por trabalhador em oito setores da economia buscado conciliar os dados das contas nacionais trimestrais com os dados de emprego da PNAD. Observamos que, dos 8, houve aumento do produto por trabalhador em apenas três desde 2016 (agropecuária, construção e comércio), enquanto os demais registraram queda de produtividade.

Decompondo a evolução da produtividade média em dois efeitos (variações da produtividade por setor e mudança na distribuição da mão de obra entre setores), concluímos que a queda da média se deve ao primeiro fator. A mudança no perfil de ocupação por setores contribuiu na direção oposta, sem compensar, contudo, o efeito da redução disseminada da produtividade.

Este fenômeno ajuda a compreender a (modesta) queda da taxa de desemprego, mesmo contra um pano de fundo de baixa expansão do PIB, sugerindo que o crescimento potencial da economia seria também pequeno em função do comportamento da produtividade.

Olhando à frente, isto não parece ser um problema para a redução da taxa de juros, uma vez que a folga hoje existente no país (desemprego alto, baixa ocupação da capacidade instalada) aponta para a capacidade de expansão além do potencial ainda por alguns anos.

Trata-se, no entanto, de problema sério quanto ao crescimento de longo prazo. Por enquanto temos nos ocupado, por motivos óbvios, com reformas de natureza fiscal, mas o foco deverá mudar, tão cedo quanto possível, para uma agenda de produtividade, da qual a reforma tributária deverá ser peça central, embora não a única.

Seguimos assim condenados à reforma, tema seguramente menos divertido que a discussão sobre embaixadas, Ancine, a prisão e tortura de Miriam Leitão, bem como a relação com os governadores do Nordeste, mas, acredito, infinitamente mais relevante.




(Publicado 24/Jul/2019)

13 comentários:

Um amigo meu perdeu o emprego em 2015. Como já tinha tempo de serviço se aposentou. Desde então vem fazendo tarefas em casa, como pintura, encanamento, eletricidade, impermeabilização e jardinagem para as quais não teria tempo se continuasse no emprego. É claro que sua produtividade nesses serviços é baixíssima e a qualidade duvidosa, mas como tem tempo...

Na área econômica o seu governo lembra Ronald Reagan e Margareth Thatcher.

Acordo de livre com a UE,EUA.

off-topic

Alex,

Vejo pós-keynesianos, como a Laura Carvalho ou o Nelson Barbosa, por exemplo, falarem sempre em usar a política fiscal para a recuperação. Quando vão falar sobre o porquê dão o exemplo da grande depressão ou algo do gênero, dizendo que abaixar a taxa de juros pode não funcionar para induzir a recuperação, geralmente por existir incerteza no horizonte ou muita capacidade ociosa, etc. Então faz-se necessário o uso da política fiscal.

Não consigo entender esse argumento porque para mim ele só faz sentido na zero lower bound. Dado que a taxa de juros é um dos fatores, dentre esses outros, deve existir algum nível em que este mais que compense os outros. Se tenho juros positivos, ainda posso abaixá-los, e portanto expandir a demanda caso o nível menor de juros induza a tomada de crédito. O argumento da política fiscal só faria sentido no caso extremo em que a política monetária está constrangida pela zero lower bound (abstraindo aqui as possibilidades de afetar a demanda pelo canal das expectativas).

Meu raciocínio está correto ou há alguma situação em que a política fiscal é preferível à política monetária nesse contexto?

abs, Zamba

Como os empregos que surgiram são em sua maioria "informais" ou "por conta própria", acredito que muita dessas relações provavelmente não são computadas pelo cálculo do PIB de maneira eficiente. Poderia ser uma das causas sobre a diminuição da produtividade no Brasil?


Talvez a minha dúvida não seja relevante devido a minha falta de conhecimento acerca do tema, mas acredito que esse seja um ponto interessante a se levar em conta.

Boa tarde, Alexandre
Qual sua opinião sobre esse artigo?

https://www.valor.com.br/cultura/6383355/andre-lara-resende-o-equivoco-dos-juros-altos

Ao ler seus textos tenho a impressão de que a economia é uma imensa rede com milhares de conexões impactadas por milhares de variáveis mas que existe um "fio central", "um caminho crítico" que independente das forças de cada variável tende a ser retomado. Entendo que esse caminho seja definido pela escola defendida pelo gestor da política econômica a cada governo e, após escrever tudo isso achei tão óbvio que quase apaguei. Rsssss

"Acordo de livre com a UE,EUA"

Em qual universo da dimensão Z (de zurro!) há um acordo de livre comércio com os EUA?

"Meu raciocínio está correto ou há alguma situação em que a política fiscal é preferível à política monetária nesse contexto?'

Eu assino embaixo, Zamba. Abs

"Como os empregos que surgiram são em sua maioria "informais" ou "por conta própria", acredito que muita dessas relações provavelmente não são computadas pelo cálculo do PIB de maneira eficiente. Poderia ser uma das causas sobre a diminuição da produtividade no Brasil?"

Pode ser sim.

"Qual sua opinião sobre esse artigo? "

Não li ainda, mas - dado o histórico recente do autor - deve ser uma bosta.

https://exame.abril.com.br/economia/de-olho-no-livre-comercio-brasil-e-eua-tentam-avancar-acordo-sobre-acucar/

"https://exame.abril.com.br/economia/de-olho-no-livre-comercio-brasil-e-eua-tentam-avancar-acordo-sobre-acucar/"

Açúcar = livre-comércio, mas só na dimensão Z (de zurro)

Caro Alexandre,
É bem possível que já tenha comentado, mas se estivesse sentado na cadeira do Sr. Paulo Guedes, o que o senhor entende que precisaria ser feito no curto, médio e longo prazo, quanto à economia do país?