O
anunciado acordo comercial com a União Europeia (UE) é uma excelente notícia,
ainda mais num país carente de boas novas, principalmente (mas não apenas) na
área econômica. A começar porque se trata de um pacto de porte num mundo que
tem se movido no sentido oposto.
Depois
de décadas de abertura crescente, mais ancorada, é verdade, em tratos
bilaterais do que num grande acerto multilateral (como seria a rodada Doha),
testemunhamos recuos importantes nesta frente, como a retirada americana do Trans-Pacific Partnership (TPP), a
guerra comercial entre EUA e China, bem como diversas outras instâncias de
restrição ao comércio internacional, em geral amparadas em argumentos duvidosos,
quando não simplesmente falsos.
Contra
este pano de fundo não há como minimizar a importância deste empreendimento
apesar da desproporção entre os parceiros: pela paridade de poder de compra o
PIB da União Europeia é pouco inferior a US$ 19 trilhões, enquanto o do
Mercosul se encontra ao redor de US$ 4,5 trilhões. Tomadas em conjunto, estas
economias representam perto de 20% do PIB global.
Em
linhas gerais, o acordo elimina as tarifas sobre 93% das exportações do
Mercosul para a UE (hoje cerca de um quarto das exportações para lá se
beneficia disto) e oferece “tratamento preferencial” para os 7% restantes,
enquanto na direção oposta 91% das exportações europeias para o Mercosul ficam
livres de tarifas. Dado o perfil das exportações brasileiras para lá, espera-se
que o agronegócio brasileiro seja bastante favorecido, já que restrições hoje
existentes limitam severamente as vendas de um setor muito competitivo sob
condições de igualdade.
Isto
dito, não tenho como aferir a precisão dos números divulgados acerca de
possíveis ganhos de PIB num horizonte de 15 anos, que vão de US$ 88 bilhões a
US$ 125 bilhões. A começar porque as mudanças não ocorrerão imediatamente, mas
de forma gradual ao longo de 10-15 anos, depois da aprovação por parte dos
parlamentos nacionais das respectivas uniões aduaneiras (inclusive o Parlamento
Europeu), o que deve demandar mais alguns meses pelo menos.
Todavia,
apesar do costume de embalar acordos comerciais em termos das vantagens para o
produtor nacional e aumento do PIB, não é esta a ótica correta para analisar
tais acertos. Quem paga a conta do protecionismo é o consumidor, em favor de
uns poucos setores mais bem organizados que conseguem convencer as forças
políticas a criar arranjos que transferem renda dos setores dispersos.
Assim,
o principal ganhador é o consumidor de ambos os lados do Atlântico, que passará
a usufruir de produtos melhores e mais baratos, principalmente os do lado de
cá, dado que as tarifas cobradas pelo Mercosul são mais altas em média,
chegando a 35% no caso de automóveis e artigos de vestuário e, crucialmente,
27% no caso dos vinhos...
Há
também, é bom deixar claro, ganhos de produtividade, pelos efeitos de
redirecionamento de trabalho e capital para os setores relativamente mais
produtivos em detrimento de segmentos que serão reduzidos (ou deixarão de
existir) ao fim do processo de transição. Novamente, por força das distorções
serem maiores na economia que inicialmente apresenta tarifas mais altas, os
ganhos devem ser também maiores no Mercosul e, por extensão, no Brasil.
Não
deve ser, porém, um processo sem custos. Como notado, nem todas empresas
sobreviverão e a migração de trabalhadores de setores em declínio para os em
expansão não ocorrerá de forma imediata e indolor. Como o prazo de transição é
extenso, ainda é possível atenuar alguns destes custos, mas seria mentira
afirmar que todos se beneficiarão no final do processo: não apenas o ganho será
desigual, mas provavelmente haverá também perdedores.
Isto
não é razão para voltar atrás. Muito do nosso atraso se deve precisamente aos
obstáculos que foram erigidos (em alguns casos reconstruídos) para isolar a
economia nacional da concorrência em benefício de poucos. Manter o estado atual
das coisas serve apenas para preservar privilégios à custa do restante da
sociedade. Trata-se, pois, de um avanço inequívoco, que deve ser comemorado
mesmo que demoremos a sentir seus efeitos.
(Publicado 3/Jul/2019)
4 comentários:
Agradeça a Bolsonaro:Reforma da previdência,reforma tributária,privatizaçãoes.
Agradeça a Rodrigo Maia a reforma da previdência. Já o resto, que ninguém viu...
Governo Bolsonaro fez uma reforma da previdência com valor próximo de um trilhão e o senhor nem elogia o seu governo,a equipe econômica.
"senhor nem elogia o seu governo,a equipe econômica."
Elogio o Rodrigo Maia e o Centrão. Se dependesse do presidente estaríamos f...
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