O BC deve voltar a reduzir a Selic. Embora
a magnitude do primeiro movimento seja relevante, o mais importante é o tamanho
do ciclo, que pode superar as expectativas atuais de corte de 1 ponto
percentual.
O
Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) pode hoje reiniciar o
ciclo de distensão monetária e muito provavelmente o fará. Há bastante
discussão acerca do tamanho do movimento: enquanto a maioria dos analistas
aponta corte de 0,50% na meta para a taxa Selic, outro grupo, menor, mas também
numeroso, acredita em redução mais modesta, 0,25%.
A
discussão não é acadêmica: há dinheiro na mesa, dado que preços de mercado embutem
chance maior do corte mais agressivo, indicando que uma eventual frustração
destas expectativas poderá causar certo prejuízo, o que, diga-se, é da natureza
do mercado financeiro. Ainda assim, não me parece ser a questão mais
interessante, que, da forma como vejo, é o tamanho do ciclo adicional de
relaxamento, memoravelmente apelidado de “orçamento” por Eduardo Loyo.
Com
base nas projeções divulgadas no último Relatório de Inflação (publicado em
junho), que devem estar algo defasadas, a queda total da Selic seria da ordem
de 1 ponto percentual (ou 100 pontos base), de 6,5% aa para 5,5% aa.
Com
efeito, no cenário em que a Selic é mantida inalterada, o BC projetava a
inflação em 2020 (seu atual horizonte) em 3,7%, abaixo da meta de 4,0% fixada
para o ano que vem. Por outro lado, caso a Selic fosse reduzida para 5,75% aa,
a inflação no próximo ano chegaria a 3,9%, levemente abaixo da meta.
Dadas
as estimativas dos efeitos da redução da Selic sobre a inflação (cada ponto
percentual a menos de juros geraria em torno de 0,25% a mais de inflação),
haveria ainda espaço para levar a Selic a 5,5% aa, ou seja, o orçamento de 100
pontos base para redução da taxa de juros.
Dito
isto, creio haver condições para um afrouxamento maior. A começar porque, como
disse, as projeções do BC serão atualizadas e provavelmente indicarão um
cenário ainda mais favorável para a inflação.
De
fato, o atual ritmo de expansão do produto é menor do que as estimativas mais
pessimistas acerca da capacidade de crescimento potencial do PIB, ou seja, temos
fortes razões para suspeitar que a ociosidade de recursos na economia não está
sendo reduzida. Ao contrário, há uma boa chance de ter se elevado um pouco na
primeira metade deste ano (apesar da leve queda do desemprego), com reflexos
baixistas sobre a inflação num horizonte de dois a três trimestres, ou seja,
com impactos ainda em 2020.
A
maior parte desta história diz respeito à demanda interna, em particular a
fraqueza do investimento, mas um pedaço considerável reflete também um ambiente
internacional de desaceleração.
As
estimativas do CPB (órgão holandês que consolida dados globais de produção e
comércio) apontam para redução do ritmo de expansão do comércio mundial de
pouco mais de 5% no primeiro trimestre do ano passado para cerca de 1,5% no
segundo trimestre deste ano, possível reflexo da “guerra comercial”. Tal
desenvolvimento aponta também para um cenário de manutenção do elevado grau de
ociosidade de recursos no país, em particular no setor industrial, sem maiores reflexos,
contudo, no dólar, um receio do BC.
Já
os últimos números de inflação confirmaram que a aceleração observada no começo
do ano era mesmo um fenômeno não só transitório, como limitado a uma fração
relativamente modesta dos índices de preços. Há hoje convergência da inflação
“cheia” e seus núcleos (medidas alternativas, construídas para separar
“acidentes” daquilo que parece ser o comportamento subjacente da inflação) na
casa de pouco mais de 3% ao ano, sugerindo um processo inflacionário bastante
bem-comportado.
Da
mesma forma, as expectativas de inflação permanecem firmes ao redor da trajetória
de metas, indicando forte credibilidade do BC.
Finalmente
a aprovação (ainda em primeiro turno e só na Câmara, é verdade) da reforma
previdenciária, embora não resolva todos os problemas fiscais do país (para não
falar de questões como educação, produtividade, etc.), sinaliza um passo
importante no sentido de evitar uma crise de grandes proporções nos próximos
anos. Isto transparece na redução da percepção de risco-país (não só em termos
absolutos, mas na comparação com nossos pares), sugerindo que está em curso um
processo de redução da taxa estrutural de juros.
Este
conjunto aponta para a possibilidade de um orçamento maior, que não seria
executado apenas neste ano, mas poderia avançar em 2020. Caso o BC já esteja
convencido disto, provavelmente iniciará o ciclo com uma redução mais
agressiva, 0,50%; se ainda não estiver convencido, será possivelmente mais
cauteloso.
Assim,
independentemente da escolha de hoje, acredito que os desenvolvimentos nos
levarão às taxas de juros mais baixas de nossa história, exatamente o oposto
daquilo que diziam os defensores da tese que a política econômica existe “para
beneficiar os rentistas”. No mínimo vai forçar este pessoal a novos
contorcionismos, para nosso gáudio e diversão.
(Publicado 31/Jul/2019)
4 comentários:
Tudo isso fruto de um governo liberal,comprometido com o ajuste fiscal.
Diferente das gestões anteriores,incluindo a sua que o BC não não cumpria a meta.
"Diferente das gestões anteriores,incluindo a sua que o BC não não cumpria a meta"
De fato, nós não "não cumpríamos" a meta.
Alex, minha dúvida é com respeito a eficiência fiscal da reforma sem a inclusão de estados e municípios.
Se não houver acordo para uma PEC que inclua os estados e municípios e a reforma pare por ai. Quanto tempo dura o ajuste proporcionado por essa reforma? JJA
"Quanto tempo dura o ajuste proporcionado por essa reforma?"
Se as projeções do Ministério da Economia são válidas, pelos menos 3-5 anos de estabilidade do gasto previdenciário (INSS) na casa de 8,5% do PIB.
A dificuldade é que os estados, sem reforma, cedo ou tarde irão bater na porta do governo federal, talvez ainda antes disto.
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