Os comentários de Ciro Gomes sobre a reforma da previdência
revelam sua completa falta de intimidade com o tema, apesar do tom pomposo de
sempre
Ainda não é possível dizer com precisão qual será o impacto da
aprovação da reforma previdenciária sobre as contas públicas, mesmo porque
teremos o segundo turno de votação no mês que vem e não podemos descartar a
possibilidade de desidratação adicional da proposta.
De qualquer forma, estimativas de desidratação apontam para uma
redução do impacto da ordem de R$ 250 bilhões em 10 anos. A Instituição Fiscal
Independente (IFI) estima o impacto total pouco inferior a R$ 750
bilhões (dos
quais R$ 700 bilhões correspondem a despesas menores), enquanto o Executivo
apresenta previsão mais otimista, pouco abaixo da meta de R$ 1 trilhão, do qual
a redução de despesas atingiria R$ 970 bilhões.
É possível, porém, apontar desde já as lorotas acerca da reforma,
vindas, é claro, dos suspeitos de sempre. O melhor exemplo vem do indefectível Ciro Gomes, sempre pronto a
proferir barbaridades acerca de assuntos que pouco (ou nada) entende, mas num
tom de quem se considera a suprema autoridade no tema.
Assim, ele papagueia a lenda urbana sobre 83% do impacto da
reforma vir de quem ganha até R$ 2 mil reais. Mesmo que isto fosse verdade (e
não é, como veremos), esta afirmação deixa de lado que há hoje cerca de 30
milhões de segurados na previdência para trabalhadores do setor privado (RGPS)
contra 1,1 milhão no caso do funcionalismo (RPPS).
Posto de outra forma, o RGPS concentra nada menos do que 96,5% dos
beneficiários do sistema, enquanto o RPPS atende os 3,5% restantes. Se a
conversinha dos 83% tivesse qualquer base na realidade ainda assim revelaria
que o fardo maior recai sobre o funcionalismo, cuja aposentadoria média é algo
como seis vezes maior que registrada no RGPS.
Na verdade, porém, de acordo com a proposta original mais da
metade das economias viria nas mudanças das aposentadorias por tempo de
contribuição (35%) e RPPS (18%), justamente os grupos mais bem posicionados na
escala de renda. Em ambos os casos, note-se, a idade de aposentadoria hoje se
dá ao redor dos 55 anos, enquanto os pobres (que se aposentam por idade) se
aposentam na casa de 60 anos (mulheres) e 65 (homens), com valores bastante
próximos do salário mínimo.
Com o projeto aprovado em primeiro turno isto fica ainda mais
nítido, já que 40% da economia estimada virá da eliminação da aposentadoria por
tempo de contribuição e algo como 15% das novas regras do RPPS. A menor
contribuição do funcionalismo é prova do poder do seu lobby, ao qual curvou-se
toda esquerda brasileira, inclusive o partido de Ciro Gomes.
Afora este erro, Ciro também insiste na tese que o cálculo da
aposentadoria com base em todos os salários (e não apenas nos 80% maiores)
implicaria perda de 13% no valor das aposentadorias. Parece esquecer (se é que
cabe aqui o verbo) que nada menos do que 24 milhões de aposentados
(praticamente 2/3 do total no RGPS) hoje recebem um salário mínimo, o piso das
aposentadorias, ou seja, que para a imensa maioria a regra dos 80% não faz a menor
diferença.
Aliás, como o salário mínimo (ajustado ao INPC) mais do que dobrou
nos últimos 25 anos (na verdade teve aumento na casa de 140%), os hoje 24
milhões de aposentados nesta faixa ganham mais do que ganhariam pela regra de
80%. Isto obviamente não quer dizer que vivem confortavelmente com esta renda,
mas sim que a crítica de Ciro Gomes mais uma vez se mostra desinformada.
Afirma também que “a combinação de idade mínima com tempo de
contribuição de 40 anos na prática levará os pobres a não ter mais aposentadoria:
em 40 anos o trabalhador fica ao menos 8 anos sem carteira assinada (IBGE)
assim, para ter a aposentadoria integral teria que trabalhar até os 73 anos
pelo menos (soma da idade mínima com mais 8 anos de contribuição adicionais).”
É mais uma vez traído pela memória fraca. Como vimos, para os
trabalhadores mais pobres, que já se aposentam por idade, as mudanças foram
marginais. Mulheres se aposentarão aos 62 anos (não mais aos 60), enquanto
homens seguirão se aposentando aos 65, em ambos os casos com 15 anos de
contribuição. Pelos próprios números de Ciro Gomes (40 anos de trabalho, dos
quais 8 sem carteira assinada), nenhum deles seria impedido de continuar se
aposentando aos 65 (ou 62 no caso das mulheres).
À luz das lorotas de Ciro deve ficar claro o acerto de Tabata
Amaral. Não se deixou guiar pelo oportunismo e entendeu como políticas públicas
devem ser guiadas por fatos, não por “narrativas”, cuja função é justificar, a
posteriori, decisões que não se sustentam em evidências.
Fica clara também, como notou meu filho, a diferença entre estudar
de verdade em Harvard e fazer por lá um curso de inglês, cujo resultado
consegue ser ainda pior que Eduardo Bolsonaro se expressando no idioma de
Shakespeare.
(Publicado 17/Jul/2019)
8 comentários:
Mais Harvard, menos Hogwarts.
abs, Zamba
Está faltando o senhor elogiar o governo Bolsonaro,com as medidas econômicas que vem sendo adotadas.
"Está faltando o senhor elogiar o governo Bolsonaro,com as medidas econômicas que vem sendo adotadas."
Faltam só as medidas...
Alex, ainda que a aprovação da reforma previdenciária (em primeiro turno somente) seja mérito mais do Congresso que do governo, você acha que se o partido vencedor das últimas eleições presidenciais tivesse sido o outro, nós estaríamos com alguma reforma minimamente decente aprovada neste momento? Ou seja, apesar de todos os pesares, não estavam certos aqueles que viram uma pequena possibilidade (ou esperança) de melhora (pelo menos na economia) ao optar por não permitir o retorno dos formuladores da nova matriz econômica ao poder?
Eu achava que a filha da feiticeira fez um MBA em Harvard. MBAs sao equivalentes a cursos de Ingles nao?
Ainda estou também aguardando uma medida econômica, pois estão tratando as reformas da previdência como a salvação e depois o que sera do Brasil se não der certo daqui 10 anos, quando na verdade estamos precisando de algo emergencial então esperança não pode ficar somente por conta das reformas.
João Neto
“Na verdade, porém, de acordo com a proposta original mais da metade das economias viria nas mudanças das aposentadorias por tempo de contribuição (35%) e RPPS (18%), justamente os grupos mais bem posicionados na escala de renda.”
É uma lenda urbana que trabalhadores de baixa renda não se aposentam por tempo de contribuição.
De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social, no triênio 2015-2017, do total de aposentadorias concedidas por tempo de contribuição, 45,4% foram de até 2 salários mínimos.
São pessoas de baixa renda que, de acordo com o senhor, com a reforma terão de trabalhar em média 10 anos a mais para se aposentar.
E, por óbvio, uma parte da economia com a extinção desse tipo de benefício recai sobre esses trabalhadores.
"E, por óbvio, uma parte da economia com a extinção desse tipo de benefício recai sobre esses trabalhadores."
E, por óbvio, sua capacidade de interpretação de texto é quase tão boa quanto o inglês do Ciro. Não disse que nada recai sobre os que ganham 2SM; disse que a maior parte recai sobre quem ganha mais do que 2SM. E, certamente, não é 83% do ajuste sobre quem ganha menos de 2SM.
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