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terça-feira, 30 de agosto de 2016

Raspa de tacho

Ponha-se na seguinte situação: você tem a receber certo montante de dinheiro de várias pessoas. Não será tudo pago de uma única vez, mas distribuído ao longo de muitos anos. Por outro lado você está endividado e enfrenta dificuldades financeiras. Parece natural, portanto, que pense em alguma forma de antecipar aquilo que irá receber para abater suas dívidas, medida que ainda ajudaria a reduzir suas despesas com juros.

Isto não difere, em essência, da proposta de “securitização de recebíveis” recentemente colocada em discussão no Congresso. Tanto o governo federal como os estaduais têm a receber um fluxo de recursos relativo a tributos que não haviam sido pagos, mas que foram regularizados ao longo do tempo. Tipicamente empresas prometem pagar os atrasados dentro de um prazo determinado sob certas condições (abatimento de multas, etc).

O que se propõe, neste contexto, é que governos possam antecipar a entrada destes recursos vendendo a potenciais interessados o direito a seu recebimento. Trata-se, em última análise, da venda de um ativo do governo, equivalente à venda de uma propriedade, que, estima-se, poderia gerar algo da ordem de R$ 55 bilhões para o governo federal e R$ 30 bilhões para os governos estaduais.

Há, porém, oposição. Representantes da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional acreditam que o governo só deve vender o osso (créditos com maior risco econômico) e manter para si o filé. É uma bobagem: quem vende osso, recebe o valor de osso; quem vende filé, recebe o valor de filé. A questão aqui é criar mecanismos que favoreçam a competição por estes créditos, de forma a garantir o maior valor possível, deixando claro, desde o início, que o risco de crédito depois da venda fica todo para o comprador, sem passivos para o setor público.

Posto de outra forma, se o filé for realmente tão bom como defendido pela PGFN um leilão bem desenhado (e há gente no governo que entende do assunto) garantirá que se pague o valor correto por estes créditos.

Isto dito, se a venda de recebíveis equivale à alienação de ativos, seu tratamento contábil não pode ser diferente daquele adotado até agora. Recursos oriundos de privatização, por exemplo, de natureza similar à securitização, não foram tratados como receitas fiscais, ou seja, estes ingressos não se traduziram em redução do déficit público.

Uma analogia pode ser útil: a família que vende um de seus carros não contabilizaria o dinheiro da venda como salário de seus membros. Da mesma forma, vendas de ativos não representam renda corrente regular, mas uma operação pontual, de natureza diferente do fluxo normal de receitas do governo. Devem, portanto, ser entendidas como financiamento do déficit, não como receita do governo.

Também por este motivo eventuais recursos obtidos com a securitização não devem ser usados para o pagamento de despesas correntes. Mantendo a analogia, não seria uma boa ideia para a família acima vender o carro para pagar as férias, em particular se tiver dívidas. Estes recursos devem ser usados para reduzir o endividamento e a despesa com juros.

No final das contas, se bem feita, a securitização pode ajudar a reduzir o ritmo de aumento da dívida. Não vai mudar o jogo, mas daria algum fôlego enquanto o ajuste fiscal não se materializa.




(Publicado 25/Ago/2016)

28 comentários:


Neste momento várias categorias de servidores públicos deveriam declarar-se sob suspeição nestes assuntos. Como a grita contra o reajuste de setores privilegiados dos servidores públicos criou um mal estar, juízes, procuradores, membros da policia federal e da receita federal,têm vindo a publico defender os seus ganhos, nada modestos, bem acima de qualquer ganho de produtividade.
Eu vejo argumentos do tipo "Graças a nós o governo recuperou tantos milhões", ou "Se o nosso salário não for alto, a corrupção aumentará no nosso setor".
Os maiores adversários das reformas serão as corporações. A geração concurso publico. Existe uma espécie de esquerdismo corporativo em certas categorias.
Como não existe produtividade, meritocracia e competitividade para eles, vale a chantagem.

Fala Alex, sabe quais são as elasticidades do IPCA em relação ao hiato do produto por trimestre (de 1 a 8)?

Alexandre, quero ver falar agora mal desse BC. Comunicação de bosta. Falaram do Pombini e agora só babam ovo dessa galera...

Alexandre,

O que você acha dos trabalhos do Vladimir K. Teles da EESP?

Recomenda?

Att,

Carlos

Qq gestor publico que enverede por esas raciocinio ira levar a vida inteira respondendo a processos no MP.

Oi Alexandre Schwartsman, tudo bem? Por acaso você costuma usar o modelo de pequeno porte do BCB? Sabe dizer o que exatamente é feito (por exemplo, quais controles em cada equação, estima equação por equação ou tudo junto? Como faz para prever com base nele, dado que tem muita variável exógena?

Desculpe tanta pergunta, mas você é referencia pra mim.

Bjs, Bruna Toledo (Insper)

Sim, Bruna, costumo.

O espaço é pequeno para explicar, mas:

1) Você pode achar os controles no próprio relatório de inflação do BC; (era controle mesmo que você queria saber ou instrumentos?)
2) No caso estimamos todas as equações simultaneamente
3) Tipicamente supomos que todas as variáveis exógenas se mantenham nos últimos valores observados. exceto:
a) Trajetória fiscal
b) Taxa de juros (no caso do cenário de mercado)
c) Taxa de câmbio (no caso do cenário de mercado)
d) Inflação de administrados (usamos o Focus)

"O que você acha dos trabalhos do Vladimir K. Teles da EESP?"

Não conheço. Amigos que conhecem elogiam.

"sabe quais são as elasticidades do IPCA em relação ao hiato do produto por trimestre"

Não. Sei as estimativas que temos aqui.

"Alexandre, quero ver falar agora mal desse BC."

Quando fizerem algo que considere errado criticarei. Perdeu grana no pré?

Alexandre, obrigado pela resposta. Mas como faz para estimar em conjunto as equações? Sabe onde aprendo isso?

Bjs Bruna

"Quando fizerem algo que considere errado criticarei."

Em uma reunião eles falam que a redução de juros só ocorrerá quando as projeções do cenário de mercado apresentarem inflação na meta. Como estava em 5,5% a projeção no cenário de mercado, calaramente as condições não permitiam flexibiliação das condições monetárias.

Agora, nessa última reunião, o cenário de mercado aponta para 5,1%. Se valesse a comunicação anterior do BCB (em outras palavras, se ela fosse crível), então não haveria espaço para flexibilização das condições monetárias. De fato, a flexibilização não ocorreu na prática, mas no discurso, com o desaparecimento da expressão que fazia referência a esse ponto.

Se fosse com o Tombini, todos cairiam de porrada. Mas agora com os amiguinhos, pode tudo. Tem que ser rigoroso. Erraram feio na comunicação.

Abs
Julio Almeida

Quais as estimativas de vcs para a sensibilidade da inflação ao hiato?

A sua critica feita no Globonews Painel de que a Fiesp gosta de receber dinheiro do governo via subsidio não faz sentido.


Acabei de ver sua participação no Globo News Painel, e me chamou atenção seu comentário sobre a oportunidade perdida no começo do 1º governo Lula.
Eu não tenho dúvida do seu comprometimento com a macroeconomia, o ajuste fiscal o combate a inflação. Mas será esta a nossa prioridade?
Seriam estas as medidas para melhorar a vida da nossa população, acabar a pobreza e transformar o Brasil em um país mais justo?
Estamos discutindo as reformas da previdência e da legislação trabalhista, não falta uma reforma tributária?

So para deixar claro que o PT sempre esteve de portas abertas para receber o senhor e Marcos Lisboa para um dialogo,infelizmente os economistas ortodoxos nunca quiseram nos procurar,talvez por preconceito.

"So para deixar claro que o PT sempre esteve de portas abertas para receber o senhor e Marcos Lisboa para um dialogo"

Claramente um atentado à minha vida: se conseguir parar de rir e respirar comento

"A sua critica feita no Globonews Painel de que a Fiesp gosta de receber dinheiro do governo via subsidio não faz sentido."

Ainda sem conseguir respirar, desculpe

"Seriam estas as medidas para melhorar a vida da nossa população, acabar a pobreza e transformar o Brasil em um país mais justo?"

Claramente não. Inflação baixa não tem nada a ver com melhorar a vida da população; só banqueiro gosta de inflação baixa...

Aleeeeex, help, please. Como faço para estimar equações em conjunto? Fica mto ruim se eu estimar separadamente?

bjs, bruna


"Claramente não. Inflação baixa não tem nada a ver com melhorar a vida da população; só banqueiro gosta de inflação baixa..."

Viu você foi covarde. É obvio que a inflação baixa é necessário. Não interessa o que os banqueiros acham.
Eu fiz duas perguntas, mas você respondeu a que seria mais conveniente. Existem várias outros pontos em aberto.

Se devemos ter um cambio que favorece a industria nacional?
A estrutura tributária é justa no Brasil?
A própria qualidade do gasto?

Não queira sempre partir para a briga. Você criou a regra de que quem quiser debater no seu blog com honestidade seria respeitado.
Mas respeito pela divergência não é da sua alma.


Diante do adiamento do envio da reforma da previdência, quando esta maravilhosa equipe econômica, "que entende o problema", deveria abandonar este governo?

Não gostei da declaração do José Roberto de que vai haver uma quebradeira de empresas do porte da Odebrecht.Trabalho na Odebrecht e ela é uma empresa importante para o Brasil,exemplo de eficiencia e gestão.

Gostaria do seu apoio à candidatura Márcio Pochmann em Campinas.
Os economistas precisam ser mais unidos.

"Mas respeito pela divergência não é da sua alma."

Alma não existe, supersticioso. O blog é meu e quem vem aqui segue minhas regras, não as suas.

"Aleeeeex, help, please. Como faço para estimar equações em conjunto? Fica mto ruim se eu estimar separadamente?"

Fica diferente e há informação que se perde. Agora, se você quer os comandos do EViews, sou a pessoa errada para perguntar. Eu só peço estimação conjunta. não rodo o EViews (privilégios da idade)

"Gostaria do seu apoio à candidatura Márcio Pochmann em Campinas.
Os economistas precisam ser mais unidos."

Pô, aí também é sacanagem. Vou precisar de um desfibrilador aqui...

Alex, tem pelo menos referencia de como estima essas equacoes em conjunto?