A proposta de criação do
teto para as despesas federais é a principal iniciativa do governo na área
fiscal. É também a única iniciativa do governo na área fiscal, mas seria a
principal mesmo se houvesse outras. A razão é simples: há mais de duas décadas
os gastos do governo vêm crescendo a um ritmo de 6% ao ano acima da inflação.
Como o PIB não cresce
(nem crescerá) à mesma taxa, a tendência é que a despesa ocupe um pedaço crescente
do produto. Assim, em 1997 o gasto equivalia a 14% do PIB; já em 2016 deve
atingir 20% do PIB. Se este ritmo for mantido pelos próximos 10 anos
adicionaríamos algo como 3% do PIB ao dispêndio federal. Tem, portanto, razão o
Ministro da Fazenda ao afirmar que “se não for aprovado o teto dos
gastos de despesas (...) só resta aumentar imposto (sic)”.
Há, claro, quem defenda
esta alternativa, mas não parecem se dar conta das consequências. O Brasil já apresenta
uma das maiores cargas tributárias dentre países com renda média (é o 25º no ranking de carga tributária, mas apenas 68º em renda per capita).
Além disto, ela é
extraordinariamente complexa: segundo o Banco Mundial uma empresa
brasileira típica requer 2.600 homens-hora/ano dedicados à tarefa de pagar
impostos,
algo como duas vezes e meia mais do que na Bolívia (a segunda colocada), ou
quase quinze vezes mais do que a média dos países da OCDE. Podemos até
enveredar por esta via, mas à custa de maior ineficiência e crescimento ainda
mais baixo.
O caminho passa, pois,
pela contenção das despesas. Em tese, valendo a regra do teto, inverteríamos a
dinâmica das últimas décadas: o gasto passaria a crescer menos do que o PIB, em
algum momento levando ao ressurgimento dos superávits primários. Mais à frente estes
chegariam ao valor necessário para conter a elevação persistente da dívida
pública e o país retornaria a uma rota de sustentabilidade fiscal, condição
necessária (ainda que não suficiente) para o crescimento mais forte.
Mesmo, porém, que o
teto funcione a contento, resta ainda saber quanto tempo seria necessário para
que este cenário de sonho se tornasse realidade. Obviamente há muitas variáveis
envolvidas nesta resposta, como o crescimento da economia nos próximos anos, a
taxa real de juros, a resposta das receitas do governo ao ciclo econômico,
assim como o sucesso das iniciativas de concessões e privatizações.
Contudo, por mais
complexa que seja a interação destas variáveis, é possível simular diversos
cenários para termos uma noção de como se comportaria o endividamento do
governo partindo de diferentes premissas acerca do crescimento, juros, etc. A
conclusão, seja das simulações que fiz, seja das realizadas por outros economistas
(seguindo metodologias bastante similares), é que a estabilização da dívida
demandaria, no mínimo, de 4 a 6 anos, avançando sobre pelo menos mais um
mandato presidencial.
A estas dificuldades
somam-se os problemas de fazer o teto funcionar sem a
reforma da previdência, que adiariam ainda mais o
horizonte de controle da dívida, conforme explorado recentemente por
Cassiana Fernandez e Cristiano Souza.
Tivemos a chance de
tratar disto já em 2005, mas havia Dilma Rousseff no meio do caminho. Agora
precisaremos de anos de trabalho para corrigir os estragos; se os corrigirmos...
Havia
uma Dilma no meio do caminho
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(Publicado 27/Jul/2016)
18 comentários:
Segundo os "neo-desenvolvimentistas" a culpa é do Joaquim Levy e da equipe de Temer. Alguns passaram a defender superávit fiscal até nominal (mas não se penitenciaram por terem apoiado - não criticaram - o caminho para o déficit primário). Alguns escreveram que juro básico sobe a inflação por aumentar o custo das empresas (e se dizem economistas). Outros escreveram que juro básico não consegue reduzir a inflação. Alguns ainda escrevem que a crise atual é culpa do ajuste (mesmo o déficit fiscal estar sendo o maior dos últimos tempos).
Gostaria de expor a minha discordância em relação ao seu artigo na folha.Nós servidores públicos e que carregamos esse país nas costas.
Alex, eu legal como as vezes voce escolhe o que falar. Aumentar carga tributaria é ruim, pois prejudica o crescimento. Ja somos um pais de carga tributaria alta. Reduzir gasto, por sua vez, não é ruim. De alguma forma voce acha que o multiplicador de impostos, em modulo, é maior do que o de gastos, o quenão é corroborado pela evidencia disponivel. Realmente nao captei esse detalhe de vossa mensagem. Att, Bruno
Alex,
muito claro mais uma vez.
Me responda uma pergunta por favor:
Já que estamos falando de regras fiscais, você acha que o teto de despesa basta ou deveria ser combinado com a regra do limite de dívida, prevista na LRF e levantada recentemente pelo Serra?
Aliás, sabe porque na proposta do Serra o limite de dívida é calculado em relação à RCL e não ao PIB? Acha vantajoso?
Obrigado,
Guilherme
Alex, tambem nao entendo vc falar de mais imposto prejudicando o crescimento sem fazer o mesmo em relacao a menos gasto.
Obrigado por me carregar nss costas. Eu pensava que parte dos meus impostos pagavam os seus salários.
Muitos de nós perdemos nossos empregos. Mas graças a Deus nós temos vocês cuidando da saúde, segurança e educação. Serviços públicos de primeiro mundo.
O problema não é o setor público mas sim a cultura da corrupção (pública e privada),do juros altos,da çultura empresarial de sonegação.Basta vê que os maiores problemas são :A alta dívida ativa da união,o valor gasto do governo para pagar o juro da dívida,etc.
A produtividade de grande parte dos funcionários públicos é negativa; quem carrega quem na costas?
O problema também é o setor público. Ele é ineficiente e ineficaz.
Existe uma distorção na sociedade brasileira, onde um jovem é estimulado a fazer concursos, até conseguir a tão sonhada estabilidade. Esta distorção é tão grande que criou um segmento especializado dentro da educação, o cursos preparatórios para concursos.
Algumas pessoas passam em um concurso e já começam a se preparar para o próximo concurso, sempre com a estabilidade garantida.
Na iniciativa privada vale o princípio da competência, mesmo com algumas falhas. Se acharmos que toda a crise é fruto da corrupção, não iremos evoluir nunca.
O Brasil está tentando aprovar a 2° reforma (a 1° foi a LRF) desde a constituição de 88. Estamos indo pro lado certo e isso já é o suficiente.
Não tenho medo dos eventuais recuos do governo Temer, isto fará parte do caminho, mesmo que a divida pública atinja níveis "menos tranquilos".
Mas receio sim uma eventual burrice do eleitor em 2018.
"Se o mercado externo piorar, o FED surpreender?". Sempre teremos esse risco, desde 1500. O fato é que o sou comprador de renda fixa Brasil, podem se abraçar e zerar em 2018. Se tens medo do risco externo, então fique em casa porque sempre haverá.
Economista tirou dinheiro do pobre brasileiro para fazer turismo nos EUA:
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/justica/assessor-de-meirelles-responde-a-processo-no-tcu-e-pode-ter-que-devolver-o-valor-de-sua-bolsa-no-mit/
Alex, conhece o Minella do BcB? É bom?
"Por que o Brasil sofre uma das piores crises de sua
história?" Felipe Rezende é PhD e professor assistente do departamento de Economia de Hobart e William SmithColleges, em Genebra.
Tem algum fundamento ou é mais um "desenvolvimentista"?
"Tem algum fundamento ou é mais um "desenvolvimentista"?"
Muito ruim...
"Alex, conhece o Minella do BcB? É bom?"
Muito bom!
"Já que estamos falando de regras fiscais, você acha que o teto de despesa basta ou deveria ser combinado com a regra do limite de dívida, prevista na LRF e levantada recentemente pelo Serra?
Aliás, sabe porque na proposta do Serra o limite de dívida é calculado em relação à RCL e não ao PIB? Acha vantajoso?"
Eu sou funcionário público e carrego o Brasil nas costas.
Alexandre,
O que acha desse artigo: Regressividade do Sistema Tributário Brasileiro – Siqueira, Nogueira e Souza (2012)??
Ja chegou a ler? Eles concluem que o sistema tributário brasileiro é mais proximo do neutro do que do regressivo.
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