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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Na trilha das migalhas perdidas

Na semana passada o Banco Central divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação (RTI), detalhando os motivos de suas decisões recentes de política monetária, inclusive projeções de inflação até meados de 2015. Trata-se de um documento essencial. Além da transparência, crucial em qualquer regime democrático, as previsões de inflação são críticas para entendermos o comportamento do BC, como, acredito, será possível mostrar neste espaço.

Sob o atual regime, cabe ao BC a responsabilidade de manter a inflação próxima à meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, ou seja, pela Presidência da República. O BC define, assim, a taxa de juros supostamente para atingir este objetivo.

Ocorre que as decisões de política afetam a inflação com defasagem considerável: segundo estimativas do BC, o efeito máximo da taxa de juros sobre a inflação se dá de seis a oito trimestres à frente, isto é, decisões tomadas em meados de 2013 repercutirão com maior intensidade apenas ao final de 2014 e começo de 2015. Posto de outra forma, a inflação (elevada) de hoje reflete as decisões (equivocadas, como se percebe) tomadas entre o segundo semestre de 2011 e início de 2012.

Não é necessário acrescentar (embora aqui se faça) que prever a inflação é tarefa complicada e que pode se tornar ainda mais difícil caso premissas ruins sejam incorporadas aos modelos. Independente, porém, da precisão das projeções, os números divulgados na semana passada oferecem uma rara oportunidade de avaliar, de acordo com o modelo do BC, o que seria necessário fazer para trazer a inflação de volta à meta.

O RTI traz dois conjuntos de previsões que compartilham os mesmos pressupostos, à exceção de duas variáveis. No chamado “cenário de referência” o BC projeta o comportamento da inflação presumindo que tanto a taxa de juros (Selic) quanto a taxa de câmbio permaneçam inalteradas ao longo de todo horizonte de projeção nos mesmos valores observados na primeira semana de junho, isto é, 8% e R$ 2,10/US$ respectivamente. Segundo este cenário, a inflação no final de 2014 atingiria 5,4%, dadas as demais hipóteses.

Já no “cenário de mercado” a taxa de juros e a taxa de câmbio seguem as trajetórias previstas pela média dos economistas que contribuem para a pesquisa Focus, mantidos os demais pressupostos. No caso, a trajetória prevista da taxa de câmbio é praticamente idêntica à do “cenário de referência”, ao redor de R$ 2,10/US$.

Por outro lado, a trajetória da Selic é algo distinta, incorporando um aumento de 0,50% em julho e outro de 0,25% em agosto, o que traria a Selic para 8,75%, ali permanecendo até novembro de 2014. De acordo com este cenário, a inflação prevista para 2014 se reduziria para 5,2%.

A única distinção entre os dois cenários é o nível da taxa Selic: 8% no “cenário de referência” contra 8,75% no “cenário de mercado”. Assim, a redução da projeção de inflação, 0,2%, pode ser integralmente atribuída à diferença de 0,75% na Selic.

Dado, porém, que um aumento de 0,75% da Selic reduz a inflação projetada em 0,2%, uma diminuição de 0,9% da inflação (que a trouxesse de 5,4% para 4,5%) requereria um aumento 4,5 vezes maior, isto é, a taxa de juros atingindo algo entre 11,25% e 11,50% ao ano.

Noto, mais uma vez, que este resultado deriva do modelo do BC e das premissas por ele adotadas no último RTI, algumas bastante otimistas, em particular no campo fiscal, onde ainda se espera o cumprimento integral da meta de superávit, resultado a cada dia menos provável.


Resta saber se o BC irá seguir seus modelos e promover um aperto monetário adicional superior a 3 pontos percentuais, ou parar no meio do caminho e inventar uma história sobre como a inflação há de seguir as migalhas e achar sozinha o caminho de volta à meta. O histórico recente, como expresso no comportamento atual da inflação, sugere que comecemos a procurar a trilha das migalhas perdidas...

E agora?


(Publicado 3/Jul/2013) 

17 comentários:

Caro Alexandre,

Apenas em relação ao fiscal, as hipóteses do BC são, a meu ver, bastante conservadoras. Eles trabalham com os números da LDO, que incluem desonerações e PAC. Dessa forma, como destacado pelo Carlos Hamilton na coletiva, o BC trabalha com um superávit primário de 1,9% do PIB em 2013, abaixo dos 2,3% do Mantega.

Abs,

Genta

"...ou parar no meio do caminho e inventar uma história sobre como a inflação há de seguir as migalhas e achar sozinha o caminho de volta à meta."

Muito boa a sacada! No país da piada pronta é sempre bom ter senso de humor...

Mas de fato, o BC reconheceu o erro na condução da política monetária, mas tenho dúvidas quanto as suas reais intenções, principalmente devido à intervenção do executivo nestes assuntos.

Grande parte dos economistas COERENTES sabiam que o preço a pagar pela "barbeiragem" seria elevado. Mas, honestamente, eu aposto grande parte das minhas fixas que o BC vai optar pelo caminho das migalhas mesmo...

Caro Alexandre,

Quão razoável é a variação na Selic corresponder a uma variação linear na inflação?

Obrigado!
Thomas Patrick Bernardes

"Quão razoável é a variação na Selic corresponder a uma variação linear na inflação?"

O modelo do BC (pois é disso que se trata no artigo) é linear.

Isto dito, estes modelos costumam partir de uma (log)linearização ao redor do equilíbrio.

Acho que a preocupação maior do BC neste momento é com a indexação, além do índice de dispersão que se mantêm elevado. Em abril, quando começaram a subir os juros, o discurso era bem mais leve. Parecia que o plano inicial era subir os juros para dar uma resposta ao mercado, mas com os sinais de indexação a coisa ficou bem mais complicada. BC vai ter que mostrar serviço mesmo com um cenário de crescimento baixo. E parece que o PIB deste 2 TRI vai decepcionar de novo.

"(log)linearização ao redor do equilíbrio."

O que é muitas vezes um grande problema.

As condições de liquidez são constantes (no modelo do BC) em todo o período? Uma aumente de esterilização dos depósitos pelo BC não aceleraria o tempo necessário para que se sentisse o efeito da elevação da Selic?

So falta combinar com o dolar para ficar em 2.10

"O que é muitas vezes um grande problema."
E que muitas vezes não é um grande problema. E muitas outras vezes é uma grande solução. E assim vai.

Professor, ao longo deste semestre li Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas do Kalecki, A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda do Keynes, estou lendo Produção de Mercadorias por meio de Mercadorias do Sraffa, e também estou lendo Economia do Insumo-Produto do Leontief (alias excelente livro).



Tenho duvidas a respeito de minhas leituras, e como o senhor (pelo menos entre os professores que conheço do departamento) tem a base teórica mais sólida, decidi dirigir ao senhor essa pergunta.

Me parece que nenhum desses autores concebe a substituição técnica entre diferentes meios de produção, ou seja, que os meios de produção são fortemente complementares. Em toda a obra do Kalecki e do Keynes, e nos trechos que li do Sraffa e do Leontief, não é que eles argumentam contra substituição nos fatores de produção, eles nem sequer citam ela, o que me parece estranho pois já em Böhm-Bawerk e nos neoclássicos não-ingleses da época, fala-se em substituição entre fatores de produção.



Além disso, não se discute alterações nos preços relativos que possam alterar a composição da cesta de consumo. Por exemplo, trabalho mais barato, diminui o preço relativo de produtos intensivos em trabalho em relação a produtos intensivos em Capital, o que poderia mudar a composição do Consumo, e portanto a própria quantidade de trabalho e capital utilizados para gerar a mesma renda. Quando ao consumo intertemporal, isso não é concebido, tanto Keynes e Kalecki dão como fixa a propensão a poupar e portanto não existem escolhas entre consumir mais hoje e menos amanhã, ou mais amanhã e menos hoje.


Além disso, tenho a impressão que ao estabelecer a taxa de juros, utilizando moeda em unidades de salários, essa medida não é fixa, apenas a quantidade nominal de moeda é fixa. Se os juros se determinam por determinados tipos de preferências e pela quantidade de moeda em unidades de salários, uma queda dos salários nominais aumenta a quantidade de moeda MEDIDA em salários, e portanto reduziria a taxa de juros.


Quanto ao volume de emprego em Keynes, sem duvida o volume de emprego não aumentaria sem as expectativas de maiores vendas caso não houvesse substituição capital-trabalho. Mas caso exista substituição técnica, um mesmo volume de produção pode ser feito com diferentes quantidades de trabalho, seja devido a substituição técnica, seja devido a mudança na estrutura de consumo causada pela variação dos preços relativos.


Minha leitura me leva a crer que se trata de um sistema engessado, sem que os motivos para tal engessamento fossem discutidos na obra. Sem duvidas existe alguma rigidez ( ou viscosidade como preferem alguns ) nos preços, o equilíbrio tem todo tipo de problemas, mas me parece que o sistema do Keynes não trata dos motivos para o engessamento, apenas assume ele como se fosse o unico modo possível de se conceber.


Não quero que o senhor interprete isso como um questionamento visando eternizar uma visão de um sistema autorregulável e perfeito de um laissez-faire, longe de mim esse tipo de pensamento. Apesar de não conhecer os detalhes dessas teorias, custos de transação, custos de menu, informação assimétrica, competição imperfeita, externalidades, estruturas de governança, etc... são fatores importantes na economia. Apenas quero compreender melhor essa questão em específico, pois ao meu entendimento ela não explica as desordens do sistema pois assume ele como indiscutivelmente engessado.


Agradeço a sua atenção,
Atenciosamento

Alex, a taxa de juros se elevou de 2010 até agosto de 2011.

Pelos modelos do BCB então, vem mais lenha na fogueira a partir de agora, pois passados dois anos (oito trimestres) do início da redução dos juros, a inflação tende a aumentar.

O que acha?

Abs

"E que muitas vezes não é um grande problema. E muitas outras vezes é uma grande solução. E assim vai."

Está mais para grande problema e outras vezes apenas problema. Grande solução só para o modelo ser matematicamente operável e ter um único equilíbrio.
Talvez versões mais modernas sejam diferentes, mas não parece ser esse o caso do BC.

Caro Nobel Calvo, o título do seu post poderia muito bem ser "como ridicularizar de vez a ciência econômica".
Mais uma vez me pego tentando entender como num mundo complexo, com notícias em tempo real, rebeliões, golpes, guinadas radicais dos principais BCs, e novidades intraday fazendo as taxas futuras se alterarem radicalmente, o excelentíssimo prêmio nobel recorre ao velho modelo econométrico do pombo!! Como quando quebrava o Lehman Brothers em 2008 e o mesmo modelo fez com que o seu colega de classe persistisse no ciclinho de aperto, e depois desmoralizado tivesse que cair em seguida.
Recordar é viver...

Responde aos seus leitores Alex.......

"Dado, porém, que um aumento de 0,75% da Selic reduz a inflação projetada em 0,2%, uma diminuição de 0,9% da inflação (que a trouxesse de 5,4% para 4,5%) requereria um aumento 4,5 vezes maior, isto é, a taxa de juros atingindo algo entre 11,25% e 11,50% ao ano."

Isso nao e correto ja que o modelo obtido por linearizacao so e valido proximo ao ponto em volta do qual a linearizacao ocorre.

O fato que o modelo linear e o modelo do banco central, ou de quem for, nao muda isso. Certo?

O conselheiro da Dilma é o Mercadante. Fazer o que?

Ela já está fritada. Principalmente no PT.

Ou ela vai pela natureza (já leram a fábula do escorpião?) e toma medidas populistas mais a esquerda e ferra mais ainda tanto a reeleição dela e do PT e por tabela a vida de quem os sucederem, ou ela vai num caminho sensato e convoca o Armínio e o Meirelles ( ou o Alexandre) e faz o dever de casa.
Pode dar certo ou errado, mas neste caso ela tem chance.
Mantendo o que está aí e piorando, sem chances. A não ser por um golpe, mas não será ela a escolhida neste caso. O ungido seria o Lula estado de saúde em questão) ou... Não vou escrever o nome...

Dirceu pra diretor do banco central!