Em minha última coluna tratei do que pode ser a
“solução ideal” para a crise europeia. Num mundo sem restrições políticas, em
que apenas os aspectos técnicos do problema prevalecessem, esta passaria por
três ações: (a) elevação substancial da inflação alemã relativamente à meta
para a Zona do Euro; (b) federalização (ou “mutualização”) das dívidas
nacionais, em troca da centralização das decisões de política fiscal (ou seja,
a criação de um Tesouro Europeu); e, finalmente, (c) mutualização das garantias
bancárias, como contrapartida à unificação do poder financeiro em alguma
entidade europeia supranacional.
Como escrevi então, os obstáculos políticos à
materialização destas propostas são praticamente intransponíveis. Ainda assim é
importante saber o que é requerido do ponto de vista técnico para sanar a
crise; só assim poderemos medir a distância entre uma eventual solução concreta
e o “ideal platônico”, embora, diga-se, não haja ainda nenhuma alternativa na
mesa.
A saída, “torta”, deverá provavelmente passar de
alguma forma pelo Banco Central Europeu (BCE), hoje a única instituição supranacional
no contexto europeu com poder de fogo para endereçar a questão. Por outro lado,
ainda não está claro como o BCE lidaria com o problema; apenas sabemos que,
cedo ou tarde, isto se materializará na forma de uma expansão considerável dos
ativos do BCE, financiada por criação de moeda, à moda do Federal Reserve (Fed), ou do Banco da Inglaterra (BoE).
Há algumas formas de intervenção do BCE, mas
duas, em particular, parecem ser as mais prováveis. A primeira é semelhante à
adotada pelo Fed e pelo BoE, isto é,
a aquisição maciça de títulos públicos, mas com uma diferença importante;
enquanto o Fed e o BoE compram bônus
de seus respectivos governos, o BCE teria que concentrar suas compras (na
ausência de um equivalente europeu genérico) nos papéis emitidos pelos países
periféricos. Seria algo como o Fed comprando títulos apenas da Califórnia, ou
do Texas.
Não se trata de iniciativa totalmente nova. O
BCE já comprou pouco mais que € 200 bilhões, com efeitos, na avaliação mais
favorável, apenas temporários no sentido de reduzir os juros pagos pela
periferia europeia. Mas a verdade é que, se o BCE acredita que pode afetar
permanentemente os prêmios de risco dos títulos periféricos, ele deve, em
primeiro lugar, estar preparado para comprar bem mais do que já comprou. Em
segundo lugar, por motivos que já explorei nesta coluna, ele deve abrir mão de
qualquer direito de preferência na fila de credores, sem o que cada compra sua
apenas reduziria o que cabe aos credores privados, dando motivo para que estes
vendam agressivamente os papéis periféricos, o contrário do que se pretende.
A alternativa à compra direta de títulos, sobre
a qual pairam dúvidas legais, consiste em dotar o nascente Fundo Europeu de
Estabilização (ESM) de uma licença bancária. Com um capital de € 500 bilhões, o
ESM poderia tomar recursos do BCE para então proceder à compra dos papéis, mas
com um poder de fogo consideravelmente superior ao seu capital e mais adequado
para o tamanho do desafio que enfrentaria.
Obviamente, em ambos os casos a aquisição dos
títulos viria acompanhada de condições, sem o que qualquer programa correria o
risco de gerar os incentivos opostos aos necessários. Dado, porém, que os
países devedores já se encontram em processos de ajuste, as condições impostas
não seriam necessariamente mais duras do que as já existentes.
Estas alternativas não estão livres de
resistências políticas, embora provavelmente menores do que as observadas pela
“solução ideal”. Todavia, é cada vez mais difícil conciliar o objetivo de
preservação do euro com tais resistências. Ou bem os políticos europeus se
entendem, ou o experimento monetário continental estará destinado ao fracasso.
- Pode fazer a omelete, mas quero todos eles de volta... |
(Publicado 15/Ago/2012)
5 comentários:
Alex,
Acho que o moral hazard não é o maior problema europeu nesse momento. Buscar equilíbrio de longo prazo sem eleiminar graves obstáculos de curto prazo será como dar tiro n'água. Penso que a saída é como descreveste, ou seja, resgatar a confiança geral dando poder de fogo a quem ainda é capaz de usá-lo, o BCE. E, a partir daí, concomitantemente, ir encaminhando as devidas correções estruturais("unificação" fiscal e monetária, etc.) para o melhorar o funcionamento do euro no futuro.
Infelizmente, a atual ordem dos fatores está alterando o produto. E a Grécia vai ser o primeiro pato a levar o tiro de misericórdia.
Abraço.
Cassio
Alex;
qual seria a contrapartida do Fundo Europeu de Estabilização (ESM) ter/ ser dotado de uma licença bancária?
Não consigo entender um mecanismo de estabilização alavancado! (Na pratica essa licença bancária seria só a alavancagem do poder de fogo que hj tem o BCE?!)
LKAB
No caso o ESM passaria a ter um poder de intervenção parecido com o BCE, embora nao ilimitado. Seria (quase) equivalente à primeira alternativa, que também imporia condicionalidades.
Abs
Se quiserem aprender macroeconomia, um bom livro de texto é Foundations of Modern Macroeconomics, by Heijdra.
http://www.heijdra.org/fomm2.htm
Alexandre, gostaria que abordasse a questão relativa a queda de 4,76% na dívida pública federal em julho de 2012. Em um só mês. Está esquisito. Qual foi a mutreta? ou está correto?
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