Os bons empregos estão no setor industrial e é
por este motivo que tantas almas caridosas têm se preocupado com a saúde do
setor; não a busca de vantagens para si, é claro, mas apenas apreensão acerca
do bem-estar do trabalhador. Ou, pelo menos, esta é uma das justificativas que
por aí se ouve dos paladinos da desindustrialização. E, mantendo a tradição,
ninguém parece ter se dado ao trabalho de checar os dados para ver se
porventura a suposição do monopólio industrial dos bons empregos é um fenômeno
real, ou só uma criação da fértil mente dos keynesianos de quermesse.
Ocorre que os dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED), a que geralmente se dá atenção no quesito da
criação de empregos formais, também nos trazem informações sobre o comportamento
dos salários, em particular o desempenho dos salários por setores, dentre eles
o de serviços e o manufatureiro.
É bom que se diga, porém, que estes dados não
necessariamente refletem a média dos salários em cada setor. Sabemos, por
exemplo, qual é o salário médio dos admitidos em dado setor num determinado
mês, mas não qual o salário médio de todos
os empregados naquele setor na mesma data.
Feita a ressalva (com a qual lidaremos à
frente), podemos então examinar os números do CAGED. No caso, corrigi os dados
salariais pela inflação (medida pelo IPCA), de modo a expressar todos os
valores a preços de junho de 2012 e calculei a média salarial por setor ao
longo de 12 meses, para amenizar os efeitos de flutuações sazonais e
acidentais. Uma vez de posse destas séries, computei a razão entre salários de
admissão no setor de serviços e no setor manufatureiro, devidamente resumida no
gráfico.
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Fonte:
Autor a partir de dados do CAGED
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Como se vê, o salário de admissão no setor de
serviços é maior que o observado no setor manufatureiro, embora a diferença
venha caindo de 2004 para cá. Naquele momento os salários de admissão no setor
de serviços eram cerca de 10% mais altos que na manufatura, enquanto no período
mais recente esta distância se reduziu para modestos 1%. De qualquer forma,
estes números não condizem com a noção que os bons empregos sejam privilégio da
manufatura.
É verdade que tratamos aqui, como explicado, do
salário de admissão no setor, não do salário médio lá observado. Podemos,
contudo, checar a validade da conclusão acima utilizando dados das contas
nacionais do IBGE, disponíveis apenas em frequência anual e só até 2009.
Partindo das mesmas definições dos setores de
serviços e manufaturas usadas no CAGED descobrimos que o salário médio do setor
de serviços entre 2004 e 2009 têm se mantido de 10% a 15% superior à média do
setor manufatureiro (entre 2000 e 2003 o intervalo era de 15% a 20% superior).
Em outras palavras, a noção do monopólio industrial dos bons empregos não
sobrevive ao embate com a realidade.
Resta ainda explicar o motivo da queda relativa
dos salários do setor de serviços (ou, de forma equivalente, o aumento relativo
dos salários manufatureiros), mas o leitor que por acaso já tenha inspecionado
o gráfico há de saber a resposta: a queda persistente da taxa de desemprego.
De fato, à medida que a demanda se expande e a
economia começa a operar mais próxima ao pleno emprego um fenômeno interessante
se materializa. Pelo lado dos serviços a maior demanda implica necessariamente expansão
da produção doméstica, visto que serviços não podem ser importados.
Enquanto há folga no mercado de trabalho, não há
maiores consequências, mas, quando esta se reduz, aumenta a competição entre
setores pela mão de obra e, assim, o salário manufatureiro, originalmente mais
baixo, deve se aproximar do pago no setor de serviços, crescendo a taxas
bastante superiores à expansão da produtividade. Posto de outra forma, há um
aumento persistente dos custos do trabalho no setor manufatureiro, assim como
no setor de serviços.
Entretanto, enquanto o setor manufatureiro tem
seus preços contidos pela competição externa, os preços de serviços são restritos
apenas pela demanda interna, o que explica a enorme diferença da inflação de
serviços e bens observada no IPCA. O resultado é um forte aperto das margens
industriais e, portanto, limites à expansão da produção no setor relativamente
aos serviços. A demanda por manufaturas passa a ser atendida pelo aumento das
importações líquidas.
Em suma, boa parte das dificuldades enfrentadas
hoje pelo setor industrial resulta do aperto do mercado de trabalho e não há
solução para isso que não passe pelo aumento da produtividade. Apesar disto, o
tema continua ausente de qualquer discussão séria de política econômica.
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Não
me mostre os dados; prefiro minhas convicções...
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(Publicado 2/Ago/2012)