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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Dilema


Leitor voraz de jornais, me deparei há uns dias com a declaração de uma figura do alto escalão econômico do país comemorando a queda do preço das commodities, que, segundo ele, abriria espaço para a redução adicional da taxa de juros. Achei curiosa a celebração, pois, sendo o país um produtor e exportador de commodities, certa dose de masoquismo parece ser necessária para entender tamanha satisfação.

Com efeito, qualquer um que tenha acompanhado o desempenho econômico do Brasil nos últimos anos deveria ter em mente o papel central que a elevação do preço internacional das commodities desempenhou de 2001 para cá.

Entre 2001 e 2011 os preços de commodities em dólares (medidos pelo índice CRB) aumentaram 77%, já descontada a inflação (medida pelos preços ao produtor nos EUA). Não por acaso, os preços médios das exportações brasileiras cresceram 86% acima da inflação no mesmo período, superando amplamente a elevação dos preços de produtos importados (38%).

Assim, cada unidade exportada pelo Brasil em 2011 podia comprar 34% a mais do que em 2001. Dado que a quantidade exportada cresceu 75% nesse período, nosso poder de compra externo aumentou nada menos do que 135%, permitindo uma elevação considerável das importações sem piora das contas externas. De fato, o déficit externo, que equivalia a 4,5% do PIB (40% das exportações) em 2001, caiu para 2,1% do PIB (20% das exportações) em 2011.

Segundo minhas estimativas, esta melhora trouxe um ganho ao país da ordem de US$ 60 bilhões no ano passado, ou seja, 2,4% do PIB. Na prática permitiu que a demanda interna crescesse sistematicamente acima da produção local (algo como um ponto percentual por ano nos últimos seis anos), sendo a diferença coberta por maiores importações, pagas principalmente pelo aumento do poder de compra das exportações. Não há como exagerar o papel das commodities nesta história.

Todavia, tais preços vêm caindo desde o terceiro trimestre de 2011, trazendo consigo os preços das exportações nacionais e revertendo (parcialmente) o fenômeno observado até então. No primeiro trimestre deste ano cada unidade exportada podia comprar cerca de 6% a menos do que no terceiro trimestre do ano passado.

Por conta disso, de janeiro a março deste ano as exportações atingiram cerca de US$ 4,5 bilhões a menos do que poderiam ter atingido caso os preços não houvessem caído, pouco menos de 1% do PIB. Sem queda adicional de preços estimo que as perdas podem chegar à casa de US$ 25 bilhões no ano, já descontado o efeito dos menores preços de produtos importados. Como houve redução adicional, contudo, este valor representa hoje a estimativa mínima para a perda associada à queda de preços de commodities.

À luz do descrito acima não é difícil entender a relação estreita entre esses preços e o desempenho da moeda. Tipicamente o real se aprecia quando os preços de commodities sobem e perde valor quando o contrário ocorre, impedindo que seu aumento (ou queda) se traduza integralmente para os preços em reais e, portanto, mitigando seu efeito sobre a inflação doméstica.

Entretanto, a intervenção pesada sobre a taxa de câmbio tem limitado este mecanismo amortecedor. Enquanto os preços das commodities em dólares caíram 9% entre o terceiro trimestre do ano passado e abril de 2012, estes preços medidos em reais aumentaram 3% no mesmo intervalo (6% nos últimos dois meses), de onde se torna difícil ver sua propalada contribuição à queda da inflação. Por outro lado, a queda na capacidade de importar também reduz o papel das commodities no sentido de manter baixos os preços de produtos manufaturados.

Em suma, celebrar a queda do preço de commodities me parece um exercício em masoquismo econômico, ou então um desconhecimento alarmante do processo que vitaminou nosso crescimento nos últimos anos. Não saberia dizer qual é a pior alternativa.


A real eye-opener...


(Publicado 9/maio/2012)

31 comentários:

A figura deve achar que o Brasil é tão abençoado por Deus que existe o cenário em que cai o que importamos e o que exportamos se aguenta. Haja fé.

Gostaria de uma análise sua mostrando a relação entre os 10,8% de ganho real dos salários do trabalhador entre a PNAD 2002 e a PNAD 2009 e a apreciação cambial, só possível devido ao aumento do preço das commodities.

A verdade é que os produtores de commodities não são bem vistos nem pelo governo nem pela sociedade brasileira caro Alex, isso e fruto de uma campanha por parte de algumas pessoas dizendo que todos os que trabalham com produtos primários são exploradores.
Nada tem haver com economia e sim com burrice mesmo.
O Ricardo Amorim postou uma frase de Roberto Campos que achei genial: "A burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro promissor".

Excelente texto, Alexandre.
Acho que valeria a pena você escrever um artigo debatendo a questão do modelo de crescimento econômico. Me parece que sem preços altos das matérias primas nosso "potencial" é bem menor, algo em torno de 3% ou menos. Querer manter uma economia acelerada na base do crédito não me parece uma boa opção. Vide a crise de 2008 e suas consequências. Mas o governo não percebeu que tem que mudar o padrão. E acho que nem vai perceber.
Em grande abraço

Alex, para piorar a situaçao, com tanta intervençao no cambio nos ultimos meses (ou anos) o mercado cambial no momento parece estar punindo o BRL em relacao as outras moedas.

É muito mais uma questao politica que economica.

Garantir o crescimento economico a "qualquer preço" tem seu preço e quem está disposto a pagá-lo?

Falar em "um pouco de inflacao nao faz mal" no Brasil deveria ser crime...

Comenta o Carlos Lessa no Valor de hj, por favor?

PG, principalmente porque, durante anos, vivemos com inflação, rondando os 20% ao mês. E isso ou derrubava ou trazia a popularidade de governos para zero.

Hoje, há um intervalo de metas inflacionárias que vai de 2,5% a 6,5%. Quando bate no teto, não há alarido algum. E a popularidade do governo sobe.

Deve ser por isso que a autoridade não se constrange ao regozijar-se com a queda de preços de primários que o País exporta.

Prezado Alexandre.

Parabéns.

Seus argumentos são elegantes e concisos.

Sorte de seus leitores que privam de tenaz inteligência.

Continue firme e forte.

Espero conhecê-lo um dia.

abraços.

Fernando Saulo Calheiros de O. Pinheiro

Po blogueiro, quem foi a figura em questão. Agora fiquei curioso. Acho que não sou um leitor tão voraz quanto você.

Não dependeria do ponto de vista? Se é o consumidor que comemora, ele não estaria correto? O preço do café é que baixa no mercado internacional, nós consumidores brasileiros não deveríamos gastar menos?

Se você produr mais do que consome (i.e., é um exportador líquido) não deveria comemorar quando o preço cai, né?

Chutando Lata,

Mas, você já viu algum alta "otoridade" desenvolvimentista lembrar do pobre consumidor quando se trata um empurrãzinho para a indústria?
Acho curioso isso no Brasil. Quando se trata de defender a "indústria nacional", idiotas úteis e inúteis saem por aí como se a dita cuja fosse a "pátria de macacão azul, capacete de segurança e suja de graxa". Depois, ficam reclamando nos facebooks da vida sobre os preços dos carros, das roupas, dos eletrodomésticos, do escambau a quatro....

Perda de tempo ficar lendo Carlos Lessa.

Alex: bem que você avisou sobre o risco da inflação. Não houviram agora veremos se o regime de metas realmente esá vigorando (e se o BC tem autonomia). Ganhou mais uma vez, parabéns.
Estão brigando com a Febraban e elogiando os banqueiros (?). Querem é elogios.

Obrigado, mas por enquanto observamos apenas um número ruim de inflação. A inflação de 12 meses deve continuar a cair neste 2o tri, mas o fundo do poço é por maio-julho. Aí sim veremos se estou correto ou não...

Alex, engraçada a posição do Governo diante da Nota da Febraban. A Nota técnica utiliza uma argumento pra lá de keynesiano (a armadilha da liquidez) para questionar a eficácia de política monetária na atual conjuntura e um governo teoricamente keynesiano questiona o argumento keynesiano. Com a palavra os keynesianos que não estão no governo.

Armadilha de liquidez no Brasil? Acredito que isso ocorra nos EUA mas aqui, difícil.

A verdade é que você foi o primeiro a alertar sobre o risco de retorno da inflação (falou também que seria no segundo semestre). Não te ouviram (agora sem o h). Alguns números vieram bem altos (no período que seria de baixa inflação). Só se o cenário piorar e o nível de atividade cair muito e forçar baixa de preços.
ÍNDICES QUE VIERAM MUITO ALTO:
a) O IPP - ÍNDICE DE PREÇOS AO PRODUTOR, de março, subiu 1,05%, sendo que 18 das 23 atividades pesquisadas subiram os preços.
b) O IGP DI DE ABRIL VEIO EM 1,02%;
c) As vendas de imóveis novos em SP crescem 27% no primeiro trimestre. AVISO DE FUGA PARA ATIVOS QUE NÃO MOEDA (INÍCIO DE BOLHA? APÓS VEM A CRISE?);
d) o IPCA de abril veio em 0,64%;
e) o i real (CDI - IRRF - IGPM) em abril veio negativo em -0,29% (provoca a fuga da moeda para outros ativos e bolha);
f) os IPAs estão vindo muito altos (em tese serão repassados aos consumidores).

A DÚVIDA: O BC ESTÁ AMEDRONTADO OU ACREDITANDO?

Mageconomia,
O BC estã fazendo o que a Dilma manda. Simples assim. 2/3 das reuniões do Copom devem estar sendo gastos em discutir o que vai ser escrito na Ata. Cadê o SAMBA? Alguém sabe alguém viu essa maravilha que, lembram-se?, justtificou o começo do corte de juros? As expectativas se deterioram, os resultados do modelo do próprio BC mostram isso, e os valentes tem a cara de pau de falar em convergência...

Eu continuo com a dúvida: o BC está acreditando em um cenário que justifique a sua política ou cedendo a pressões políticas?
Como sou da geração que sofreu muito com a inflação e demagogias, passei a ter um certo preconceito contra tudo que piore a previsibilidade. Na verdade também adquiri preconceito contra a turma que se denomina "desenvolvimentista".

o SAMBA parece cada vez mais com o Samba de uma nota só...A comandante neo-populista dita o ritmo...ela quer juros iguais ao dos EUA e ponto. Nao seria mais facil criar uma recessao?

Além do Samba, sabem quem mais sumiu? O tal Maradona que andou por aqui pregando a morte dos comprados na implícita. Ô, Maradona, volta pra gente fazer o mark-to-merket! O ipca de anril foi só um resultado pontual e, quem sabe, a Grécia ainda não te salva...rs...

O IPCA vai fechar o ano a 6.4999%
Por que 6.4999%? Porque se for muito menos que o teto da meta, a presidenta vai dar fazer cara de brava afinal o crescimento definitivamente vai ficar abaixo dos 5% que o Mantega costuma prometer. E se for mais que o teto da meta, não tenho muita duvida que alguma traquitana (corte do IPI, por exemplo) vai ser aprovada em novembro ou dezembro para garantir que o teto da meta não vai ser quebrado.

Po Alex, vc nao responde mais ninguem aqui...

vamos parar de comentar e perguntar... vc nao aparece mais...

abs

PT

Alex, tem algum post já preparado para comentar sobre a nova alta da inflação? que pegou muita gente no contra-pé

Nada ainda. Algumas obrigações antes, incluindo spreads.

"Em suma, celebrar a queda do preço de commodities me parece um exercício em masoquismo econômico, ou então um desconhecimento alarmante do processo que vitaminou nosso crescimento nos últimos anos. Não saberia dizer qual é a pior alternativa"


Que bom que alguém com PhD numa top 10 resolveu dedicar sua vida profissional à apontar com ares de surpresa as mazelas típicas de um país subdesenvolvido cuja população tem menos de 7 anos de estudo (e.g., funcionário de um governo de apedeutas dizendo besteiras...OMG!) e a debater com criaturas claramente sem o menor estofo cognitivo nem bagagem intelectual (falo de conhecimento, não de verbose). Se isso não for uma excelente ilustração de alocação ineficiente de recursos humanos, o que mais poderia ser? Preferências são preferências...há que se respeitar..

Ralé essa tropa do governo...

São uma espécie de Gosplan sem instrução básica.

MAGECONOMIA,
Como podem chamar-se de "desenvolvimentistas", quem não se preocupa com inflação acima do PIB?
Afinal, desenvolvimento seria crescimento e não inchaço do PIB, capaz de absorver força de trabalho ano a ano, considerando-se as questões salariais, qualificação da mão-de-obra, evolução do salário real etc.
Agora, "desenvolvimentistas" que vibram com crescimento em cerca de 2% e inflação de 6,5%, prenunciam que algo está muito errado.