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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma política estéril

Foi anunciado na semana passada que o Fundo Soberano do Brasil (FSB) passaria a comprar dólares para evitar a valorização do real frente à moeda norte-americana. As chances de atingir seu objetivo, porém, parecem muito remotas, a começar porque o diagnóstico acerca da força recente do real que parece estar por trás desta decisão se afigura equivocado. De fato, a reação das autoridades à apreciação da moeda sugere que entendem este fenômeno como algo exclusivo do Brasil; no entanto, a mera observação do que se passa nos mercados um pouco além do umbigo local mostra que o enfraquecimento do dólar é um evento global.

A apreciação do real face ao dólar reflete, na verdade, a fraqueza deste último, resultante, em larga medida, da percepção que a economia americana passa por um momento difícil no que se refere ao crescimento. Assim, nas últimas semanas (e meses), praticamente todas as moedas relevantes ganharam terreno frente ao dólar.

O real, em particular, foi das que menos se fortaleceu, fato que transparece, por exemplo, no encarecimento local do euro (das vizinhanças de R$ 2,20/euro para R$ 2,30/euro), bem como das demais moedas dos países da OECD e vários países emergentes.Neste contexto, quem acha que o FSB pode conter a apreciação da moeda provavelmente também acredita que Noé precisava mesmo era de um guarda-chuva.

Entretanto, mais relevante do que isso é a semelhança entre a atuação do FSB e do Banco Central no mercado de câmbio, fato que sugere ceticismo adicional acerca da capacidade do FSB de impedir o declínio (local) do dólar.

O BC, quando compra dólares de um banco, faz o pagamento por meio de criação de moeda. Não se trata de imprimir novas notas e entregá-las ao banco que lhe tenha vendido a moeda estrangeira, mas sim de um depósito na conta de reservas bancárias que esta instituição tenha junto ao BC. Qualquer banco com excesso de reservas vai normalmente a mercado para repassar estes recursos para outra instituição, mas isto faria com que a taxa de juros a que os bancos trocam reservas bancárias (a afamada Selic) caísse relativamente à meta definida pelo BC na reunião do Copom.

Para evitar que isto ocorra, o BC compra de volta (“esteriliza”) o excesso de reservas, trocando-as por títulos federais, de modo a trazer a taxa Selic para sua meta. No final do processo, tudo se passa como se o BC tivesse trocado diretamente títulos por dólares, mantendo, portanto, inalterada a taxa de juros. Contudo, se a taxa de juros não se altera, a taxa de câmbio também deveria permanecer a mesma (supondo, é claro, que os demais determinantes da taxa de câmbio, como preço de commodities, ou risco-país, se mantenham constantes). Ou seja, a intervenção “esterilizada”, que não implica alteração da taxa de juros, não deve ter efeitos sobre a taxa de câmbio.

O FSB, porém, fará exatamente o mesmo que o BC, trocando títulos federais que lhe serão entregues pelo Tesouro Nacional por dólares, sem afetar a taxa de juros. Por que, então, deveria obter resultado diferente?

Afora isso, o agente responsável pelas compras do Tesouro será o próprio BC. Assim, dado o ingresso líquido de dólares, compras mais elevadas por parte do Tesouro implicam necessariamente compras menores por parte do BC, ou seja, mesmo se alguém quiser acreditar que intervenções “esterilizadas” poderiam ter algum impacto sobre o preço do dólar, faltaria ainda explicar como a mera troca do ente público que compra moeda estrangeira poderia alterar de forma persistente a trajetória do câmbio.

Ao final da história, não deixa de ser revelador que – a despeito de toda experiência acumulada desde 2004 – ainda se insista em estratégias que já se provaram ineficazes, enquanto um ajuste fiscal que permitiria reduzir a taxa de juros continua a ser ignorado. O que falta para que a lição seja aprendida?

(Publicad0 29/Set/2010)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A descoberta do Professor Marconi

Graças à indicação do Rogerio Ferreira, descobri que o Brasil tem menos indústria hoje em dia do que em 1947, segundo um índice construído pelo Professor Marconi (ou seria Martoni?) da FGV-SP (link)...

Eu imagino o professor interpolando as séries de contas nacionais e outras estatísticas econômicas, e encontrando o resultado de maior participação da indústria em 1947... Eureca! Finalmente! Vou provar meu valor para o Mestre da Luz Que Não Se Apaga! E assim, desengata a carroça de suas costas (para chegar mais rápido), e corre para trazer as notícias para a Estrela d'Alva da Itapeva. Mestre! Consegui provar que a indústria brasileira está na maior crise de toda sua história! Sua participação no PIB é menor do que em 1947!

Admiro muito a falta de dúvida.

Será que o professor em algum momento se questionou sobre o ridículo de seu achado?

Nunca passou pela cabeça do professor que se o índice que ele construiu mostra maior participação da indústria em 1947 (pré-CSN, pré-montadoras do ABC, pré-petroquímicas etc) do que hoje em dia, isso é evidência para qualquer pessoa razoável que seu índice não está medindo um fenômeno relevante?

[Nem passa pela imaginação do professor que algum desavisado pode inadvertentemente duvidar de sua inteligência ou honestidade por ter argumentado que houve desindustrialização no Brasil baseado em uma definição de indústria total que inclui a indústria extrativa, construção e serviços públicos? ] Menos... Este parágrafo em rosa não faz justiça ao artigo do professor Marconi, mas sim reflete a sua caracterização defeituosa pela reportagem do Valor Econômico. (Nota: "O" Anonimo)

Martoni considera que o processo brasileiro de desindustrialização começou na década de 80, quando a renda per capita do país não havia atingido US$ 4 mil.
Alguém poderia confirmar para mim, mas eu tenho uma leve desconfiança que o professor está usando dólares correntes para comparar o PIB brasileiro no tempo. Ai ai ai...

O professor da FGV observa que a mudança no câmbio fez a indústria adotar uma estratégia que ele classifica de "hedge produtivo"
Arrrrghhh! The horror, the horror!

ADENDO (09/29/2010)

Perdi uma hora de minha vida lendo finalmente o texto do Marconi & Barbi, só para descobrir hoje que o Rogerio Ferreira já apontou boa parte das besteiras cozinhadas naquele artigo.

Focando nos aspectos principais (e aceitando os dados construídos pelos autores como verdade), é chocante que os autores não tenham notado que a trajetória da participação da indústria de transformação tem tido uma tendência declinante desde meados dos anos 70 pelo menos. Se vamos acreditar nos dados apresentados no Gráfico 1 de Marconi & Barbi, fica muito difícil concluir que fatores como liberalização financeira ou comercial tenham tido um papel crucial em um suposto processo de desindustrialização brasileiro. Os autores são cegos a esta evidência.

Também é curioso que os autores olimpicamente ignoram que em tempos recentes (1995-2007), o setor de manufaturados de média-alta e alta tecnologia tem (a) mantido sua partipação no valor adicionado agregado (Gráfico 2); (b) aumentado sua participação na ocupação (Gráfico 4); e (c) reduzido sua participação no investimento da indústria (Gráfico 5). Pontos (a)-(b) são inconsistentes com a ladainha histérica de certos autores sobre ‘primarização’ da economia brasileira, enquanto ponto (c) é consistente com o efeito da apreciação cambial barateando o preço relativo do investimento em equipamentos mais avançados tecnologicamente.

Outra grande sandice, entretanto, é a visão dos autores sobre a expansão da compra de insumos intermediários no exterior. É fantástico para nossa indústria que ela possa reduzir seus custos adquirindo insumos no exterior. Mais que isso, é necessário que ela faça isso se quisermos ter uma indústria competitiva. Eu não consigo deixar de me surpreender que ainda existam economistas brasileiros que até agora não entenderam que a economia brasileira entrou em uma crise que durou quase duas décadas exatamente porque nossos planejadores nos anos setenta resolveram endividar o país para “adensar a cadeia produtiva” (ou seja lá qual for o eufemismo para “forçar nossos produtores a pagarem mais caro por seus insumos intermediários”).

Mas o mais engraçado disso tudo é que os próprios resultados econométricos dos autores desmentem algumas das teses que eles defendem. Por exemplo, os autores não conseguem achar qualquer efeito significativo da taxa real de câmbio (não que alguém precise de econometria para saber isso, basta ver o Gráfico 1) e conhecer a trajetória da taxa real de câmbio.


Este professor Marconi...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Depois querem que a gente leve a sério

11:00 IPEA: DESEMPREGADOS ESTÃO MAIS OTIMISTAS DO QUE OS EMPREGADOS



São Paulo, 27 - As pessoas sem emprego estão mais otimistas com a situação financeira da família do que as pessoas empregadas. A informação consta da segunda edição do Índice de Expectativa das Famílias (IEF), que será divulgado hoje, às 11 horas, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em São Paulo. Os dados do IEF que serão anunciados refletem a expectativa de todos os não empregados, grupo que inclui os aposentados. Outro item da pesquisa que deverá ser apresentada pelo presidente do instituto, Márcio Pochmann, é a segurança de que o chefe do domicílio se manterá no emprego. Mais um dado incluído na segunda edição do indicador é a expectativa da situação financeira da família, segundo a percepção do grau de endividamento.

(Francisco Carlos de Assis)
Comentário

Faz todo sentido: quem está desempregado pode se empregar; quem está empregado só pode perder o emprego. O pessoal do Ipea sempre acha coisas interessantes...

P.S. Sugestão do Pai Alex: deveríamos iniciar uma política de incentivo ao desemprego, para melhorar ainda mais o otimismo com o país.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Boa noticia

Parabéns ao povo colombiano. Saiba porque aqui.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Manifesto em defesa da democracia

O texto, obviamente, não é meu. Mas assino embaixo e quem quiser assinar acha o manifesto aqui.

* * *

Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano.

Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que a militância partidária tenha convertido os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade.

É constrangedor que o Presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras da Democracia , mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É um escárnio que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para rasgar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Pistola de aluguel

Mark Weisbrot acaba de lançar mais um ensaio sobre as maravilhas do bolivarianismo econômico na Venezuela.

Gostaria de abrir a caixa de comentários para que os leitores debatessem qual a passagem mais desonesta, estúpida ou nassífica do texto do rapaz. Ao leitor que primeiro identificar a melhor passagem nassífica (isto é, aquela exemplar de estupidez ou falta de caráter, ou ambos), o blog vai oferecer o prêmio Sargento Mario Terán por contribuição ao bem-estar da América Latina.


O preço da democracia é conviver com o pistoleirismo.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Em algum lugar do passado

Não falta quem veja as contas do balanço de pagamentos como uma demonstração de resultados do país: superávits são associados a “lucros”, enquanto déficits seriam as “perdas”. Não é uma visão muito diferente da que prevalecia no século XVIII, entre os chamados mercantilistas, que também identificavam o progresso de um país ao seu saldo comercial, noção devidamente refutada ao longo da história, mas incrivelmente resistente.

Esta questão ganha relevância porque o Brasil passou a registrar déficits externos de magnitude crescente. Usando os números dessazonalizados das contas nacionais, notamos que, depois de 44 trimestres, as importações (de bens e serviços, exceto remuneração do capital) finalmente superaram as exportações. Assim, nos dois primeiros trimestres de 2010 o déficit externo atingiu respectivamente 0,8% e 1,2% do PIB, com perspectiva de valores maiores à frente.

Este processo, por mais que nossos “keynesianos de quermesse” insistam no contrário, está intrinsecamente associado à elevação do investimento em relação ao produto. Nos últimos 62 trimestres observa-se clara relação positiva entre a razão investimento-PIB e o déficit externo, isto é, tipicamente o investimento e o déficit externo caminham na mesma direção. Há, adicionalmente, outro fato interessante: praticamente toda vez que o investimento supera a fronteira dos 17,5% do PIB as importações excedem as exportações; apenas em 3 trimestres (desde 1995) isto não ocorreu.

Obviamente, estas informações são insuficientes para determinar se é o aumento do investimento que leva ao déficit externo, ou se, ao contrário, é a elevação do déficit externo (por exemplo, por maior apetite por ativos nacionais) que causa maiores investimentos. Provavelmente estes dois fenômenos interagem entre si, o que torna a questão da relação causa-efeito bastante complexa. No entanto, independente desta discussão, a experiência histórica sugere que taxas mais altas de investimento não ocorrem sem elevação correspondente do déficit externo.

Tal fenômeno reflete a baixa poupança nacional. De 2000 para cá a poupança bruta atingiu, em média, pouco mais de 17% do PIB, tomando-se como base os números trimestrais sazonalmente ajustados, não por acaso patamar bastante semelhante àquele a partir do qual o nível do investimento corresponde a déficits externos.

A reduzida poupança nacional não parece, todavia, resultar de um consumo privado particularmente elevado. Apesar do consumo brasileiro, em torno de 63% do PIB, ser bastante superior ao da China, por exemplo, ele não difere muito do observado nos demais países latino-americanos. A bem da verdade, inclusive, o consumo privado no Brasil, além de inferior à média de Argentina, Chile, Colômbia e México, é também o menor dentro desta (limitada) amostra.

A grande diferença neste caso refere-se ao consumo do governo. No ano passado o gasto público neste conceito atingiu pouco menos de 21% do PIB, enquanto na média dos países acima ficou em 13,6% do PIB, repetindo o padrão dos últimos anos.

Assim, se o governo estivesse mesmo preocupado com a evolução das contas externas, o remédio seria simples do ponto de vista econômico (ainda que politicamente complicado): um programa de austeridade fiscal que enfrentasse decisivamente o elevado patamar de gasto público no país.

Tal política abriria espaço para a expansão do investimento relativamente ao PIB sem que fosse necessário recorrer à poupança externa. Concretamente, isto se traduziria em redução da demanda doméstica, permitindo a queda da Selic e conseqüente depreciação cambial. Vale dizer, mais eficaz do que limitar o ingresso de capitais num contexto de necessidade crescente de poupança externa seria reduzir esta própria necessidade. Isto, porém, ainda parece além da compreensão de quem ainda vive no século XVIII.


Fonte: IBGE
(Publicado 14/09/2010)

Um moderno keynesiano de quermesse

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

An African Nobel prize winner in the making?



One can recognize the mark of a genius in the work of the Zambian economist and social philosopher Siize Punabantu.

I want to share with y’all the abstract of his new masterpiece, The Origin of Wealth.

What is wealth? This paper proposes wealth and poverty are opposite sides of the same coin and to know the source of one is to understand the cause of the other. It delves into the premise that if contemporary economics could consummately answer the question: what is wealth? scarcity, economic strife and poverty would not exist in the world today. Two kinds of wealth are discussed, aesthetic and technical wealth. Is it possible that contrary to belief, the use of assets and liabilities as a measure of wealth belong to the aesthetic view in the sense that in human psychology an asset is merely an object or factor that evokes positive emotional feelings; the capacity to measure this kind of wealth using complex mathematics does not turn assets and liabilities into real or technical wealth. Consequently wealth may be none of the popular or common notions human society perceives; this includes money, assets and so on. In addition to the psychological influence the tendency of money and assets to fluctuate over time reinforces its aesthetic stature. Businesses commonly publish financial statements in national media often as a legal requirement or a means of demonstrating their financial health or quite simply the state of their wealth , when in fact a financial statement, despite the mathematics applied to it, may be considered an example of aesthetic wealth; (...)


And there is more... But you will have to read this tour de force, I did and it changed the way I understand the world.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Nova atualização

Com a divulgação da carga tributária de 2009 (33,6% do PIB), é possível fazer a atualização anual do post sobre a evolução fiscal do país. Dado o superávit primário (2,5% do PIB) de União, estados e municípios (sem empresas estatais), o gasto primário teria atingido 31,1% do PIB, o maior da série, superando o recorde de 2008. A notar que esta conta ignora outras fontes de receita (dividendos, por exemplo) e, portanto, subestima o nível do gasto. E 2010 promete...

Fontes: RFB (carga) e BCB (superávit primário)

O passado de alguns

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A última do Professor Costa Oreiro

Assim falou o acadêmico da UNB:

“Nenhum defensor da tese de desindustrialização afirma que o progresso técnico só pode ocorrer na indústria, mas sim que a indústria é a principal fonte do progresso técnico !!!! Acredito que a validade dessa afirmação é tão óbvia que não exige sequer esforço adicional de comprovação empírica. Se os autores do artigo em consideração pensam o contrário, cabe a eles o ônus da prova.”

Aparentemente o ilustre professor não sabe que desde o final da Segunda Guerra Mundial, a produtividade na agricultura nos países desenvolvidos tem crescido consideravelmente mais rápido do que no setor manufatureiro. Segundo o livro do historiador Paul Bairoch, entre 1950 e 1990, a produtividade nos países desenvolvidos ocidentais cresceu 5.4-5.6% na agricultura e 3.4-3.6% na indústria (Bairoch “Economics and World History” 1993, pp.151). Portanto, o argumento que a indústria é a principal fonte do progresso técnico é duvidoso e deve ser qualificado com bastante cuidado.

O mesmo acontece nos países não-avançados que exportam alimentos (exemplo: Brasil, Chile) há algumas décadas... Se o professor tiver alguma dúvida, consulte os dados... Ou então o World Development Report de 2008.

“No final do artigo os professores Ferreira e Frageli afirmam que o Brasil precisa se preocupar não com a indústria, mas com a baixa produtividade do setor de serviços. Os professores da FGV deveriam se perguntar se a baixa produtividade do setor de serviços em comparação com a observada nos países desenvolvidos não seria a prova contundente de que no Brasil a indústria ainda não cumpriu o seu papel histórico de modernização da estrutura produtiva, de tal forma que a redução da sua importância na economia brasileira não só é precoce, como principalmente negativa.”

Prova contundente? O quê? Pelo que entendi, o professor está argumentando que a baixa produtividade do setor de serviços se deve à indústria não ter “cumprido o seu papel histórico de modernização da estrutura produtiva”?!? De que raios de país o ‘professor’ está falando?

Primeiro, o Brasil que eu conheço é um dos países com estrutura produtiva mais diversificada do mundo - como seria de se esperar sendo um país grande. Era mais diversificada ainda nos anos oitenta, devido a políticas implementadas pela ditadura militar explicitamente desenhadas para aprofundar esta diversificação, com consequências funestas para o nosso desenvolvimento, como todos nós sabemos.

Segundo, mesmo que não fosse o Brasil um país de estrutura produtiva altamente diversificada, não vejo conexão alguma entre a produvidade no setor de serviços e a tal diversidade da estrutura produtiva.


Como o texto na foto deixa claro, este é o Keith do Magical Enterprises, não o Professor Costa Oreiro da Magical Heterodoxies.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Freddy Krueger, importação e inflação

Uma constante em filmes de terror para adolescentes é o vilão imortal: não interessa quantas vezes o herói (ou heroína) mate o abantesma, no filme seguinte ele reaparece forte e cruel, como se nada houvesse ocorrido. O mesmo ocorre em debates econômicos, das propostas para fechar a economia à opinião que “um pouquinho de inflação ajuda o crescimento”. Outro exemplo é a ideia que as importações podem prevenir indefinidamente a aceleração da inflação, argumento muito empregado, por exemplo, em 2007, quando a inflação estava abaixo da meta e não faltava quem afirmasse, às vésperas de forte aceleração inflacionária, que as importações haviam alterado permanentemente a dinâmica dos preços.

Há, a bem da verdade, dois canais pelos quais o comércio internacional pode afetar os preços domésticos, ambos, porém, sujeitos a limites. O mais direto refere-se à competição entre o produto nacional e o importado, isto é, o preço em reais do produto importado (considerados fretes, impostos, etc.) funcionaria como um teto para os preços locais, mesmo que a importação não se efetive.

Contudo, o limite para o funcionamento deste mecanismo é óbvio. No caso de produtos que não sejam sujeitos à concorrência internacional (bens não-comercializáveis) a eficácia das importações para disciplina de preços é virtualmente nenhuma. Aluguéis podem ser muito mais baratos em Karachi do que em São Paulo, mas ninguém viajaria diariamente para o Paquistão por este motivo.

Esta questão se torna ainda mais relevante quando lembramos que, mesmo no caso de bens que podem ser importados e exportados a custos reduzidos (bens comercializáveis) há uma fração significativa de não-comercializáveis. A carne comprada em supermercado, para ficar num exemplo, contém uma medida considerável de serviços como aluguéis, transporte, etc., cujos preços não são sujeitos à competição internacional. Posto de outra forma, é provável que o preço da carne no atacado siga de perto preços externos, mas, quando chega no varejo, esta ligação se torna bem mais tênue.

Resta, porém, o segundo canal, menos intuitivo, mas ainda relevante. Numa economia aberta ao comércio internacional nem todo aumento da demanda doméstica precisa ser atendido por expansão correspondente da produção. Isto significa que capital e trabalho (mais o segundo que o primeiro) que seriam utilizados na produção de bens substituídos pelas importações são postos à disposição dos setores produtores de bens não-comercializáveis. Mesmo que as importações não possam substituir diretamente bens não-comercializáveis, elas permitem um aumento da produção destes bens ao liberar recursos que seriam usados em outros setores.

Assim, é possível que a demanda doméstica cresça mais rápido do que seria permitido pela disponibilidade de recursos e tecnologia locais, isto é, acima do crescimento do produto potencial da economia, sem que isto se traduza necessariamente em pressão sobre a utilização dos recursos e, portanto, em aceleração inflacionária. Concretamente, numa economia aberta, a oferta adicional de importações reduz a pressão sobre o mercado de trabalho e, portanto, sobre os salários, implicando menores tensões inflacionárias.

Entretanto, é absolutamente necessário traduzir este argumento em números para saber seu exato alcance. Vamos supor que o Brasil possa sustentar indefinidamente uma taxa de expansão do produto da ordem de 5% ao ano, algo superior à maior parte das estimativas do crescimento do PIB potencial (incluindo as nossas), que tipicamente se situam entre 4% e 4,5% ao ano. Dada a expansão da demanda doméstica (relativamente ao PIB potencial), a que ritmo deveriam crescer as importações (relativamente às exportações) para evitar pressões inflacionárias?

O gráfico sugere a resposta: grosso modo, cada ponto percentual a mais de crescimento da demanda doméstica além do crescimento potencial requer que as importações cresçam de 8% a 9% ao ano mais rápido que as exportações, essencialmente porque importações equivalem a apenas 10% do PIB. Não é por acaso, pois, que as importações crescem aceleradamente e que a insistência em fechar ainda mais o país ao comércio é, na verdade, uma proposta oportunista de setores que pretendem aumentar seus preços.

Fonte: estimativas do autor a partir de dados do IBGE


Isto dito, os limites para a ação antiinflacionária das importações ficam claros. Além da questão dos bens não-comercializáveis, a pouca exposição do país ao comércio internacional requer taxas de crescimento da importação provavelmente insustentáveis a médio e longo prazo. A verdade é que, mesmo no caso de uma economia aberta, a demanda doméstica não pode se distanciar indefinidamente do PIB potencial. Importações ajudam no curto prazo, mas não resolvem o problema universal da escassez.


“Importações resolvem tudo”, afirma Freddy.

(Publicado 2/Set/2010)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

De Carrópolis a Frangoburgo

Os 17 leitores já notaram minha preferência pela parábola como meio de transmitir uma ideia. Por mais que a patente falta de realismo dessas fábulas possa ofender as mentes mais apegadas à realidade imediata, não é de hoje que creio que, para entender a realidade, o melhor é se distanciar dela o tanto quanto possível. Peço, assim, novo esforço de imaginação.

Considere uma empresa que produza carros e frangos e os venda em duas cidades: Carrópolis (onde as pessoas só consomem carros) e Frangoburgo (onde o galináceo é o único bem de consumo). Cada produto responde inicialmente por metade da receita da empresa.

Carrópolis, porém, foi assolada por uma grave crise, reduzindo 20% seu consumo. Por outro lado, Frangoburgo manteve seu ritmo de crescimento, expandindo 20% suas compras. Embora a empresa tenha mantido inalterada sua participação de mercado nas duas cidades, tais desenvolvimentos levaram a uma mudança considerável do perfil das suas vendas: carros representavam apenas 40% das receitas, enquanto frangos respondiam por 60% do faturamento.

Ao ver estes números um consultor externo sugeriu ao Conselho que o novo perfil das vendas refletia um sério problema de competitividade justamente no seu produto tecnologicamente mais avançado e que em breve estaria limitada às vendas de frango. Quando as gargalhadas cessaram, o diretor comercial, apiedado, sugeriu ao consultor que, caso quisesse continuar no ramo, não seria má ideia ter noção do que ocorria com os mercados consumidores.

De volta da fábula, observamos uma mudança expressiva na composição das exportações brasileiras no período que se seguiu à crise externa: em agosto de 2008 produtos manufaturados representavam 48% das exportações, enquanto produtos primários eram apenas 36%. Em junho de 2010 estas proporções haviam se alterado para 42% e 41% respectivamente, fazendo alguns preverem para breve o retorno do país à condição de exportador de produtos primários.

Para ser sincero, fosse isto verdade, eu não me preocuparia muito (Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, vão muito bem nesta condição), mas o ponto principal não é este, e sim que, como nosso consultor hipotético, defensores desta tese não parecem ter se preocupado com o que possa ter acontecido do lado dos mercados consumidores de produtos brasileiros.

Mantendo o paralelo, podemos pensar no Brasil como um exportador de manufaturas para América Latina , EUA e União Europeia (Carrópolis, que absorve 71% das exportações de manufaturados) e produtos primários para a China (Frangoburgo, destino de 26% destas exportações). Carrópolis e Frangoburgo respondem em conjunto por pouco mais de 60% das exportações nacionais.

As importações de “Carrópolis” caíram 20% entre setembro de 2008 e junho de 2010, enquanto as exportações brasileiras para lá diminuíram 23%, implicando modesta perda de participação de mercado (1,28% contra 1,33%). Por outro lado, as importações chinesas cresceram 8% no período, mas as exportações brasileiras para lá aumentaram 42%, das quais produtos primários (80% do total exportado para aquele país) cresceram 55%.

Assim, caso as importações carropolitanas tivessem crescido o mesmo que as frangoburguesas/chinesas, as exportações brasileiras de manufaturados teriam atingido 46% do total exportado, praticamente a mesma proporção pré-crise (já considerando os efeitos de importações maiores dos EUA e UE sobre as exportações primárias).

Como em nossa fábula, portanto, os números mostram que a mudança na composição das exportações brasileiras reflete (quase) integralmente as alterações do comércio mundial – em particular o crescimento chinês e a retração de EUA, União Europeia e América Latina – e não um problema de competitividade. Mas que relevância têm os dados para o pessoal que já tem as respostas prontas?

Um modelo de dois setores

(Publicado 1/Set/2010)