Ajustado à inflação brasileira e
norte-americana o dólar não está sequer perto de seus níveis históricos mais
caros. A recente desvalorização da moeda responde à queda de preços de
commodities, à força internacional do dólar e à redução dos juros locais, sem
impactos preocupantes sobre a inflação.
Quando
até cineastas
acreditam poder opinar (erroneamente)
sobre a taxa de câmbio é necessário um tanto de reflexão. O dólar chegou ao
patamar de R$ 4,20 nas últimas semanas, o que foi tomado por alguns como
sinônimo de problemas econômicos, motivando a comparação com o preço da moeda
norte-americana em outros governos.
À
parte números para lá de equivocados (o pico do dólar no governo Lula, por
exemplo, citado como R$ 1,66, foi na verdade R$ 3,59), a “análise” ignora não
só o problema da inflação no período, mas, de maneira mais grave, o que
representa de fato a taxa de câmbio.
Não
é para menos. A taxa de câmbio é, na expressão feliz do Affonso Pastore, uma
variável “esquizofrênica”: simultaneamente o preço de um ativo financeiro, no
caso o dólar, e um preço relativo fundamental para o funcionamento da economia.
No
caso, o preço relativo expressa a competividade da economia. Se o preço do
dólar dobrar, os produtos brasileiros se tornam mais baratos no exterior e os
importados mais caros, mudando o balanço externo do país. Todavia, se os preços
domésticos (ou, de forma mais precisa, a diferença entre os preços domésticos e
os internacionais) também dobrarem, o efeito será nulo. O que interessa,
portanto, é a taxa de câmbio corrigida pela diferença entre a inflação
brasileira e a norte-americana, também chamada de taxa real de câmbio.
O
gráfico abaixo mostra a evolução da taxa real de câmbio de 1953 até hoje,
revelando que o atual nível do dólar não parece ser nada de extraordinário. O
pico histórico da moeda norte-americana ocorreu em outubro de 2002, em meio aos
temores do mercado sobre a política econômica que seria adotada por Lula, que acabou
se revelando bastante ortodoxa no começo de seus mandatos presidenciais,
levando à rápida reversão do câmbio real em 2003 e 2004.
Fonte: autor com dados do
BC, IBGE e BLS
A
taxa real de câmbio, porém, não responde apenas à avaliação de políticas
econômicas (de alguma forma expressas no risco-país, isto é, o tanto a mais que
o governo tem que pagar relativamente ao juro comparável dos títulos
americanos), mas a fatores tão variados como o preço das commodities
(muito correlacionado ao preço das exportações brasileiras), a força (ou
fraqueza) do dólar face às demais moedas, o tamanho do passivo externo do país,
e, pelo menos no curto prazo, à diferença entre as taxas locais de juros e as
internacionais.
Fonte: autor com dados do BC, CRB e FRED (período 2003-2019)
Dada
a queda de 6% dos preços das commodities no ano, o fortalecimento do
dólar face às principais moedas globais (4%), e, por fim, a redução da
diferença de taxa de juros (de 4% aa para 3% aa entre o final de 2018 e agora),
o enfraquecimento do real não deveria ser surpresa.
A
única preocupação potencial cabível seria o possível impacto negativo do dólar
mais caro sobre a inflação, conhecido na literatura como repasse cambial,
pois poderia limitar a redução da taxa de juros. Não é o caso, pelo menos não
até agora. Em que pese alguma aceleração dos preços de bens mais sensíveis à
taxa de câmbio, não há sinais de contaminação dos demais preços e tanto a
inflação “cheia” quanto as medidas menos sujeitas a influências pontuais (os
chamados “núcleos” de inflação) permanecem bem-comportadas.
Neste
sentido Paulo Guedes tem razão: a depreciação do real é um fenômeno de mercado
que não deve ensejar em si maiores preocupações.
O
curioso neste contexto é a visão supostamente crítica de luminares de esquerda,
como o perene candidato Ciro Gomes, associando a valorização do dólar a
um provável colapso financeiro, mesmo tendo feito uma
de suas bandeiras
de campanha a manutenção do dólar acima de R$ 4.
Mais curioso ainda é a ausência de menção ao teto de gastos, que, ao
possibilitar a queda da taxa de juros, colaborou para entregar um dólar mais
caro, desejo de 12 entre 10 economistas heterodoxos.
Curioso,
sim; surpreendente não, já que não falta quem subordine a análise econômica às
suas preferências políticas, o que não vale um dólar furado.
2 comentários:
"a depreciação do real é um fenômeno de mercado"
Traduzindo: especulação no FOREX. Perdeu-se o sentido a lasrto em dólar quando o mesmo pode ser manipulado pelo homebroker.
“pode ser manipulado pelo homebroker.”
Este entende... #sqn
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