O protecionismo, ao ameaçar a viabilidade
das cadeias de suprimentos, desempenha papel central na desaceleração econômica
global, cujos reflexos sentimos no Brasil por meio do preço das commodities e do
dólar. É ilusão achar que haverá ganhadores neste jogo.
A
semana começou com uma surpresa nada surpreendente: o presidente Trump, contrariado
com a desvalorização recente do real e do peso argentino, anunciou que irá recolocar tarifas sobre importações de aço e alumínio
destes países, reforçando o protecionismo que tem sido
a marca registrada de seu governo no campo econômico. Não nos escapa a ironia,
à luz dos esforços da diplomacia (na falta de melhor termo) nacional para se
alinhar aos EUA, que o Brasil se encontre na linha de fogo da guerra comercial,
mas não é exatamente disto que pretendo falar hoje.
Há
uma desaceleração da economia mundial em curso. O FMI estima o crescimento em
2019 na casa de 3% e projeta a expansão de 3,4% em 2020, não apenas bem abaixo
do registrado nos últimos anos (3,8% em 2017 e 3,6% em 2018), mas também
inferiores às previsões feitas no início do ano.
Muito
embora as chances desta desaceleração resultar em recessão global sejam
percebidas como menores do que há um ou dois meses, seus efeitos já são
sentidos. Desde maio deste ano as estimativas do CPB (Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis)
sugerem encolhimento do comércio internacional, o que não ocorria desde o final
de 2009 (mas, noto, numa escala incomparavelmente menor do que a registrada
durante aquela crise) e muito provavelmente fecharemos 2019 com a primeira
redução no volume de comércio desde aquele ano.
Fonte: CPB
Não
é por outro motivo que a produção industrial global também se encaminha para
seu pior resultado desde 2009, embora mais uma vez destacando que estamos longe
daquele quadro recessivo. Como o setor é bem mais exposto ao comércio
internacional do que no caso dos serviços, esta dinâmica é consistente com o
fenômeno de retração acima descrito. Assim, países cuja expansão esteja mais
ligada ao setor exportador (como, por exemplo, Alemanha, Japão e Coreia do Sul)
têm, como regra, um desempenho pior.
Todavia,
os efeitos mais importantes parecem ir além do impacto direto das exportações
sobre o produto. Os últimos 30 anos testemunharam um crescimento extraordinário
do comércio internacional em paralelo ao aprofundamento de cadeias globais de
suprimentos, que exploraram o princípio das vantagens comparativas como em
poucos momentos da história, partindo da premissa que a globalização viera para
ficar.
Em
face, porém, do aumento do protecionismo a viabilidade de uma série de cadeias
produtivas fica ameaçada. Talvez ainda mais importante, a formação de novos
elos é prejudicada pela incerteza advinda da guerra comercial, levando ao
adiamento, quando não o cancelamento de planos de investimento.
Posto
de outra forma, em adição ao impacto direto da perda de fôlego das exportações,
principalmente as industriais, temos também o impacto indireto, mas não menos
relevante, de queda do investimento, forças que se encontram na raiz da
desaceleração global.
O
Brasil, como se sabe, tem participação apenas marginal neste fenômeno, dada
nossa baixa inserção comercial, bem como o lamentável crescimento de nossa
produtividade. No entanto, sofre, além do impacto da menor expansão global, com
a queda do preço das commodities, reflexo da desaceleração chinesa, o
principal consumidor destes produtos.
Assim,
à parte o caso das carnes, que resulta dos problemas com o abastecimento na
China, os preços de commodities registram queda de 6% no ano, conforme
notado na semana passada, embora na ponta a redução se encontre mais próxima a
6,5%. Muito da desvalorização do real se deve, como
argumentamos, a este fenômeno.
Obviamente
não deixa de ser curioso, para fechar o círculo, que o enfraquecimento do real,
assim como o das moedas de países exportadores de commodities, reflita
precisamente o impacto negativo do crescente protecionismo sobre o crescimento
global. Protecionismo parte da premissa
errada do comércio internacional como jogo de soma zero; quando aprofundado, vira
um jogo de soma negativa.
War Games |
(Publicado 4/Dez/2019)
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