O anúncio da intervenção no mercado de câmbio
por meio de vendas de reservas é apenas uma adição bem-vinda aos instrumentos
hoje disponíveis, que não deve ter impacto na tendência da taxa de câmbio
Tenho
recebido muitas consultas acerca do anúncio da “nova” modalidade de intervenção
cambial do BC, que consiste na oferta de US$ 3,8 bilhões das reservas, a serem
compensados pela colocação de “swaps
reversos” (que, ao contrário dos swaps
normais, equivalentes à venda de dólares no mercado futuro, representam compra
de dólares no mercado futuro). O principal ponto é que esta modalidade deve ter
– por desenho – impacto muito modesto, se algum, na cotação do dólar. Representa,
a bem da verdade, apenas mais um instrumento na caixa de ferramentas do BC no
que diz respeito ao mercado de câmbio.
Adiantada
a conclusão, resta entender o porquê.
O
BC detém hoje US$ 388 bilhões em reservas prontamente disponíveis. Foram adquiridas
por meio de emissão de moeda, depois “enxugada” (o termo técnico é “esterilizada”)
pela colocação de títulos públicos, tipicamente sob a forma de operações
compromissadas. Assim, o custo destas reservas corresponde, numa primeira
aproximação, à taxa Selic (que seria o custo da dívida pública emitida para
esterilizar a compra de reservas), menos a taxa de juros dos títulos que correspondem
às aplicações do BC no exterior), menos a desvalorização do Real face ao dólar
(quando o Real se aprecia, o BC perde dinheiro).
Ao
mesmo tempo, o BC vendeu cerca de US$ 68 bilhões de swaps. Estes swaps
representam uma troca: o BC recebe a taxa Selic sobre seu valor (em Reais) e
paga uma taxa de juros em dólar (o cupom cambial) mais a depreciação cambial. Assim,
a desvalorização da moeda representa uma perda para o BC, enquanto a valorização
do real representa um ganho. Posto de outra forma, do ponto de vista do custo,
os swaps são a versão espelhada das
reservas.
Custo
das reservas = Selic (-) Juro externo (-) Desvalorização
Custo
dos swaps = Juro externo (+) Desvalorização (-) Selic
Do
ponto de vista do custo total, portanto, o que interessa é a posição de
reservas internacionais líquidas dos swaps, ou seja, US$ 388 bilhões menos US$
68 bilhões, ou seja, US$ 320 bilhões (existem outras
modalidades que ignoramos para manter a explicação simples e cujo
efeito nos números é bastante pequeno). Isto dito, há diferenças entre reservas
e swaps que trataremos mais à frente.
A
proposta do BC consiste em ofertar US$ 3,8 bilhões de dólares à vista, retirados
das reservas internacionais, compensando a venda, contudo, com a colocação de swaps reversos. No caso do swap reverso o BC recebe a variação cambial e a taxa de juros externa, e paga a taxa Selic. Em outras palavras,
o efeito líquido sobre o custo é, de novo aproximadamente, nulo: o que o BC
vende com uma mão, recompra com a outra. Por este motivo, não se espera nenhum
impacto significativo sobre a taxa de câmbio.
Do
ponto de vista estritamente contábil pode haver algum efeito sobre as estatísticas
de dívida bruta, porém. A venda de reservas permitiria ao BC reduzir o volume
de operações compromissadas, que são contabilizadas na dívida bruta, enquanto o
swap reverso não sensibilizaria este
indicador. De qualquer forma, o impacto seria pequeno (em torno R$ 15 bilhões a
preços de hoje, enquanto a dívida bruta anda na casa de R$ 5,5 trilhões, isto é,
falamos de um efeito da ordem de 0,3% da dívida bruta.
Porém,
se é verdade que não se espera nenhum grande impacto da intervenção sob estes
moldes, por que motivo estaria o BC adicionando este instrumento à sua caixinha
de ferramentas? Porque a intervenção do BC, se feita de acordo com os princípios
inerentes ao regime de metas, tem como principal objetivo prover liquidez nos
mercados de câmbio em caso de eventos que afastem vendedores.
Tipicamente
isto se verifica nos mercados futuros, que são muito maiores que o mercado cambial
à vista no Brasil. Daí a preferência histórica pela intervenção por meio de swaps, ao invés de dólares à vista (ou “pronto”,
no jargão do mercado). É, todavia, possível que, sob outras circunstâncias a
liquidez se reduza no mercado à vista, requerendo que o BC oferte o dólar “pronto”.
Se for este o caso, o novo instrumento seria a resposta mais adequada do que a
venda de swaps, ou seja, trata-se de
uma questão técnica de mercado.
A
opção por um instrumento ou outro dependerá do diagnóstico acerca da localização
de uma eventual falta de liquidez: se no mercado futuro, opta-se pela colocação
de swaps; se no mercado à vista, pela
venda de “pronto”, compensada pela colocação de swaps reversos. A boa gestão pode ajudar a evitar “picos” de desvalorização
em caso de falta de liquidez (ou seja, o impacto modesto a que nos referimos no
primeiro parágrafo), mas sem afetar a tendência da taxa de câmbio.
Isto
dito, é bom lembrar que reservas não são idênticas a swaps, apesar de serem, do ponto de vista dos custos, a versão espelhada
um do outro (ou o mesmo custo no caso do swap
reverso). Swaps são contratos locais,
liquidados em Reais, enquanto reservas são dólares mesmo: os primeiros não podem
ser usados para quitar compromissos no exterior, enquanto o papel dos segundos é
exatamente este.
Nas
circunstâncias atuais, em que a venda de dólar pronto representa fração
reduzida das reservas, isto não faz grande diferença, pois ainda teríamos reservas
em volume provavelmente maior que o necessário para fazer frente a eventuais
compromissos externos (amortização de dívida, pagamento de juros, etc.).
Em
suma, o anúncio da nova modalidade de intervenção é uma medida técnica, que não
deve interferir com a tendência da taxa de câmbio e cuja aplicação depende do
diagnóstico de onde se verifica uma possível falta de liquidez. Nota-se apenas
que o BC segue atento aos desenvolvimentos do mercado de câmbio, mantendo a
tradição que já mereceu estudos
com conclusões bastante favoráveis por parte de organismos financeiros internacionais.
(Publicado 15/Ago/2019)
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