Acontece
todo ano e eu não deveria mais ficar aborrecido, mas ainda me irrito cada vez
que os jornais voltam a afirmar que o pagamento do décimo terceiro salário irá “injetar X
bilhões na economia”. Se fôssemos levar a sério, a imprensa
teria que anunciar todo começo de mês que o pagamento dos salários “injetaria Y
bilhões na economia”, porque, afinal de contas, não se trata de fenômeno
distinto do que ocorre no final do ano.
Não
é o caso (ainda bem!), porque o pagamento de salários não “injeta” nada: há uma
troca entre os que trabalham e os que pagam o salário. No que se refere ao
décimo terceiro há uma causação invertida: imagina-se que as vendas mais altas
em dezembro decorrem do seu pagamento, quando se trata precisamente do inverso.
Vendas
são mais altas no mês pelo efeito das festas de fim de ano. Neste contexto, o
décimo terceiro nada mais é do que uma “poupança” disfarçada feita ao longo do
ano: ao invés de distribuir seu salário anual em doze parcelas, o pagamento é
feito em treze, das quais duas no final do ano.
Não
seria muito diferente de poupar cerca de 7,7% de um salário mensal (pago em
doze parcelas) e usar tais recursos no final do ano (com a vantagem, neste
caso, de receber um pouco a mais de juros, ou poupar um pouco menos, contando
com o pagamento de juros ao longo do caminho). Você prefere sua pizza dividida
em oito ou seis pedaços?
Incorrem
em equívoco similar os que, como o fracassado candidato a presidente e dublê de
revolucionário, Guilherme Boulos, afirmam que a Previdência “injeta
dinheiro na economia”. Boulos convenientemente esquece que,
para pagar os benefícios, o governo tem que obter recursos em algum lugar, de
contribuições (insuficientes), tributos, ou ainda por meio de endividamento
adicional.
Ademais,
este argumento tipicamente considera que tais recursos se destinam à camada
mais pobre da população, o que está longe de ser verdade. Segundo estudo do
ministério da Fazenda (https://tinyurl.com/yaqo7soa),
pouco mais de 40% do gasto previdenciário é capturado pelos 20% mais ricos, ao
contrário de programas mais bem focalizados, como o Bolsa-Família, que
direciona 44% do seu desembolso para os 20% mais pobres.
Assim,
enquanto as contribuições previdenciárias são moderadamente progressivas (isto
é, quem ganha mais paga proporcionalmente mais), os benefícios são fortemente
regressivos (quem ganha mais recebe proporcionalmente mais). Posto de outra
forma, a previdência, como existe hoje, ajuda a concentrar a renda, o que obviamente
não impede os autodenominados campeões da desigualdade de defender aguerridamente
o status quo.
Não
é a única instância em que isto ocorre. Como regra, se há algum arranjo que
provoca distorções significativas e que tipicamente implica transferência de
renda para os mais ricos, não há dúvida que keynesianos de quermesse, a versão
macroeconômica dos campões da desigualdade, estarão a postos para defendê-la e
não se trata de exagero meu.
Subsídios
do BNDES para grandes empresas? Sim. Proteção a segmentos privilegiados da
indústria nacional? Sim. Meta de inflação mais elevada? Sim.
A
falta de uma abordagem analítica rigorosa (oriunda da ojeriza à matemática)
explica em parte este padrão; para entendê-lo plenamente, todavia, não há como
ignorar a agenda política, que primeiro define as conclusões, para então passar
aos argumentos que a justifiquem. E é sempre assim...
(Publicado 16/Jan/2019)
4 comentários:
O Boulos disse numa entrevista ao My News que "quanto mais caro é empregar, menor a taxa de lucro do empregador".
Sabe... o maior problema do mundo é o efeito Dunning-Kruger.
abs, Zamba
Alex, você acredita que um eventual fim do décimo terceiro manteria as remunerações do trabalho anuais inalteradas?
Abs,
R
1) Não acredito que terminem com o décimo-terceiro;
2) Caso terminassem, a lei não permite redução de salário, ou seja, teria que ser incorporado aos pagamentos mensais, mantendo o valor anual.
Boa, valeu!
R
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