Uma das maiores
picaretagens do debate econômico brasileiro é a tal “taxa de câmbio de
equilíbrio industrial”, conceito inventado pelos que hoje se denominam “novo
desenvolvimentistas”, mas a quem considero apenas como uma mutação dos tradicionais
keynesianos de quermesse, os mesmos que jogaram o país da pior recessão dos
últimos 40 anos, da qual estamos, aos poucos, nos desvencilhando.
Pergunte a um dos
membros da seita qual é a “taxa de câmbio de equilíbrio industrial” e a
resposta virá na ponta da língua, como fez recentemente o “consigliere” econômico de Ciro Gomes,
Nelson Marconi: “entre R$ 3,80 e R$ 4,00”, inclusive com um intervalo de
confiança para dar a impressão de um cálculo a sério desta grandeza.
Pergunte a um dos
membros da seita como chegaram a este número (e, claro, também o intervalo de
confiança) e a resposta será um silêncio constrangedor, pois nada mais é do que
a taxa de câmbio observada em 1988, trazida a valor de hoje pelo diferencial de
inflação entre o Brasil e os EUA.
E por que 1988? Porque
naquele momento, segundo o autor da estimativa, o mesmo Marconi, a taxa de
câmbio estava próxima à média observada entre 1968 e 1979 (juro que é o que
está escrito), período em que sua relativa estabilidade é tomada
como sinal da capacidade dos gestores de política econômica no sentido de evitar
a sobrevalorização da moeda.
Curiosamente não se faz
qualquer menção aos maciços desequilíbrios externos do período, que testemunhou
déficits externos crescentes (medidos a preços de hoje), de US$ 4 bilhões (31%
das exportações) em 1968 para US$ 36 bilhões (70% das exportações) em 1979,
levando ao crescimento da dívida externa (também a preços de hoje) de US$ 28
bilhões para US$ 188 bilhões...
O valor mágico obtido
no estudo publicado no final de 2012 era R$ 2,67, que, ajustado ao diferencial
de inflação, equivaleria hoje a R$ 3,80. Apesar de todo blábláblá sobre a evolução do custo unitário do trabalho em cada
economia (basicamente a comparação do salário industrial ajustado pela
produtividade), não há nenhum esforço no sentido de, na prática, incorporar
esta informação.
Se não fui bem claro, permitam-me
sê-lo: a estimativa original é um chute sem qualquer base empírica; já sua
atualização é outro chute, que ignora inclusive aquilo que o autor considera
essencial (o custo unitário do trabalho).
No campo das elucubrações
acadêmicas é uma monstruosidade. Se levado a cabo como base da política
econômica, sentiremos saudades do tempo em que era apenas uma curiosidade
acadêmica.
Como mostrado pela
análise pioneira de Afonso Pastore e Maria Cristina Pinotti em seu livro Inflação e Crise, muito do descontrole
inflacionário observado no final dos anos 70 e durante os anos 80 resultou
precisamente de políticas que tentaram fixar a taxa de câmbio real (isto é, corrigida
pela inflação), postura que implicava o abandono de qualquer
âncora nominal para os preços, seja a taxa de câmbio, seja a política monetária.
Não há razão para
esperar que novas tentativas de fixar a taxa real de câmbio no nível mágicos
tragam consequências distintas, ainda mais num ambiente de desequilíbrio
fiscal, que os mutantes pretendem combater eliminando desperdícios.
Sim, eu sei que já usei
a frase “não aprenderam nada e não esqueceram nada”, mas como evitá-la, quando
os mutantes se encaixam tão bem nesta descrição?
(Publicado 9/Mai/2018)
2 comentários:
Antes de se eleger e tomar posse, parte do programa do Ciro já está sendo implementado. O câmbio já está quase no patamar considerado ótimo pela sua assessoria.
Vamos avaliar os efeitos na indústria, se essa mudança for duradoura.
"O câmbio já está quase no patamar considerado ótimo pela sua assessoria."
Que nada: quando chegar a R$ 3,80 o patamar ótimo passará para R$ 4,30...
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