A acumulação de
reservas ajudou o país a se tornar mais estável. O processo que se iniciou em janeiro de 2004 dotou o país de um
volume expressivo de divisas que podem ser usadas em caso de alterações bruscas
nas condições financeiras globais.
No final de 2008, por
exemplo, o BC ofertou dólares, inclusive para o financiamento das exportações, quando
os bancos internacionais se retraíam. Isto limitou o contágio e permitiu a
recuperação mais rápida da economia naquele momento em comparação a um cenário
em que empresas não tivessem acesso a esta modalidade de crédito.
Há, obviamente, uma
discussão ainda em curso sobre os benefícios e os custos das reservas, o que
naturalmente desemboca na pergunta do nível ótimo de reservas, mas não é deste
assunto que pretendo tratar aqui.
Menos conhecida, mas
não menos importante, é a acumulação privada de ativos estrangeiros,
principalmente na forma de investimentos diretos. Em parte pela liberação a
partir de abril de 2005 (empresas tinham antes que obter permissão para
investirem mais do que US$ 50 milhões no exterior), em parte por sua maior
integração à economia global, houve um aumento apreciável do estoque de
investimentos brasileiros no exterior.
Considerando apenas a
participação no capital, ao final de 2017 o investimento brasileiro atingiu US$
333 bilhões (contra US$ 54 bilhões em 2004). Somado aos empréstimos a
subsidiárias e controladoras, isto chegou a US$ 359 bilhões no final do ano
passado, pouco inferior às reservas (US$ 375 bilhões).
Tal desenvolvimento tem
consequências importantes. Embora o país ainda apresente um passivo externo
(dívidas e investimentos estrangeiros) superior ao seu ativo (US$ 1,6 trilhão
contra US$ 861 bilhões), a composição de passivos e ativos em termos das moedas
se tornou bem mais favorável ao Brasil.
Colocado de forma
bastante simples, “devemos” a estrangeiros em reais (o equivalente a US$ 1
trilhão) e somos seus “credores” em dólares (US$ 320 bilhões). Assim, quando o
real perde valor, tanto o governo quanto o setor privado veem seus ativos em
dólares protegidos, enquanto seus passivos encolhem.
Isto não é uma teoria.
Entre junho e dezembro de 2008, quando o dólar saltou de R$ 1,60 para R$ 2,40
(desvalorização de 50%) o passivo externo total caiu de US$ 1 trilhão para US$ 665
bilhões. Da mesma forma, quando o real se depreciou quase 50% ao longo de 2015 o
passivo externo encolheu de US$ 1,5 trilhão no final de 2014 para US$ 1,2
trilhão no final de 2015. Em ambos os eventos, os ativos externos ficaram
praticamente inalterados.
No caso do setor
privado, embora empresas brasileiras tenham dívidas no exterior, o balanço do
conjunto delas mostra ativos em dólares um pouco maiores do que passivos (algo
como US$ 22 bilhões). Para o setor público, a diferença é ainda maior: quase
US$ 300 bilhões.
Assim, ao contrário do
que ocorreu em outros momentos, a desvalorização da moeda nacional não deve
piorar a situação de endividamento do setor privado, nem do setor público. O
primeiro, em seu conjunto, registraria ganhos modestos, enquanto o segundo teria
ganhos bem mais expressivos.
A liberação do mercado
de câmbio em 2005 tornou as empresas menos vulneráveis aos movimentos do dólar,
movimento voluntário e que, portanto, reflete o balanço de incentivos e riscos do
setor privado.
Mais uma lição a ser
estudada, num país que resiste como poucos ao aprendizado.
(Publicado 25/Abr/2018)
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