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quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Os estados e a sobremesa

Não é a primeira vez que escrevo sobre a questão estadual. Já em 2009, na forma de uma parábola, argumentava que os estados cujas dívidas haviam sido renegociadas nos anos 90 tinham se beneficiado à custa dos estados mais pobres. Ainda assim, tentavam incessantemente obter novos privilégios, sempre culpando sua dívida por seus problemas.

Isto é, como já afirmei, falso. A dívida total dos estados correspondia a 15,5% do PIB no final de 2001; em outubro deste ano não passava de 11,3% do PIB. Em particular a dívida renegociada nos anos 90 foi reduzida de 11,7% do PIB em 2001 para 8,1% do PIB no mesmo período. Por qualquer ângulo que se examine, o endividamento estadual é bem menor do que era, embora tenha piorado de 2013 para cá.

A deterioração resulta essencialmente do aumento dos gastos do conjunto dos estados. Em 2011 estes atingiram (a preços de 2016) R$ 727 bilhões (11,8% do PIB); já nos 12 meses terminado em junho deste ano alcançaram R$ 835 bilhões (13,4% do PIB), aumento 15% superior à inflação. Dentre estes, a maior contribuição veio do gasto com pessoal, que saltou de R$ 246 bilhões (4,2% do PIB) para R$ 307 bilhões (4,9% do PIB), superando a inflação em nada menos do que 18%.

De forma mais concisa, se os estados se encontram em crise, a culpa é dos gestores que permitiram o descontrole, muitas vezes justificado com base em receitas voláteis, quando não temporárias.

Por outro lado, como se aprende em qualquer livro-texto de Economia, os incentivos importam. Neste sentido, a decisão da Câmara da semana passada de permitir nova rodada de reestruturação das dívidas estaduais sem contrapartida de medidas de ajuste fiscal não é um desastre apenas para a atual administração federal, mas também para todas que virão.

O projeto original previa que, em troca da suspensão do pagamento de suas dívidas por 3 anos, estados teriam que elevar a contribuição previdenciária de seus funcionários de 11% para 14%, adotar regimes previdenciários equilibrados, bem como eliminar incentivos fiscais e tributários, além de uma série de providências para recolocar suas contas em ordem. Nada permaneceu na versão aprovada.

É verdade que o governo federal ainda pode impor estas mesmas exigências para reestruturar as dívidas, mas, na prática, isto obriga a equipe econômica a uma negociação caso-a-caso, não só mais demorada, mas também mais difícil do que seria em um cenário de aplicação de um conjunto de regras gerais definidas a priori. As chances, portanto, que a União tenha, mais uma vez, que subsidiar os estados irresponsáveis (à custa, vale lembrar, dos mais pobres) aumentou ainda mais.

Além disto, ao novamente premiar os infratores, a decisão manda uma clara mensagem para as próximas gerações de governadores (e prefeitos): fiquem à vontade para gastar quanto quiserem; a conta, no final, será empurrada para o conjunto de contribuintes, apenas uma fração dos quais reside no estado.

Não é necessário um grande exercício de imaginação para concluir que este incentivo gera um equilíbrio perverso, em que o gasto de cada estado é maior do que seria sem esta garantia explícita.


Assim como no almoço entre amigos, todos se sentirão à vontade para pedir sobremesa, na crença cega que os demais pagarão por ela.



(Publicado 28/Dez/2016)

14 comentários:

Quando é que o senhor vai reconhecer o trabalho de Tombini no BC? O merito do ajuste se deve a ele e não ao Ilan.

E essa semana, num jornal da TV Cultura, um comentarista disse que o Rio de Janeiro vivia um "estado de necessidade" "as pessoas estavam passando fome", ao analisar a decisão da ministra Carmem Lucia de desbloquear uma verba do Banco do Brasil para esse Estado.
É de sentar no meio fio e chorar lágrimas de esguicho, como dizia o Nelson Rodrigues.

Gostaria que o senhor rebatesse essa entrevista de hoje de Cyro Gomes, que vai de encontro ao que o senhor diz. http://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/5989975/elite-brasileira-sabe-que-nao-para-esperar-vai-cavar-buraco

Alex, varios estados se utilizam de maracutaias para se manterem "enquadrados" nos limites impostos pela LRF e isso passa batido pelos Tribunais de Contas Estaduais, que sao os responsaveis (interessados) em vigiar os desempenhos. Como isso pode continuar acontecendo e ninguem fala nada (com rarissimas exceçoes)? Isso é muito absurdo...

Abs

Economista X

"Quando é que o senhor vai reconhecer o trabalho de Tombini no BC?"

No dia que for tão burro como você, mas não um momento antes...

"Alex, varios estados se utilizam de maracutaias para se manterem "enquadrados" nos limites impostos pela LRF e isso passa batido pelos Tribunais de Contas Estaduais, que sao os responsaveis (interessados) em vigiar os desempenhos. Como isso pode continuar acontecendo e ninguem fala nada (com rarissimas exceçoes)? "

E ainda há quem se pergunte porque deu errado...

Tombini fez o trabalho duro de trazer a inflação para a meta e quem vai receber o credito vai ser gestão do Ilan.

"Tombini fez o trabalho duro de trazer a inflação para a meta e quem vai receber o credito vai ser gestão do Ilan."

Tombini fez merda...

“é uma audácia falar em déficit da previdência”

Frase de Ciro Gomes (Infomoney 04/01/2017). O argumento dele e da Anfip é que com o financiamento tripartite (Art. 195 da CF) não há déficit.

Só agora eu entendi o motivo de, para defender a reforma, o senhor tratar de tudo sobre a previdência no seu post anterior, MENOS do déficit e da receita.

"Frase de Ciro Gomes (Infomoney 04/01/2017). O argumento dele e da Anfip é que com o financiamento tripartite (Art. 195 da CF) não há déficit."

Ih, mais um otário que caiu no conta da Anfip...

"Só agora eu entendi o motivo de, para defender a reforma, o senhor tratar de tudo sobre a previdência no seu post anterior, MENOS do déficit e da receita."

Insinuações à parte, não creio que tenha entendido. No terceiro parágrafo está escrito que a população do país está envelhecendo. O corolário - implícito, mas ao alcance do leitor mais atento - é que, com uma fração maior de idosos, haverá menos contribuintes para cada beneficiário da Previdência. Dessa forma, a receita previdenciária não crescerá tanto quanto o gasto. Aliás, a expectativa de sobrevida tem crescido ao longo do tempo, adicionando mais pressão sobre o gasto. Logo, independentemente de haver déficit ou superávit, o resultado previdenciário vai piorar.

Note ainda que os gastos da Previdência (INSS, funcionários públicos de todas as esferas e militares) superaram as contribuições em R$ 215 bi em 2015. (Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/02/Previd%C3%AAncias-p%C3%BAblicas-como-funcionam-a-quem-beneficiam-e-quanto-custam) Pôr dinheiro da Seguridade Social não muda esse fato; no máximo, usa recursos que poderiam ser destinados à Assistência Social ou à Saúde para outras coisas, e.g. pagar pensão de filha de militar ou aposentadoria de quem se aposentou aos 55 anos com salário integral.

Resumindo: (i) há déficit; (ii) a receita não acompanha o gasto; (iii) o gasto é alto e impede que se utilizem recursos para outros fins mais meritórios; (iv) Ciro Gomes é um picareta.

"Ih, mais um otário que caiu no conta da Anfip..."

Anfip:
1. O Art 194 da CF88 cria a Seguridade Social composta pela saúde, previdência e assistência social. O Art. 195 estabelece como a seguridade será financiada como um todo. Portanto, à luz da CF88 não se deve falar em déficit da previdência, mas em déficit da seguridade.
2. Entre 2010 e 2015, as receitas menos as despesas tiveram resultado positivo na seguridade.
3. Conclusão: Se todas as receitas previstas no Art.195 forem destinadas para a seguridade, então a seguridade é superavitária.

O senhor:
1. As despesas da previdência crescem exponencialmente.
2. A expectativa de vida cresceu de acordo com o IBGE.
3. Conclusão: O gasto vai crescer de maneira “insustentável”.

É a primeira vez que vejo uma análise de viabilidade econômica que não considera as receitas. Aliás, como se conclui que crescimento das despesas será insustentável, SEM analisar o crescimento da receita? Heurística?

E por isso que os otários caem na conta da Anfip ...




"Portanto, à luz da CF88 não se deve falar em déficit da previdência, mas em déficit da seguridade."

Hahaha... O que diz o artigo 195 da CF88 sobre gastarmos 3x mais do que países com estrutura etária semelhante?

"Portanto, à luz da CF88 não se deve falar em déficit da previdência, mas em déficit da seguridade"

Não adianta o malabarismo retórico, também há déficit na seguridade. E se há déficit na seguridade, uma das três áreas tem que ser mexida, é obvio. E então vai mexer em qual? Vai dividir o ajuste necessário de 166 bi entre as três áreas? Claro que não. Portanto, para fim do próprio gerenciamento da seguridade social, há sim que se falar em déficit ou superávit da previdência.