Boa parte das
dificuldades para explicar a necessidade de reforma da Previdência vem do
desconhecimento dos rudimentos do regime previdenciário. Em retrospecto, deveria
ter escrito isto antes, mas, já que a reforma não irá ocorrer no atual mandato,
podemos deixar pronto para recomeçar a discussão mais à frente. Ainda é
possível adiar o encontro com a realidade; fugir dele é outra história.
Imagine um mundo em que
há sempre duas gerações: uma jovem, trabalhando; outra mais velha, já
aposentada. Há basicamente duas formas de garantir que a geração aposentada
possa se manter durante a velhice.
Uma alternativa requer
que a geração ativa poupe para seus anos futuros, por exemplo, criando fundos
de pensão que investirão os recursos guardados e, quando da aposentadoria,
pagarão aos investidores certa renda, que depende da rentabilidade de suas
aplicações, bem como de um conjunto de outros parâmetros, como expectativa de
vida, idade de aposentadoria, etc. Este regime previdenciário é denominado
“capitalização” e são poucos países que o adotam como elemento central para sua
previdência.
A outra é um regime de
repartição. Sob esta organização, a geração ativa transfere uma parcela de sua
renda para a geração inativa, em troca de ser tratada da mesma forma quando
chegar sua vez de se aposentar e uma nova geração tomar seu lugar no mercado de
trabalho.
O leitor mais atento há
de notar alguma semelhança com o esquema de “pirâmides” financeiras, exceto por
um elemento crucial: a população de um país ao longo do tempo é, para efeitos
práticos, infinita. Sempre haverá uma geração substituindo a outra e o esquema
funciona enquanto novas gerações vierem à vida, sob algumas condições.
Caso a proporção entre
inativos e ativos fosse sempre a mesma, não seria difícil calibrar o regime
para que funcionasse indefinidamente. Ocorre que não é este o caso, nem no
Brasil, nem no mundo.
Por um lado as pessoas
têm vivido mais. No Brasil a expectativa de vida ao alcançar a idade de
aposentadoria tem subido continuamente (em 1980 a expectativa de sobrevida aos
60 anos chegava a 16 anos; hoje atinge 22), o que implica aumento da população
aposentada. Por outro lado, a fecundidade tem caído: em 1980 cada mulher dava à
luz, em média, 4 filhos; em 2017 esta média já havia recuado para 1,8
nascimentos/mulher. Posto de outra forma, a geração ativa também se tornou
menor.
Em consequência de
ambos os desenvolvimentos, a relação entre idosos e jovens (também chamada
“razão de dependência”) vem caindo subindo e cairá subirá ainda mais no futuro,
independentemente do que fizermos, pois o dado demográfico já foi lançado. [Obrigado pela correção, https://twitter.com/RicardoRangel_)
Assim, em 1980 a razão de dependência apontava uma população
acima de 60 anos equivalente a 11% da população em idade ativa (de 15 a 59
anos); já em 2020 se espera que esta proporção se eleve para quase 21%,
chegando a 52% em 2050.
A previdência no Brasil
já é desequilibrada hoje, não só pela demografia, mas também pelos privilégios
de categorias que se aposentam em condições muito mais favoráveis, sem
contrapartida de contribuições equivalentes na ativa.
Caso os parâmetros do
regime não sejam corrigidos, o que parecia ser uma pirâmide se tornará um
monumento real aos faraós que hoje lutam – e com sucesso! – para manter suas regalias.
Pirâmides
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(Publicado 20/Dez/2017)