Ecoando a coluna da
semana passada, ainda me espanto com o grau de desconhecimento acerca das
contas públicas. Em certo sentido, não deveria me surpreender: o assunto é
árido e a informação, ainda que de fácil obtenção, está longe do
dia-a-dia das pessoas. É natural, portanto, que a imensa maioria dos brasileiros
não faça a menor ideia da extensão e da gravidade do problema.
Quando, porém, Luiz
Carlos Bresser Pereira, ex-ministro da Fazenda (mesmo jurando que seu
“neodesenvolvimentismo” difere da versão tradicional por sua suposta ênfase no equilíbrio fiscal), sugere que “os
economistas liberais (...) inventaram uma crise fiscal ‘estrutural’”, aí é para
se espantar mesmo.
À parte a acusação
ridícula sobre estes economistas terem feito parte de uma cabala imaginária
para derrubar a presidente, Bresser argumenta que o “razoável equilíbrio”
fiscal observado entre 1999 e 2012 descaracterizaria a tese da crise fiscal.
Este argumento ignora a
evolução do gasto público nos últimos 25 anos. Sem considerar as transferências
a estados e municípios, ou seja, mantendo o foco apenas no dispêndio federal, não
há como negar o salto considerável observado no período. Em 1991 a despesa
federal equivalia a 11% do PIB; nos 12 meses terminados em julho deste ano
supera 20% do PIB.
Adicionalmente, as
despesas obrigatórias passaram a ocupar espaço cada vez maior no orçamento.
Deixando de lado as “despesas discricionárias não contingenciáveis”, um
verdadeiro monumento ao paradoxo, gastos obrigatórios, que representavam cerca
de 70% da despesa em 1997, hoje se aproximam de 80% dela. Na prática, cada
orçamento é apenas uma cópia vitaminada (do lado do dispêndio) da sua versão de
anos anteriores.
O tal “razoável
equilíbrio” observado entre 1999 e 2012 (na verdade até 2008, pois os
resultados posteriores estão mascarados pela “contabilidade criativa”) só se
materializou por força de um aumento não menos considerável dos impostos, assim
como de outras receitas de procedência menos “ortodoxa”, como concessões e
dividendos de empresas estatais.
Quando a receita perdeu
fôlego (sem impedir que a carga tributária aumentasse para
32,2% do PIB em 2015, a maior desde 2011), bem antes da atual recessão, o
caráter insustentável tanto da tendência do gasto como da rigidez orçamentária
se tornou ainda mais claro. O problema, no entanto, não se esgota aí: após cair
a pouco mais que 50% do PIB ao final de 2013, a dívida pública voltou a
crescer, chegando a quase 70% do PIB em meados de 2016.
Em suma, dívida e
gastos crescem rapidamente, problemas agravados pela extraordinária rigidez
orçamentária. Se isto não caracteriza uma crise fiscal, não sei dizer o que o
faria.
Neste contexto a
proposta do teto das despesas, por meio da PEC 241, é um remédio suave até
demais. Com a inflação em queda em 2017, as despesas não começariam a cair face
ao PIB pelo menos até 2018 e só voltariam ao nível de 2012 (antes da “loucura
fiscal expansionista” admitida por Bresser) entre 2023 e 2025. E a isto Bresser
chama de “desmonte do Estado social”...
Fica, assim, minha sugestão
para palpiteiros de plantão: antes de se pronunciar sobre qualquer tema, tentem
se familiarizar com os números e fazer as contas básicas. O debate econômico
agradece.
(Publicado 21/Set/2016)
3 comentários:
Obrigado por disponibilizar o arquivo em Excel.
Alexandre,
Essa queda da producao industrial pesa a favor da redução da selic?
O mercado aposta em uma/duas quedas...
O diferencial de juros ainda deve ser levado em conta?
Sente a pérola:
InfoMoney - Cortar a Selic não provocaria uma um aumento da inflação?
Felipe Rezende - Quanto à inflação, é fundamental uma posição estratégica com relação à política fiscal. É preciso usá-la nos setores em que há uma capacidade ociosa bem eleva e que tenham uma elasticidade de produto muito alta. É muito difícil falar que um aumento de demanda irá causar um aumento nos preços hoje no Brasil.
cqd
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