Ponha-se na seguinte
situação: você tem a receber certo montante de dinheiro de várias pessoas. Não
será tudo pago de uma única vez, mas distribuído ao longo de muitos anos. Por
outro lado você está endividado e enfrenta dificuldades financeiras. Parece
natural, portanto, que pense em alguma forma de antecipar aquilo que irá
receber para abater suas dívidas, medida que ainda ajudaria a reduzir suas
despesas com juros.
Isto não difere, em
essência, da proposta de “securitização de recebíveis” recentemente colocada em
discussão no Congresso. Tanto o governo federal como os estaduais têm a receber
um fluxo de recursos relativo a tributos que não haviam sido pagos, mas que
foram regularizados ao longo do tempo. Tipicamente empresas prometem pagar os
atrasados dentro de um prazo determinado sob certas condições (abatimento de
multas, etc).
O que se propõe, neste
contexto, é que governos possam antecipar a entrada destes recursos vendendo a
potenciais interessados o direito a seu recebimento. Trata-se, em última
análise, da venda de um ativo do governo, equivalente à venda de uma
propriedade, que, estima-se, poderia gerar algo da ordem de R$ 55 bilhões para o governo
federal
e R$ 30 bilhões para os governos estaduais.
Há, porém, oposição.
Representantes da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional acreditam que o governo só deve
vender o osso (créditos com maior risco econômico) e manter para si o filé. É uma bobagem: quem
vende osso, recebe o valor de osso; quem vende filé, recebe o valor de filé. A
questão aqui é criar mecanismos que favoreçam a competição por estes créditos,
de forma a garantir o maior valor possível, deixando claro, desde o início, que
o risco de crédito depois da venda fica todo para o comprador, sem passivos
para o setor público.
Posto de outra forma,
se o filé for realmente tão bom como defendido pela PGFN um leilão bem
desenhado (e há gente no governo que entende
do assunto)
garantirá que se pague o valor correto por estes créditos.
Isto dito, se a venda
de recebíveis equivale à alienação de ativos, seu tratamento contábil não pode
ser diferente daquele adotado até agora. Recursos oriundos de privatização, por
exemplo, de natureza similar à securitização, não foram tratados como receitas
fiscais, ou seja, estes ingressos não se traduziram em redução do déficit
público.
Uma analogia pode ser
útil: a família que vende um de seus carros não contabilizaria o dinheiro da
venda como salário de seus membros. Da mesma forma, vendas de ativos não
representam renda corrente regular, mas uma operação pontual, de natureza
diferente do fluxo normal de receitas do governo. Devem, portanto, ser entendidas
como financiamento do déficit, não
como receita
do governo.
Também por este motivo
eventuais recursos obtidos com a securitização não devem ser usados para o
pagamento de despesas correntes. Mantendo a analogia, não seria uma boa ideia
para a família acima vender o carro para pagar as férias, em particular se
tiver dívidas. Estes recursos devem ser usados para reduzir o endividamento e a
despesa com juros.
No final das contas, se
bem feita, a securitização pode ajudar a reduzir o ritmo de aumento da dívida.
Não vai mudar o jogo, mas daria algum fôlego enquanto o ajuste fiscal não se
materializa.
(Publicado 25/Ago/2016)