Caso
o raro leitor tenha a impressão de já ter lido esta coluna, minhas sinceras
desculpas. No entanto, como lamentei mais de uma vez, se os responsáveis pela
política econômica insistem na repetição, o que pode fazer o analista, senão
seguir com a brincadeira?
Digo
isto a propósito de nova decisão desastrada no campo da política econômica, expressa
em mais uma mudança da meta fiscal. A original, R$ 24 bilhões, foi reduzida
para cerca de R$ 3 bilhões, o que em si não chega a ser um completo desastre; o
problema, na verdade, se refere às inúmeras exceções, deduções, abatimentos,
descontos, cláusulas de escape, desculpas esfarrapadas e afins, que permitem,
no final das contas, que mesmo um déficit primário na casa de R$ 100 bilhões
(1,6% do PIB) seja tomado como consistente com a (minúscula) meta fiscal.
A
mera leitura do parágrafo acima já é suficiente para ilustrar a desmoralização
do regime de política fiscal. Pelas regras, a meta fiscal para determinado ano
é fixada em abril do ano anterior pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e
guia a proposta orçamentária propriamente dita, enviada ao Congresso de agosto
do mesmo ano. Passados 11 meses, contudo, o governo de plantão pode não apenas
alterar a meta determinada pela LDO, mas também violar as leis da matemática,
em particular as que distinguem números positivos dos negativos e fingir que
tudo vai bem.
Institucionalmente
falando trata-se da pá de cal sobre o regime que foi montado a partir do final
do século passado, em torno do qual se articulou a visível melhora das contas
públicas entre 1999 e 2008. Tem razão meu amigo Samuel Pessoa em destacar o papel
central da evolução da receita tributária no período, mas, de uma forma ou de
outra, as regras vigentes não permitiram que todo crescimento da arrecadação
terminasse por se tornar expansão ainda maior da despesa, o que certamente já
deixou de ser o caso hoje.
Afora
isto, a afirmação do Ministro da Fazenda (“Eli,
Eli, lamá sabachtháni?”) acerca do “papel anticíclico” da despesa pública
seria de fazer chorar qualquer economista de verdade.
Não
se trata apenas de lembrar que esta mesma política, sob o comando da patativa genovesa,
devidamente escudada pelo atual Ministro, esteve no centro da deterioração
econômica que nos trouxe à atual crise; ainda mais relevante, no presente
contexto, é notar que preços de mercado já embutem um risco significativo de
calote da dívida nacional, circunstância sob a qual a eficácia do gasto público
para aumentar a demanda e a atividade praticamente inexiste.
Talvez
nelson barbosa (pode manter as minúsculas, revisor) saiba disto, embora eu não
coloque minha mão no fogo. Ainda assim, em face das pressões para a alteração
da política econômica por parte do ex-futuro Ministro da Casa Civil, o mais
provável é que ele simplesmente não tenha tido a coragem de manter o rumo.
Afinal de contas, depois de tantos anos junto à patativa, não há coluna dorsal
que não aprenda as virtudes da extraordinária flexibilidade.
Fica,
portanto, mais difícil crer na sinceridade de propósito de seu “ajuste fiscal
de longo prazo”, ainda mais porque se trata da mesma proposta fulminada pela
presidente ainda em sua encarnação como ministra. Não há rumo; apenas solidão.
(Publicado 30/Mar/2016)
11 comentários:
Alexandre, boa tarde!
Quando você usa o modelo de pequeno porte do BCB e faz estimativas pra frente, como você faz com as variáveis que entram nas equações, mas que não são determinadas dentro do modelo? Por exemplo, descasamento entre atacado e varejo e preço do petróleo em reais.
Abraço, Claudio Paiva
Estes "choques de oferta" são construídos para terem média zero. Eu uso zero.
Usar a frase de Jesus em seu sacrificio para uma coisa dessas e' um sacrilegio inominavel. Para os ateus, deveria ser um ato de vergonha, porque mesmo a nao-crenca e' apenas outra religiao. Em qualquer caso, todas deveriam ser respeitadas. Mas alguns ignoram o significado da palavra respeito.
Só por isto não vou dormir de dia, nem comer de madrugada...
Alexandre, o que usará no lugar do rendimento da PME para prever Varejo? Tá fueda...
PS: o IBGE pé muito fodido de grana? impressionante como um instituto tão importante é tão desvalorizado...
Alexandre,
O que você achou do discurso do atual ministro da Fazenda "que devemos evitar guerras santas da teoria econômica"?
Nelson e o BACEN
Servidor do BACEN, economista e Mestre pela UFRJ, Nelson conseguiu um PhD em Indiana Bloomington pelo programa de pós-graduação do BACEN, mas desistiu e foi para New School for Social Research (228 no ranking para economics) sem bolsa e com pedido de licença para interesses particulares. Fez o PhD, passou no concurso para professor da UFRJ, voltou e pediu vacância ao BACEN. Assumiu na UFRJ, e só depois que foi para o ministério do planejamento como secretário é que pediu exoneração. Esse senhor é ministro. Aqui no BACEN há mais de 100 servidores com currículo melhor.
O seu nem se fala.
Agente não tem o que discutir com ele, né?
Vivemos tempos de sombras. E eu sonhando com PhD na CAL...
Fiat Lux, Alexandre. Fiat Lux.
Não dormir de dia ate passa, mas não comer de madrugada ja é demais...
Sempre gostei de ler teus textos. Muito bons. Agora, com esse desrespeito em relação àquilo que para muitos é sagrado, me deu nojo. Coisa de babaca.
O Alex é judeu e essa frase está no Velho Testamento, Salmo 22. O fato de ela ter sido usada por Jesus mostra que Jesus também era judeu. Parem de implicar com bobagens. Foi muito mais uma súplica metafórica do que desrespeito como alguns entenderam. Seguimos com a discussão econômica, pf... Gabriel Gava
É triste ver como certas ideologias econômicas, pautadas pelos devaneios, causam grandes estragos na vida de milhões.
Falam o que os governantes querem ouvir.
Tais quais os tidos como videntes em períodos de guerra das nações da Antiguidade até os tempos atuais.
Oráculos de destruição e dor, menos para os camaradas, os quais lhe resta o vexame biográfico.
Ângelo
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