quarta-feira, 27 de abril de 2016
terça-feira, 26 de abril de 2016
E agora, Michel?
E agora, Michel? A
festa acabou, a luz apagou, a presidente se foi e o Brasil caiu no teu colo...
E agora, Michel?
Depois de anos de
maus-tratos, cabe agora ao vice-presidente achar uma saída para a armadilha em
que o país foi colocado por uma administração particularmente inepta, num país em
que inépcia não chega a ser uma raridade (as paredes da sala de reuniões do Conselho
Monetário Nacional, decoradas com retratos dos Ministros da Fazenda, são um
triste testemunho disto).
A agenda é extensa.
Para começar, enquanto o setor público registra hoje um déficit primário
próximo a 2% do PIB (cerca de R$ 130 bilhões a preços de fevereiro de 2016), um
cálculo conservador sugere que, para impedir que a dívida pública continue a
crescer, seria necessário gerar um superávit primário também da ordem
de 2% do PIB (e isto em condições bem mais favoráveis do que as que prevalecem
hoje). Falamos, assim, de um ajuste fiscal necessário em torno de R$ 250-300
bilhões.
Obviamente ninguém
espera que qualquer governo seja capaz de promover um ajuste desta magnitude
num período curto. Mesmo governos que fizeram correções consideráveis nas
contas públicas não chegaram sequer perto deste valor. Entre o final de 1998 e
o começo de 2001, por exemplo, registrou-se (a preços de fevereiro) uma melhora
pouco superior a R$ 110 bilhões (das quais o governo federal contribuiu com menos
da metade).
Já entre o final de
2002 e o final de 2004 houve melhora de R$ 27 bilhões (dos quais R$ 25 bilhões
do governo federal). Em ambos os casos, note-se, o aumento da receita
desempenhou o papel central.
Em contraste, hoje o
orçamento federal se encontra ainda mais engessado, com mais de 90% das
despesas já devidamente contratadas antes do começo do ano fiscal, enquanto o
espaço para aumento das receitas é muito menor do que no passado.
Não há saída
convencional para o problema que não passe, portanto, por reformas profundas,
da questão previdenciária (idade mínima, regimes especiais, etc.) às
vinculações orçamentárias, todas da alçada do Congresso Nacional.
À parte esta tarefa,
por si gigantesca, há ainda muito que reformar no país. Uma lista (incompleta)
incluiria: (a) mudanças trabalhistas, permitindo que acordos voluntários entre
as partes se sobrepusessem à lei; (b) reforço à competição, tanto doméstica
quanto internacional, para estimular o crescimento da produtividade; (c)
reforma tributária, no mínimo reduzindo os impostos sobre valor adicionado a
apenas dois (um IVA federal, outro estadual), com simplificação de alíquotas e
cobrança no destino; (d) alteração no regime de concessões, estimulando a
concorrência, entre outras tantas.
A conclusão não poderia
ser mais óbvia: em que pese a reação eufórica, e até certo ponto justificada,
do mercado à deposição da “presidenta incompetenta”, parece haver um claro
exagero quanto ao que se espera do novo governo. Tirar o bode da sala ajuda,
mas está longe de resolver o problema.
Finalizo com um apelo
pleno de rancor: por favor, mantenham alexandre pombini, perdão, tombini no BC.
Ele não precisa sequer votar no Copom, mesmo porque não ajudaria, mas teria imensa
satisfação pessoal de vê-lo assinar mais uma carta explicando novo
descumprimento da meta para a inflação.
Valeu!
(Publicado 20/Abril/2016)
terça-feira, 19 de abril de 2016
Anatocismo e vergonha na cara
Se algo custa
inicialmente R$ 10 e seu preço aumenta em 10% no primeiro ano o valor passa a
R$ 11. Novo aumento de 10% fará com que o produto passe a custar R$ 12,10, ou
seja, 21% em dois anos (não 20%).
Caso o PIB de um país
seja originalmente R$ 100 e sua taxa média de crescimento seja de 4% ao ano, ao
final de 10 anos o produto alcançará R$ 148 (e uns trocados), não R$ 140.
Por fim, se uma
população de bactérias dobra de tamanho a cada hora, ao final de um dia teremos
pouco menos de 16,8 milhões de bactérias para cada indivíduo original.
Em todos estes exemplos
as taxas de expansão são “compostas”, isto é, o crescimento incide não apenas
sobre o valor inicial (como seria o caso do crescimento “simples”), mas sobre o
valor inicial adicionado do próprio aumento a cada período. Exatamente por este
motivo, tal crescimento é conhecido como exponencial. É o poder do expoente que
fez o PIB per capita da Europa Ocidental
saltar de US$ 1.200 para US$ 21.700 (mais de 18 vezes!) entre 1820 e 2008 crescendo à taxa
aparentemente modesta de 1,6% ao ano.
Crescimento exponencial
é um fato da vida e ainda estou para ver quem esteja preparado a devolver os
rendimentos de sua aplicação num CDB ou caderneta de poupança, sobre os quais
incidem juros compostos.
Isto obviamente não
impediu o estado de Santa Catarina de pedir que sua dívida junto ao Governo
Federal seja atualizada por juros simples por meio de mandado de segurança
junto ao STF.
O tribunal decidiu
liminarmente a favor do estado (mais recentemente a favor do Rio Grande do Sul também),
sem ainda discutir o mérito do argumento, o que não impediu seu secretário da Fazenda
de comemorar o resultado, afirmando não dever mais nada para
a União
e que “a vitória de hoje vai dar uma
autonomia financeira muito grande para Santa Catarina”, ou seja, que o
estado há de gastar ainda mais.
Não é preciso dizer que
outros estados já saboreiam a possibilidade de “autonomia financeira”,
preparando o terreno para nova crise, 20 anos depois de terem sido mais uma vez
resgatados pelo governo federal, com o dinheiro, é bom lembrar, de todos os
contribuintes, inclusive (e principalmente) daqueles de estados que não se
beneficiaram da renegociação das dívidas estaduais.
Trata-se, enfim, de
apenas mais um aspecto da política de Robin Hood às avessas, em que estados
mais pobres transferiram renda para os mais ricos e agora, ao invés de
receberem de volta, ficam novamente a ver navios.
Aliás, em que pese o
choramingo dos estados, a verdade é que sua dívida para com a União,
reestruturada pela Lei 9496/97, vem em trajetória nítida de queda, de um pico
equivalente a 13% do PIB no início de 2003 para menos de 8% do PIB em fevereiro
deste ano. Esta trajetória não sugere que a dívida seja “impagável”, como
argumentado, muito pelo contrário.
Apesar disto o governo
federal não apenas permitiu que estados aumentassem seu endividamento, em
particular o externo (que saltou de US$ 6 bilhões em 2008 para quase US$ 30
bilhões no começo deste ano), como também cedeu a estes, permitindo nova rodada
de renegociação de suas dívidas. Colheu, em troca, apenas ações como a de Santa
Catarina, que, se julgadas procedentes pelo STF, hão de jogar o país numa crise
fiscal sem precedentes.
O problema não é o
anatocismo; apenas a falta de vergonha na cara.
Um
ingrediente essencial
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(Publicado 13/Abr/2016)
terça-feira, 12 de abril de 2016
O exorcista (#sqn!)
Na semana passada
comentei o plano perpetrado pelo Ministro da Fazenda, nelson barbosa, transformando
a meta de superávit primário de R$ 24 bilhões em déficit de quase R$ 100
bilhões. A peraltice fiscal, contudo, não acaba aí: há pelo menos dois motivos adicionais
para ficarmos ainda mais preocupados com a evolução das contas públicas no
país.
Um é o “Plano de Auxílio aos Estados e
Distrito Federal”, que, contrário ao espírito da Lei de
Responsabilidade Fiscal, permite nova rodada de refinanciamento da dívida
estadual, abrindo espaço para déficits adicionais da ordem de R$ 10 bilhões em
2016, R$ 19 bilhões em 2017 e outros R$ 17 bilhões em 2018.
O problema não vem de
hoje. Nos últimos anos a Fazenda, com a anuência de barbosa, consentiu que
estados se endividassem além da conta, embora o acordo firmado nos anos 90
dotasse o governo federal de mecanismos para evitar justamente a repetição
deste fenômeno. Agora, ao invés de punir tal comportamento, o ministério premia
a irresponsabilidade fiscal, reforçando a mensagem “gastem agora e não se
preocupem com o futuro”.
Já o outro projeto aumenta
o grau de rigidez orçamentária no país por meio da criação do Regime Especial de
Contingenciamento, que limita cortes de gastos em situações
de baixo crescimento. barbosa choraminga sobre a impossibilidade de alterar
mais de 90% do dispêndio federal, mas propõe elevar ainda mais a proporção das
despesas não contingenciáveis no orçamento.
A verdade é que barbosa
não consegue escapar da sua natureza. As medidas que anunciou no campo fiscal
traem sua visão acerca da crise: como bom keynesiano de quermesse ele acredita
que o problema da economia brasileira se origina da falta de gasto; daí os
incentivos para o aumento da despesa pública.
Trata-se de visão
míope. Não há dúvida que a demanda interna despencou: o investimento cai desde
meados de 2013, acumulando queda de quase 25% até o final de 2015, enquanto o
consumo caiu nada menos do que 8% nos últimos 7 trimestres. As propostas
ignoram, porém, as causas deste desempenho lamentável.
Por mais que se insista
em jogar a culpa na suposta política de austeridade, a verdade é que: (a) a
demanda vem caindo muito antes do anúncio de qualquer medida de redução de
gastos; e (b) como bem lembrado pelo meu amigo Samuel Pessoa, a real queda do dispêndio
público em 2015 é pequena demais para explicar a contração gigantesca da
atividade, dado que nenhum keynesiano de quermesse teve coragem de encarar.
A real razão do colapso
do investimento é a percepção de insustentabilidade da dívida pública no Brasil
a menos que sejam aprovadas reformas que mudem radicalmente o regime fiscal no
país, aumentando (jamais reduzindo) a flexibilidade do orçamento e permitindo a
geração de superávits primários capazes de estabilizar a dívida e, à frente,
reduzi-la como proporção do PIB.
Tornou-se óbvio que
barbosa e o governo não apenas não têm condições de levar a cabo as reformas
necessárias para isto, como agem exatamente no sentido oposto.
Não é por outro motivo
que o fantasma do calote pela aceleração inflacionária, que se imaginava
exorcizado, segue assombrando o setor privado. O exorcista às avessas invoca o
demônio e segue sem entender porque o país passa pela pior recessão de sua
história.
(Publicado 6/Abr/2016)
terça-feira, 5 de abril de 2016
Eli, Eli, lamá sabachtháni?
Caso
o raro leitor tenha a impressão de já ter lido esta coluna, minhas sinceras
desculpas. No entanto, como lamentei mais de uma vez, se os responsáveis pela
política econômica insistem na repetição, o que pode fazer o analista, senão
seguir com a brincadeira?
Digo
isto a propósito de nova decisão desastrada no campo da política econômica, expressa
em mais uma mudança da meta fiscal. A original, R$ 24 bilhões, foi reduzida
para cerca de R$ 3 bilhões, o que em si não chega a ser um completo desastre; o
problema, na verdade, se refere às inúmeras exceções, deduções, abatimentos,
descontos, cláusulas de escape, desculpas esfarrapadas e afins, que permitem,
no final das contas, que mesmo um déficit primário na casa de R$ 100 bilhões
(1,6% do PIB) seja tomado como consistente com a (minúscula) meta fiscal.
A
mera leitura do parágrafo acima já é suficiente para ilustrar a desmoralização
do regime de política fiscal. Pelas regras, a meta fiscal para determinado ano
é fixada em abril do ano anterior pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e
guia a proposta orçamentária propriamente dita, enviada ao Congresso de agosto
do mesmo ano. Passados 11 meses, contudo, o governo de plantão pode não apenas
alterar a meta determinada pela LDO, mas também violar as leis da matemática,
em particular as que distinguem números positivos dos negativos e fingir que
tudo vai bem.
Institucionalmente
falando trata-se da pá de cal sobre o regime que foi montado a partir do final
do século passado, em torno do qual se articulou a visível melhora das contas
públicas entre 1999 e 2008. Tem razão meu amigo Samuel Pessoa em destacar o papel
central da evolução da receita tributária no período, mas, de uma forma ou de
outra, as regras vigentes não permitiram que todo crescimento da arrecadação
terminasse por se tornar expansão ainda maior da despesa, o que certamente já
deixou de ser o caso hoje.
Afora
isto, a afirmação do Ministro da Fazenda (“Eli,
Eli, lamá sabachtháni?”) acerca do “papel anticíclico” da despesa pública
seria de fazer chorar qualquer economista de verdade.
Não
se trata apenas de lembrar que esta mesma política, sob o comando da patativa genovesa,
devidamente escudada pelo atual Ministro, esteve no centro da deterioração
econômica que nos trouxe à atual crise; ainda mais relevante, no presente
contexto, é notar que preços de mercado já embutem um risco significativo de
calote da dívida nacional, circunstância sob a qual a eficácia do gasto público
para aumentar a demanda e a atividade praticamente inexiste.
Talvez
nelson barbosa (pode manter as minúsculas, revisor) saiba disto, embora eu não
coloque minha mão no fogo. Ainda assim, em face das pressões para a alteração
da política econômica por parte do ex-futuro Ministro da Casa Civil, o mais
provável é que ele simplesmente não tenha tido a coragem de manter o rumo.
Afinal de contas, depois de tantos anos junto à patativa, não há coluna dorsal
que não aprenda as virtudes da extraordinária flexibilidade.
Fica,
portanto, mais difícil crer na sinceridade de propósito de seu “ajuste fiscal
de longo prazo”, ainda mais porque se trata da mesma proposta fulminada pela
presidente ainda em sua encarnação como ministra. Não há rumo; apenas solidão.
(Publicado 30/Mar/2016)