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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Lendas de uma paixão

Keynesianos de quermesse classificam como “austericídio” a tentativa de controle dos gastos públicos, embora o desempenho de 2015 deixe claro que até mesmo “tentativa” é um termo exagerado para descrever o ocorrido no ano passado.

Reclamam que a austeridade agravaria a recessão, reduzindo a arrecadação e levando a maior desequilíbrio fiscal (tema que, diga-se, jamais os preocupou). Para não perder o hábito, papagueiam ideias desenvolvidas em situações muito distintas das vividas pelo país; ironia suprema para quem se gaba da atenção às “condições históricas”, mas não consegue sequer notar o óbvio.

Há duas políticas para controlar a inflação de forma sustentável: a fiscal, o manejo dos gastos e receitas do setor público; e a monetária, a determinação da taxa de juros pelo Banco Central. Em teoria uma mesma taxa de inflação pode resultar da combinação entre gastos menores e taxas de juros mais baixas, assim como de gastos mais elevados e taxas de juros maiores.

Na prática esta troca entre políticas fiscal e monetária costuma ser mais complicada. Alterações de gastos e tributos são demoradas, pois envolvem aprovação parlamentar e sua adoção demanda tempo (aumentos de impostos, por exemplo, só entram em vigor depois de determinado prazo). Já a fixação da taxa de juros é prerrogativa do Executivo e seus efeitos, mesmo consideradas as defasagens usuais, se materializam mais rápido do que programas de gastos públicos e tributação.

É normal, pois, que taxas de juros variem mais do que o orçamento. Presumindo que a política fiscal não se altere muito durante dado período, cabe à política monetária lidar com o ciclo econômico, contendo pressões inflacionárias em determinados momentos, ou estimulando a atividade em outros.

Sob certas circunstâncias, porém, este arranjo deixa de ser funcional. A política monetária perde força quando a taxa de juros já se encontra muito próxima a zero. Ainda que alguns países tenham experimentado trazê-las a terreno negativo, como o Japão na semana passada, há limites para isto. Investidores podem preferir simplesmente manter seus recursos em caixa, garantindo retorno de zero, baixo, porém superior ao de taxas de juros negativas.

Neste caso torna-se muito mais difícil para bancos centrais compensarem, por meio de juro mais baixo, eventuais apertos do lado da política fiscal. Sim, há a experiência da “expansão quantitativa” (QE), mas as dificuldades são, sem dúvida, bem maiores.

Ocorre que, como alguém já deve ter notado, taxas de juros próximas a zero não são exatamente nosso problema. Há espaço considerável para cortar a taxa de juros caso o país embarque num programa sério de austeridade fiscal que sinalize taxas de inflação cadentes.

Pura teoria? Não.

É raro fazermos experimentos em economia, mas o anúncio do orçamento deficitário para 2016, que provocou salto imediato em expectativas para a inflação até dois anos à frente, chega bem perto disto, revelando que frouxidão fiscal piora as perspectivas inflacionárias e pressiona a taxa de juros. Isto sugere que a consolidação fiscal crível teria efeito oposto, isto é, juros mais baixos e maior crescimento.


Não me surpreendo com a ignorância do governo a respeito; já a dos keynesianos de quermesse me causa ainda menos espanto. 

“Austericídio, austericídio...”

(Publicado 3/Fev/2016)

28 comentários:

Já escrevem culpando a "austeridade" como a causa da crise (alguns culpam o JL). Déficit primário definem como austeridade. Quando a paixão sobrepõe-se à razão não adianta discutir. Essa turma continuará a fazer mal ao país deles e dos filhos deles. O pior é que dominam as Federais (os alunos saem todos confusos).

Alexandre, sente o que o ANDRE PERFECT escreveu sobre a atuuação do BC japonês: "Estou tentando confirmar a notícia ainda, mas algo surrealista está acontecendo no Japão. O BoJ (o Banco Central Japonês) está comprando títulos de diversos vencimentos para fazer seu Quantitative Easing. Até aí tudo bem, é assim que se faz. Mas como ele comprou muitos títulos não há mais títulos no mercado para ele comprar, logo ele está emprestando títulos para ele recomprar depois. Isso é o delírio absoluto, ele está LITERALMENTE dando dinheiro. Se isso for realmente verdade o mundo virou geleia e não avisaram ainda. Bem vindos à quarta-feira de cinzas."

Faz sentido? Como assim não ha mais titulos no mercado para ele comprar?

Não quisemos dar ouvidos ao Roberto Campos quando ele disse lá em 1990 que "ou o Brasil acaba com os economistas da UNICAMP ou os economistas da UNICAMP acabam com o Brasil".

Agora o resultado está ai, nos empurraram para o buraco novamente.

Esqueceu da âncora cambial.http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2304

Tem uma turma da FGV SP (Mantega e outros) e das federais que propagandeiam ignorâncias. Igualam economias diferentes (emissores e não emissores de moeda reserva, países ricos com com emergentes). As bobagens feitas aqui têm efeitos mais rápidos. E a maioria dos alunos saem confusos.

"Faz sentido? Como assim não ha mais titulos no mercado para ele comprar?"

Dada a fonte, faz bem de duvidar. Vou checar...

"Esqueceu da âncora cambial"

Não, não esqueci. A ênfase é em controle sustentável da inflação...

Alex, gostaria, se possível, que você analisasse o artigo que postei. O que você acha da opinião do autor? Grato. R

Não é só um pouco ruim...É muito ruim... Goldbug

Alex,

Qual o tamanho do multiplicador nas atuais condições da economia brasileira?

Pelo que sei, ele tende a ser maior em economias com capacidade ociosa.

Nao vejo como classificar a proposicao do Luiz Fernando como absurda sem antes responder essa pergunta.

Obvio, sei que o Luiz Fernando nao fez esse calculo, nem poderia, mas a ideia em si nao é absurda a priori.

Bjs

Julia

Nunca li artigos sobre o tamanho do multiplicador no Brasil... Só vejo blá blá blá dos que sabem, sem qualquer amparo empírico, o que a política fiscal deve ou não fazer... Só tem papagaio nessa porra... Ô profissão de papagaio essa de economista... cruz credo!

por favor, alguém me diga aonde o professor Luiz Fernando se colocou contra o controle de gastos em seu artigo no Valor

Alex,

Voce tem que dizer algo sobre o tamanho do multiplicador pra condenar o cara...

Vai fazer falta no Roda Viva,Alexandre!! rsrs

Alexandre, estou lendo o artigo da Zeina no Estadão. Esse artigo que ela cita foi o que você escreveu em conjunto com a Tatiana Pinheiro? Não encontrei de maneira alguma esse artigo. Poderia me ajudar a encontrá-lo?

Bjos,

Laura

Nao adianta citar a Tatiana Pinheiro com esse VAR de identificaçao recursiva em bases trimestrais porque isso e nada é a mesma coisa para quem entende de econometria. Responde Alex, qual o tamanho do multiplicador? Bate no Luiz Fernando, mas precisa disso para bater direito...

Alguem conhece trabalhos de multiplicador pro Brasil? Tenho a sensacao que aqui deve ser baixo...

Alexandre, o que você acha do tom apocalíptico do pessoal da EMPIRICUS?

Alex, não assisti o Roda Viva, mas lendo sobre as colocações, talvez o problema primordial do Brasil esteja nas universidades, não dá para pessoas como Belluzo, Bresser, Klain, Mantega, Mercadante não serem um sintoma de uma doença, a falta de preparo de membros que servem aos governos.

Como alguém quer um plano racional quando boa parte da massa crítica que deveria entender os rudimentos da ciência econômica não o sabem?



Marcelo

Quem disse que o LFPaula não pode falar? Olha o empirismo ai:

http://www.anpec.org.br/encontro/2015/submissao/files_I/i4-0618f94c4dfc55160e449fbcd295679a.pdf

Tem um trabalho bom de um professor da USP: http://econpapers.repec.org/paper/nbrnberwo/20751.htm

Enjoy

Josiel

"Voce tem que dizer algo sobre o tamanho do multiplicador pra condenar o cara..."

Hã?

Se o multiplicador for elevado, o juro poderia cair muito com o ajuste fiscal; se for baixo, o juro poderia cair menos.

Em que hipótese ele poderia não cair? Se o juro nominal estivesse em zero e (ou qualquer outro limite que hoje se considere para o juro nominal) a economia em deflação, mas desconfio que isto não se aplica ao caso brasileiro... Caso típico de transposição indevida de conclusões.

"por favor, alguém me diga aonde o professor Luiz Fernando se colocou contra o controle de gastos em seu artigo no Valor"

"(...) um ajuste fiscal imediato mais forte (...) não só é parcialmente inócuo (...) como é inaceitável socialmente."

Isto parece uma manifestação a favor?

" Esse artigo que ela cita foi o que você escreveu em conjunto com a Tatiana Pinheiro?"

Não. Fizemos um tempos atrás, mas a série de PIB era distinta. Deve ser da Tati apenas, provavelmente.

"Nao adianta citar a Tatiana Pinheiro com esse VAR de identificaçao recursiva em bases trimestrais porque isso e nada é a mesma coisa para quem entende de econometria. "

Go ahead. Make may day e mostre o que você tem. Senão é só blá...

Alex,

A questão é que se o multiplicador for muito elevado, o ajuste fiscal pode ser contraproducente, tal como ele afirma. Não havendo garantias de que a inflação vá ceder, dada a inércia e a desancoragem das expectativas, um ajuste fiscal pode derrubar o produto e a arrecadação, tornando o ajuste em desajuste. Não que eu concorde, mas é um ponto que faz sentido.

Abração
Juninho

"Não havendo garantias de que a inflação vá ceder, dada a inércia e a desancoragem das expectativas, um ajuste fiscal pode derrubar o produto e a arrecadação, tornando o ajuste em desajuste. Não que eu concorde, mas é um ponto que faz sentido."

Continua permitindo uma trajetória de taxa de juros mais baixa do que ocorreria sem ajuste fiscal.

Permitiria, mas o superavit primario para estabilizar a divida pode nao ser alcançado. Quer que desenhe?

Abs
Marcos

"Quer que desenhe?"

Quero.

Exercício: ache as condições necessárias para que sua afirmação seja válida.