Uma crítica comum à
aplicação do regime de metas para a inflação no Brasil refere-se à “insistência
no ano-calendário”, isto é, à necessidade de atingir a meta no final de um ano,
ao invés de se
concentrar em períodos mais longos, faltando-lhe “paciência”.
Sempre que vejo este comentário me ponho a pensar: em que planeta vive quem afirma
tal atrocidade?
Não é sequer necessário
lembrar que o BC não entrega a inflação na meta desde 2009; basta notar que há
cerca de um ano o BC prometeu convergência para o final de 2016, prazo
devidamente prorrogado para 2017. Ano-calendário onde, cara-pálida?
Isto dito, elevar o
prazo de convergência da inflação à meta não é necessariamente errado, mas, se
há benefícios nesta estratégia, há também custos, e a decisão requer que ambos
sejam considerados, postura que geralmente escapa ao pessoal do espaço sideral.
Digamos, por exemplo,
que, dado um desvio muito significativo da inflação, o BC decida esticar o período
de convergência de um ano para três. Para facilitar, suponhamos que a inflação
inicial seja 9%, a meta 3%, e que o BC decida reduzir a inflação em 2% a cada
ano. Assim, o objetivo no primeiro ano seria 7%, caindo para 5% no segundo e,
finalmente, 3%.
Mantendo as coisas
simples, vamos também supor que as expectativas de inflação se adequem a esta
trajetória. Assim, a expectativa para o primeiro ano seria o equivalente a 2/3
da inflação passada (6%) e 1/3 da meta (1%), isto é, 7%.
Já se o BC decidisse
por um período de convergência de seis anos (1% por ano), ainda supondo
credibilidade, as expectativas seriam 5/6 da inflação passada (7,5%) e 1/6 da
meta (0,5%), isto é, 8%.
Assim, quanto mais
extenso for o período de convergência, tanto maior será o peso dado à inflação
passada na formação de expectativas, ou seja, mais indexada se torna a
economia.
Concretamente, este
processo deve ser uma das razões (senão a principal) para a resistência
crescente da inflação à queda. Quanto mais os reajustes de salários e preços se
baseiam na inflação passada, mais persistente se torna a inflação e mais
custosa, do ponto de vista de desemprego e queda do produto, passa a ser sua
redução.
Isto coloca o BC frente
a um dilema. Caso tente reverter o processo, optando pela convergência mais
rápida, terá que pagar um custo, em termos de atividade econômica, maior do que
pagaria se mantivesse a estratégia de queda lenta da inflação, a menos que
consiga convencer a todos que, como a convergência será rápida, não seria mais
necessário reajustar preços e salários com base na inflação passada.
Por outro lado, agentes
sabem que o BC, dado seu passado, se preocupa com os custos da desinflação e
estaria propenso, de forma oportunista, a estender o período de convergência mesmo
se todos passassem a crer que a inflação cairia rapidamente.
Neste caso,
simplesmente não acreditariam em promessas de convergência rápida e seguiriam
reajustando preços e salários com base na inflação passada.
Incapaz, portanto, de
se comprometer com a queda rápida da inflação, só resta ao BC seguir com a
estratégia gradualista. Isto torna o combate mais difícil hoje do que era no
passado e será ainda mais complicado quanto mais demorarmos em tratá-lo.
O BC se colocou na ratoeira
e não faz ideia de como escapar dela.
We are all prisoners
here of our own device
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(Publicado 20/Jan/2011)