Não há dúvidas que o
Brasil tem sérias dificuldades no que se refere à sua capacidade de crescimento
sustentável. Passamos, é verdade, por um período de desenvolvimento mais
acelerado entre 2004 e 2011, quando o ritmo médio de expansão chegou a quase
4,5% ao ano, correspondente a aumento de 3,3% aa da renda per capita, mas há bons motivos para crer que naquele momento
crescíamos mais do que nosso potencial.
Com efeito, a taxa de
desemprego, que beirava 11% da força de trabalho em 2003, caiu para 7,5% no
começo de 2012, o que só é possível quando o produto se expande além da taxa
sustentável no longo prazo. Obviamente isto não é um problema se o desemprego
inicial é (como era) elevado, já que permite incorporar trabalhadores
originalmente às margens do processo produtivo, fator, aliás, que foi o
principal responsável pela melhora da distribuição de renda no período.
No entanto, mesmo
duradouros, tais episódios acabam encontrando seus limites, como observado entre
2011 e 2014, quando, apesar dos estímulos à demanda associados à agora órfã
Nova Matriz, o produto cresceu a um ritmo bem mais modesto (1,7% aa),
correspondente a menos de 1% aa de expansão da renda per capita. Uma vez esgotada a capacidade ociosa, representada
principalmente (mas não só) pelo desemprego, o crescimento passa a depender de
fatores como a qualificação da mão-de-obra e a melhora da produtividade.
À luz disto, alguém
poderia concluir que o pacote da semana passada – ao atacar, ainda que
timidamente, algumas destas restrições – teria efeitos sobre o crescimento. Não
é minha opinião.
Não se trata, é bom
deixar claro, de medidas equivocadas (com exceção de mais uma tentativa de
fazer com que o BNDES reative a economia). Ao contrário, individualmente a
maior parte delas faz sentido, ao facilitar transações (até mesmo o pagamento
de impostos, atividade incrivelmente custosa no
país),
mas há ao menos dois problemas.
O primeiro é que as
medidas não parecem conversar entre si. Fica a impressão que, premido pela
fraqueza da atividade econômica por um lado, e pela Lava-Jato por outro, o
governo divulgou um conjunto pouco concatenado de propostas para responder às
críticas de foco excessivo na questão fiscal.
O outro é que, na atual
conjuntura, com o desemprego elevado e capacidade ociosa de sobra (fatores que
têm contribuído para trazer a inflação para baixo), a expansão do produto não
está restrita pelos gargalos de oferta. Em outras palavras, hoje (e friso o
“hoje”), a retomada não depende de elevarmos nosso potencial.
Nada contra, mesmo
porque, quando a retomada vier, a questão da sustentabilidade retornará, mas
esta só virá na esteira da redução de juros, que já começou e será tão mais
intensa quanto maior o sucesso da reforma fiscal. Há uma saída, mas é estreita
e exige, mais que nunca, perseverança no esforço de conserto das contas
públicas.
O gasto público em
aposentadorias e pensões, incluindo tanto trabalhadores do setor privado (RGPS)
como funcionários públicos (RPPS), atingiu cerca de R$ 700 bilhões no ano
passado, pouco menos de 12% do PIB. Ao mesmo tempo, porém, somos um país relativamente
jovem: a população acima de 60 anos (“idosos”) corresponde a uns 10% do total,
proporção não muito distinta da observada em outros países latino-americanos,
como o México ou o Chile.
Apesar disto, países
com estrutura etária similar à nossa gastam muito menos; nossa despesa, na
verdade, se assemelha à de países bem mais velhos (e muito mais ricos), como a
Alemanha, onde os “idosos” correspondem a um quarto da população total.
Trata-se de um fato, não uma opinião.
Isto é o reflexo de um
conjunto de distorções. No que se refere ao RGPS, por exemplo, não há – ao
contrário da experiência mundial – idade mínima para aposentadoria. Assim, a
idade média de quem se aposenta pelo tempo de contribuição gira em torno de 55
anos.
Não parece cedo demais
à luz de uma expectativa de vida ao nascer de 72 anos, mas esta comparação é
equivocada. O dado relevante, que pode ser obtido nas tábuas de
mortalidade do IBGE, é a expectativa de vida de quem atinge 55
anos, valor que se encontra hoje próximo a 81 anos. Não é por outro
motivo que se propõe não apenas a fixação de uma idade mínima (no caso, 65
anos), mas a previsão de ajustes periódicos com base no aumento da expectativa
de sobrevida.
Por fim, sem querer
esgotar o (longo) capítulo das distorções, nota-se que o valor médio das
aposentadorias e pensões do funcionalismo supera, em muito, o equivalente do
INSS. Estudo recente de Paulo Tafner revela que a média destes pagamentos no
caso do governo federal (pouco menos de 1 milhão de aposentados e pensionistas)
atingiu R$ 10,6 mil/mês no ano passado, contra R$ 1 mil/mês no caso do INSS
(incluindo amparos assistenciais). Isto sem falar nos regimes previdenciários
estaduais, origem de boa parte de seus problemas fiscais hoje observados.
Nenhuma destas
distorções será resolvida cobrando a dívida ativa do INSS (em grande parte dívida de empresas
falidas e que não cobriria um ano do gasto), nem com o fim das
renúncias fiscais, duas supostas panaceias frequentemente apregoadas como
alternativas à reforma. Nada contra, mas não evitariam que o gasto continuasse
a crescer de maneira insustentável.
A reforma
previdenciária proposta pela atual administração representa mais uma
oportunidade para o país começar a corrigir os rumos que nos levaram à crise
atual. Não é perfeita, mas sem ela não haverá como reconquistar a estabilidade
perdida nos últimos anos.
Esta é uma coluna
chata. Há números em demasia e as conclusões são desagradáveis. Assim, raro
leitor, considere-se alertado. Pode, claro, reclamar, mas não por falta de
aviso...
De fato, o péssimo
desempenho do produto em 2016 já começa a lançar sombras sobre 2017. Em parte
isto ocorre por razões estatísticas, mas também por motivos econômicos.
A questão estatística é
de fácil compreensão. Medido a preços do terceiro trimestre de 2016 e ajustado
ao padrão sazonal o PIB atingiu R$ 1,577 trilhão no primeiro trimestre, R$
1,570 trilhão no segundo e R$ 1,557 trilhão no terceiro. Assim, caso se
mantenha neste valor no último trimestre, atingiria R$ 6,260 trilhões em 2016
garantindo queda de 3,4% na comparação com 2015 (R$ 6,481 trilhões).
Mantendo-se no mesmo
patamar ao longo de 2017, isto é, sem queda adicional em cada trimestre, cairia
para R$ 6,227 trilhão em 2017 (4 x 1,557), ou seja, redução de 0,5% (R$ 33
bilhões) no ano que vem. Posto de outra forma, o carregamento estatístico (carry-over) para 2017 já é negativo em
0,5% e deverá ficar mais negativo caso, como se espera, o PIB do quarto
trimestre deste ano caia ainda mais.
Assim, para que o PIB
de 2017 empatasse com o de 2016 seria necessário que observássemos a cada
trimestre do ano que vem um crescimento médio na casa de 0,9% ao ano. Na mesma
linha, um crescimento (modesto) de 1% em 2017 requereria que o PIB trimestral
se expandisse a um ritmo médio anualizado de 2,5%, ainda mantendo a suposição
(otimista) de crescimento nulo no quarto trimestre deste ano.
À luz destes números
(sem, portanto, qualquer raciocínio econômico mais elaborado) é difícil escapar
da conclusão que o crescimento esperado para 2017 deverá ser baixo, mesmo se a
economia começar a se recuperar (do ponto de vista do produto trimestral) no
começo do ano que vem. Neste sentido, inclusive, a avaliação mais relevante do
desempenho da economia não é o número anual de 2017, mas como o crescimento se
dará (ou não) trimestre a trimestre.
Já a análise dos dados
sugere que a queda do investimento é o principal fator por trás da recessão
histórica que vivemos. Exceção feita à pequena melhora no segundo trimestre
deste ano, já revertida, o investimento vem em queda livre desde o terceiro
trimestre de 2013, bem antes do início oficial da recessão em meados de 2014,
acumulando redução pouco inferior a 30% nos últimos 3 anos.
Ao contrário do que
afirmam keynesianos de quermesse, o consumo do governo tem se mantido
praticamente estável, ou seja, a noção de que a recessão intensa deriva de um
suposto aperto fiscal não encontra qualquer amparo na realidade, o que, vamos
falar a verdade, não chega a ser exatamente uma surpresa para quem conhece os
autores dessa tese.
A recuperação,
portanto, depende do retorno do investimento, mais difícil em ambiente de
elevada capacidade ociosa. Por um lado, requer continuidade da queda do
risco-país (consequentemente das taxas de juros). Por outro, de oportunidades
para investimento no setor de infraestrutura, a partir do programa de
concessões.
Assim, o que nos resta
é seguir em frente com as reformas. É tentador, mas falso, imaginar uma
alternativa fácil para a retomada sem avançar no caminho tortuoso que, com
esforço, tentamos abrir agora.
No entanto, como se
diz, o teste do macarrão consiste em colocá-lo na água e ver se amolece. E, no
teste do macarrão, a vertente “neoquermesseira” amolece bonito. Apesar da
retórica a favor do equilíbrio fiscal, quando colocados em face de um problema
concreto, os neoquermesseiros imitam Santo Agostinho: ajuste sim, claro, mas não,
por favor, agora...
O exemplo mais recente
(e não o único) foi cometido aqui
mesmo, nas páginas da Folha, por Nelson Marconi e
Marco Brancher, que se posicionaram contra a proposta que cria um teto para o
gasto público no Brasil.
Começam argumentando
que “a participação de despesas e receitas no PIB permaneceu relativamente
estável entre 2010 e 2013 nos três níveis de governo”, o que é (a) falso; e (b)
irrelevante dado o aumento recente. De fato, no período o gasto público
primário aumentou de 33,8% para 34,9% do PIB, lembrando que cada ponto
percentual do PIB corresponde hoje a R$ 65 bilhões. Não mencionam, ademais, que
nos 12 meses até junho deste ano estes mesmos gastos haviam pulado para 38% do
PIB.
A propósito, se tivessem
feito algum esforço para estimar, como eu fiz, o gasto do setor
público nos últimos 20 anos teriam chegado a números na casa de 29-30% do PIB
em 1997, o que dá uma ideia clara do aumento da despesa nos últimos 20 anos.
Isto dito, à parte
repetir a ladainha do ajuste por 20 anos (falsa, dado que em 10 anos a
indexação do gasto poderá ser revista), criticam a proposta, afirmando que a
reforma da Previdência teria que vir antes, como se passar meses discutindo este
tema para lá de complexo fosse algo absolutamente sem custo face à crise pela
qual passamos.
Mais curiosa ainda é
sua proposta de reforma: aumentar impostos para financiar os gastos crescentes
desta rubrica. Como se jamais tivéssemos tentado este truque, que, diga-se de
passagem, foi exatamente o que nos trouxe à situação atual. Não se enganem:
aumentar os impostos pode, no máximo, adiar mais um pouco o encontro com a
realidade, que, ao acontecer, será ainda mais doloroso do que no presente
momento.
Também na linha de
curiosidades, os autores admitem que a evidência internacional sugere que o
teto leva à maior eficiência na distribuição dos recursos e traz o debate orçamentário
para o parlamento, mas que não funcionaria no Brasil, talvez por nos
encontrarmos abaixo da linha do Equador, o que, segundo quermesseiros de todas
as matizes, inverte também as consequências de políticas devidamente
comprovadas.
Hoje, no Terraço Econômico, temos uma entrevista especial com um grande economista brasileiro, Alexandre Schwartsman.
Schwartsman foi economista-chefe do grupo Santander Brasil e diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) durante o governo Lula. Formou-se em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em economia pela Universidade de São Paulo (USP). Além disto, cursou doutorado em economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Autor do excelente livro Complacência, com o também economista Fabio Giambiagi, possui uma coluna semanal da Folha (leia aqui) e participa frequentemente do Jornal da Cultura.
Terraço Econômico – Primeiramente, gostaríamos de dizer que é um grande prazer poder transmitir suas palavras aqui na página, onde temos tantos admiradores do seu trabalho! Recentemente conhecemos o desastroso resultado do PIB do terceiro trimestre, trimestre este que frustrou a maior parte dos economistas que sustentavam suas avaliações pela retomada recente da confiança. No mesmo momento, o Banco Central optou pelo corte de 0,25pp da taxa básica de juro, exercendo uma maior cautela num cenário de ainda elevada incerteza. O fato é que muitos setores acharam a medida hawkish demais, o que culminou em pressões em cima da autoridade monetária para cortes mais generosos. Como você vê esta situação? Acha que o banco corre o risco de interferência, mesmo com Ilan no comando?
Alexandre Schwartsman – Acredito que o risco seja baixo.
Não é difícil entender o grau de frustração com o desempenho da economia. Trata-se da crise mais profunda, do ponto de vista de queda de produto, que enfrentamos desde a década de 80, quando os problemas com a dívida externa nos levaram a três anos de recessão, e, por conta disto, há uma óbvia ansiedade acerca dos estímulos que poderiam vir de uma redução maior da taxa de juros, mesmo porque não há outras fontes de expansão da demanda no curto e médio prazo.
Isto dito, o BC tem sido bastante claro: a redução da taxa de juros no ritmo hoje previsto pelo mercado, pelo menos de acordo com a pesquisa Focus, faria com que a inflação ficasse acima da meta, tanto em 2017 como em 2018. Não muito, é verdade, pelas previsões do próprio BC, mas o modelo tem um histórico de ser otimista com relação à inflação, de modo que mirar num ponto acima da meta pode ter como consequência atingir ainda mais acima.
Isto não seria um grande problema se tivéssemos um passado de inflação flutuando ao redor da meta de 5,0% em um ano, 4,0% em outro, etc. Só que esta não é nossa história: visitamos a meta de inflação pela última vez em 2009, quando o São Paulo ainda lutava por seu quarto título nacional consecutivo, para você ver há quanto tempo esta coisa se passou. Ao contrário, a inflação ficou pouco acima de 6% durante todo primeiro governo Dilma, quase 11% no ano passado e deve varar o teto da meta também este ano.
Neste contexto, adiar mais uma vez a convergência provavelmente faria com que as expectativas de inflação tivessem um desempenho bem distinto do registrado desde a posse do Ilan. De lá para cá as expectativas para 2017 e 2018 caíram algo como 0,6% e 0,5% respectivamente, em contraste com o período anterior, em que o desvio com relação à meta só crescia. Posto de outra forma, uma política que reduzisse as taxas agora e permitisse que as expectativas se cristalizassem acima da meta teria resultados provavelmente similares aos observado no período Pombini: inflação alta e necessidade, mais à frente, de subir ainda mais a taxa de juros para lidar com o problema. Ou seja, já vimos este filme e morremos no final.
Não sei se o presidente entende esta dinâmica. Provavelmente não. O ministro da Fazenda, porém, entende, até pela experiência que teve no BC e ele me parece ter a confiança do presidente. Por este motivo creio que risco de interferência política no BC seja baixo.
Como o Ministério da Fazenda, o Banco Central e o governo de forma geral devem se comportar diante do cenário de elevada incerteza externa com a eleição de Trump, o Brexit e a possibilidade de eleição de outros líderes fora do dito establishment na Europa?
Vai ser necessário acelerar o ritmo de reforma.
Acreditávamos que, caso Hillary Clinton tivesse sido eleita, não haveria maiores pressões sobre taxas de juros e que, portanto, o processo de normalização monetária nos EUA seguiria em ritmo glacial.
Este cenário mudou: a política fiscal nos EUA deve ser bem mais frouxa, o que, num ambiente de uma economia operando próxima ao seu potencial, deve fazer com que a reação de política monetária seja mais rápida do que se esperava. Não por outro motivo o juro americano de 10 anos veio de cerca de 1,8%a.a. antes da eleição para a vizinhança de 2,4-2,5% agora. Não é uma sangria desatada, longe disto, mas representa uma mudança relevante e que pode ir mais longe à medida que os planos para expansão fiscal se tornem mais claros. Em resposta a isto vimos também o dólar se fortalecendo globalmente (por exemplo, contra o euro, de US$ 1,11/€ para algo em torno de US$ 1,06/€). Em suma, o tal “interregno benigno” a que se referia o BC parece cada vez mais com um interregno e cada vez menos benigno.
Este processo pode se agravar com novos desenvolvimentos políticos, na Itália agora, na França no ano que vem, assim como em outros países desenvolvidos, principalmente na Europa. Neste sentido, o prazo que imaginávamos ter para ajustar o país deve ser mais curto.
No caso da Fazenda isto requer mais rapidez na proposta de reformas, em particular previdenciária. No caso do BC significa ter que tirar o pé da redução dos swaps, ao menos por ora. Quanto à redução da taxa de juros num ambiente de dólar mais caro, há, sim, alguma pressão inflacionária a mais, mas o repasse de câmbio à inflação não é alto e há condições para acelerar o ritmo para algo em torno de 0,5% por reunião logo mais.
Voltando um pouco no tempo, a despeito do início positivo do governo petista com Lula, você ficou surpreso com os rumos que a política econômica tomou, sobretudo depois da crise?
Fiquei. Se há um grande erro que claramente cometi (há outros, mas nenhum tão grande), foi ter acreditado depois da posse do presidente Lula e sua opção pela continuidade da política econômica do governo Fernando Henrique que o país já havia amadurecido o suficiente para que certas políticas fossem adotadas independentemente da coloração partidária do governo de plantão.
Posto de outra forma, que o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas para a inflação e compromisso com a estabilidade fiscal) fosse um arranjo duradouro. Haveria, claro, espaço para ênfases distintas, tanto na política macro (mais distribuição versus mais crescimento), como na política micro, mas não para uma alteração tão radical quanto a que se seguiu à crise.
Não parecia tão radical assim em seu início, mas a aposta foi dobrando a cada percalço, em particular no governo da presidente Dilma. Aí, diga-se a meu favor, já não havia surpresa. Bem cedo em 2011, em meados do ano, eu já estava convencido que seria questão de tempo para aquele conjunto de políticas fazer água.
Mesmo o tempo que demorou para ficar claro que havia problemas não chegou a ser surpreendente, pois havia casos de países, notadamente a Argentina, que conseguiram manter políticas insustentáveis por longos períodos, auxiliados por preços favoráveis de commodities e ampla liquidez, ou seja, um mercado que fechava os olhos para problemas, se aproveitando de condições favoráveis de curto prazo.
Agora, não era difícil imaginar que uma política que essencialmente ignorava as questões de estabilização (inflação e endividamento) e que intervinha em vários aspectos da vida econômica eventualmente nos levaria a ter problemas. Ainda assim, eu, que era (ou parecia) muito pessimista em 2014, não consegui antever o tamanho da encrenca.
Não foi só um problema macro. Estes são complicados de resolver, mas analiticamente não apresentam nenhuma dificuldade para entendimento (ainda que sua solução possa ser politicamente difícil). A má gestão estendeu-se também ao lado microeconômico.
O controle de preços, em particular de derivados – um efeito colateral da falta de atenção ao problema inflacionário – ajudou a jogar a Petrobras na lona e, com ela, um pedaço grande do investimento nacional (isto sem contar o efeito devastador sobre o setor sucroalcooleiro, que vinha investindo pesado na perspectiva dos biocombustíveis). A política de atribuir à empresa papel central na exploração do pré-sal também contribuiu (e não pouco), levando ao endividamento crescente da empresa. Usá-la para fomentar a indústria nacional (em particular a naval – pela 3ª vez em 4 décadas!) agravou o problema.
A intervenção desastrada no setor elétrico, as mudanças tributárias favorecendo alguns setores (mas não outros, complicando ainda mais um sistema tributário já em completo desarranjo), o peso extraordinário dado do BNDES, cujo balanço atingiu dimensões continentais, a proteção a setores mais vocais da indústria, a distribuição indiscriminada de subsídios e outras tantas levaram a uma desordem quase sem precedentes na história econômica do país.
Não deve escapar a ninguém tanto a queda do investimento, iniciada já em 2013, quanto a desaceleração visível do ritmo de expansão da produtividade. Há quem aponte, inclusive, para queda da produtividade total dos fatores (não apenas expansão a uma velocidade mais baixa), fenômeno que pode ser possível, isto é, com a mesma quantidade de capital, trabalho, habilidades, etc, produzimos menos do que produzíamos antes.
Elevando agora a complexidade da pergunta: existiu alguma medida ou política econômica positiva especificamente no governo Dilma?
Não é uma pergunta complexa. É uma pergunta impossível. Não há nada de positivo no governo Dilma do ponto de vista econômico.
Você acredita na aprovação da reforma da previdência em 2017?
Creio haver uma boa chance. Em parte porque a aprovação (quase finalizada) do teto de despesas deixa claro que não será possível continuar com o ritmo de expansão do gasto previdenciário. Em parte porque parece haver um entendimento mais profundo da questão, que havia ficado obscurecido com o aumento da receita de contribuições gerada pelo aumento do emprego formal.
Ainda assim, trata-se de um tema complexo e não tenho dúvida que, durante sua tramitação no Congresso, não faltarão grupos de pressão lutando por seus interesses. Ao contrário da PEC do teto, há interesses que serão frontalmente contrariados por mudanças na previdência, como aposentadorias especiais, regimes próprios, etc. Por conta disto espero uma tramitação bem mais demorada e difícil. E não há garantia de uma reforma que corrija todas as distorções hoje existentes.
O foco deve continuar sendo a agenda fiscal, embora o governo não deva ficar paralisado apenas nesta pauta. Há importantes agendas como privatizações e concessões, reforma trabalhista, reforma tributária, acordos comerciais e etc. Você acredita que teremos espaço para fazer isso antes de 2018?
Não apostaria em reforma tributária e tenho pouca fé na capacidade de levar adiante uma reforma trabalhista. Há pouco tempo e o capital político é escasso.
Já concessões e privatizações devem andar. Trata-se de uma agenda politicamente menos complexa, praticamente toda na mão do Executivo e razoavelmente incontroversa (ninguém fala em privatização da Petrobras, Eletrobras, ou bancos federais). Quanto a acordos comerciais, sou mais cético: vamos assinar com quem? Este trem já passou…
Alguns setores de oposição, que de sua maneira até entenderam a importância da agenda fiscal, propõem medidas exóticas para o ajuste: taxação de grandes riquezas, de dividendos e a inclusão dos gastos com juro no PEC. O que você pensa destas propostas?
Discordo da premissa: não há realmente um entendimento da questão fiscal.
Agora, a tributação de grandes fortunas é uma falsa solução. Segundo estudo pedido ao Senado pela senadora Gleisi Hoffmann este tributo arrecadaria algo como R$ 6 bilhões/ano, menos de 0,1% do PIB. Ora, o desequilíbrio fiscal do ano que vem é de cerca de R$ 140 bilhões. Ou seja, uma grande batalha parlamentar, com risco de fuga de capital, para arrecadar R$ 6 bilhões/ano. Se fosse o dobro, ou mesmo o triplo disto, não chegaríamos perto de resolver o problema.
Quanto à distribuição de dividendos, a proposta só esquece que empresas já são tributadas no país: pagam imposto de renda e contribuição social sobre lucro líquido (CSLL). Isto dito, se fosse para igualar as condições de quem (como eu) trabalha como pessoa jurídica (PJ) com os que trabalham como pessoa física (PF), sim, acredito que devemos eliminar as distorções. Francamente, nem sei qual o impacto esperado sobre a arrecadação, nem me interessa. Há um privilégio aqui que deve ser corrigido, assim como vários outros, em nome de igualdade de tratamento para casos que são, no fundo iguais. No meu caso, sou mesmo um consultor, mas não falta quem trabalhe como PJ por razões eminentemente tributárias.
Por fim, quanto à inclusão dos juros na PEC, é claramente resultado de não ter pensado a questão com cuidado. A elevada taxa de juros resulta, em boa medida, do desequilíbrio fiscal. Neste sentido, tabelá-la para abrir espaço para mais gasto primário só agrava o problema: elimina-se o instrumento para controlar a inflação justamente em episódios de expansão fiscal.
Ao final das contas, quem propõe uma coisa destas deve imaginar que a taxa de juros é uma grandeza determinada pelo governo. Não, não é. O BC pode até segurar a Selic, mas as pessoas só vão comprar títulos da dívida se sentirem adequadamente remuneradas, ou seja, que seu rendimento cubra a inflação, o risco de calote e o retorno real requerido. Enfim, politicamente soa bonito, mas não tem a menor base econômica.
Reproduzindo a mesma pergunta que fizemos ao Eduardo Giannetti: Na sua opinião, qual foi a maior lição da crise econômica atual?
Para mim? Sinceramente não foi uma lição econômica. Em boa medida eu já sabia das consequências das políticas adotadas lá atrás, embora – como disse – a magnitude tenha sido muito maior do que imaginava.
A lição maior me parece política, ou mesmo sociológica. Por mais que economistas possam estar certos sobre algumas coisas (o que nem sempre é verdade), e tentem de alguma forma, impor estas certezas, de nada vale se a sociedade não estiver convencida. Concretamente, aprovamos uma Lei de Responsabilidade Fiscal ainda em 2000 que, imaginávamos, impediria novas aventuras populistas. Não deu certo: União, estados e municípios passaram por cima da LRF, gerando desequilíbrios ainda maiores hoje do que eram nos anos 90. Nós, tecnocratas, ainda padecemos da ilusão que nossa vontade basta: não é verdade.
A conclusão pode não ser otimista: talvez haja sociedades que não conseguem disciplinar seu conflito distributivo e o resultado é gasto em elevação persistente e um terreno fértil para os magos das soluções fáceis.
Por fim, como grande parte do nosso público é composto por estudantes de economia, qual mensagem você deixaria para eles?
Em linha com a resposta anterior, nós economistas temos a tendência de olhar as demais ciências sociais com certo desprezo, por não terem atingido o mesmo grau de sofisticação teórica, matemática e estatística, que a Economia. Isto, porém, em primeiro lugar parece estar deixando de ser verdade. Já há estudos mais sólidos nestas áreas de deveríamos investigar com mais cuidado o que se produz lá, sem, claro, deixar de fazer a nossa parte. Na discussão de políticas públicas, tão importante quanto avaliar seus efeitos sobre eficiência e bem-estar em geral, é avaliar seus efeitos distributivos e, portanto, que tipo de resistência política devemos esperar à frente. Entender estas resistências (por vezes até legítimas) é importante para que possamos levar adiante medidas que, ao final das contas, melhoram a eficiência, mas requerem o desenho de medidas compensatórias para grupos que sejam liquidamente prejudicados por elas.
Gostaríamos de agradecer as palavras e a sabedoria compartilhada por Alexandre Schwartsman aqui no Terraço Econômico. É um prazer receber um profissional tão capacitado e respeitado, que consegue acrescentar muito e de forma frequente nas discussões de política e economia.
Semana passada
analisamos os efeitos da política comercial de Donald Trump, cujo objetivo
declarado é repatriar a produção de manufaturas transferida para o exterior. Se
levada adiante, teria consequências negativas para a economia americana.
Como o país se encontra
próximo ao pleno-emprego, o espaço para a expansão não inflacionária é
reduzido. O aumento de postos de trabalho resultante da maior produção local teria
que ser compensado por redução em outros setores, através da elevação da taxa
de juros. Adicionalmente, a realocação de mão-de-obra contrária às forças de
mercado levaria à redução da produtividade geral, agravando a questão
inflacionária.
Estes efeitos, contudo,
são modestos face aos provenientes da proposta de política fiscal. Em grandes
linhas, esta consiste de uma drástica simplificação de impostos para indivíduos
e empresas, reduzindo incentivos fiscais, assim como um corte expressivo das
alíquotas. Há também a possibilidade de um aumento de gastos com infraestrutura
na casa de US$ 500 bilhões distribuídos ao longo de quatro anos.
De acordo com análise do Tax Policy Center, as medidas
tributárias teriam efeitos positivos em termos de “incentivos para trabalhar,
poupar e investir, bem como potencial para simplificar o código tributário”. Seus
impactos sobre a distribuição de renda, porém, seriam pesadamente regressivos.
Ainda que a redução de
impostos beneficiasse todos os segmentos de renda (média de US$ 5.100, ou 7% da
renda líquida), os maiores ganhos se materializariam nas faixas de renda mais
elevada. Assim, o corte de impostos para famílias de renda média (os 20% abaixo
dos 40% mais ricos e acima dos 40% mais pobres) elevaria seus rendimentos após
impostos em quase 5%; já para os 20% mais ricos o ganho seria da ordem de 10%,
enquanto para aqueles no topo da pirâmide (1% mais ricos), o impacto seria
equivalente a 18% da renda líquida.
Por outro lado
estima-se que tais cortes produziriam um déficit adicional da ordem de US$
11,2 trilhões nas contas públicas nos 10 anos posteriores à sua adoção, o que,
mesmo sem elevação das taxas de juros, aumentaria a dívida pública em quase 80%
do PIB até 2036, praticamente o dobro das projeções mais recentes do Congressional Budget Office.
Haveria, portanto, um
estímulo de demanda da ordem de 5-6% do PIB, que poderia ser ainda maior caso os
investimentos em infraestrutura se tornem realidade. Todavia, conforme notado
no início desta coluna, há fortes razões para crer que a economia americana
opera hoje próxima a seu potencial. Sob estas circunstâncias, como pudemos
aprender com a experiência brasileira recente, o estímulo fiscal se traduz, em
larga medida, em novas tensões inflacionárias, assim como maior demanda por
importados, mesmo sob mais proteção.
Neste contexto não
chega a ser surpreendente o comportamento do mercado de juros, que passou a
indicar aumento mais agressivo das taxas após a eleição, processo que pode se
agravar caso a proposta seja de fato adotada. Assim, o fortalecimento do dólar, pelo
menos no curto prazo, também não é surpresa.
Já do nosso ponto de
vista estes desenvolvimentos sugerem que a janela para o Brasil se ajustar está
se fechando. Sem uma ação decidida agora, teremos problemas mais à frente.
O cenário econômico dos
próximos anos será fortemente afetado pelas iniciativas a serem tomadas pelo
novo governo americano, em particular nas áreas fiscal e de comércio exterior. Já
quanto à política monetária, muito embora deva permanecer relativamente
insulada, já que membros do Federal
Reserve possuem mandatos não coincidentes com o do presidente, é de se
esperar que reaja às políticas adotadas nas demais frentes.
No lado do comércio
exterior, à parte bravatas quanto à imposição de barreiras tarifárias punitivas
sobre as importações chinesas e mexicanas, é sincero o desejo de atrair
novamente para os EUA setores manufatureiros que se moveram nas últimas décadas
para fora do país. Parece um objetivo meritório e quem segue o debate nacional
a respeito já há de ter visto defesas bastante
apaixonadas de medidas com o mesmo objetivo por aqui. Isto não impede a
proposta de estar errada em várias dimensões.
Ainda que medidas de
proteção comercial sejam tipicamente justificadas com base nos empregos que
poderiam gerar, não se consideram efeitos que possam ter no funcionamento geral
da economia, principalmente nas que operam próximas ao pleno-emprego, como
parece ser o caso americano.
De fato, o desemprego lá
se encontra ao redor de 5% da força de trabalho, cerca de metade do pico atingido
após a crise financeira internacional, apenas meio ponto percentual acima do
patamar que vigorava logo antes dela, e colado nas estimativas da taxa natural de
desemprego
(4,8%).
É verdade que parcela
da queda do desemprego reflete regimes de trabalho mais precários, mas, mesmo
se adotarmos uma medida de desemprego mais ampla (U6, no jargão), que contemple este
problema, a conclusão pouco se altera. Em outubro a U6 registrava 9,5%, metade
do anotado em seu pior momento e apenas 1,5 ponto percentual acima do observado
logo antes da crise.
Por onde se olhe, a
economia americana opera bastante próxima ao pleno-emprego. Isto significa que
o espaço para a geração não-inflacionária de emprego é pequeno: um aumento do
emprego nos setores privilegiados pela política comercial teria que ser
compensado pela redução de emprego nos demais, de forma a evitar pressões sobre
a inflação. Concretamente, o Fed
elevaria taxas de juros em ritmo mais intenso do que era esperado há pouco para
compensar desemprego sistematicamente inferior à taxa natural.
Além disso, numa
economia como a americana, com baixas barreiras comerciais, a migração da
produção para o exterior permite que o setor privado se especialize naquilo que
faz de mais produtivo, da mesma forma que uma advogada contrata um motorista
para dedicar mais tempo à sua tarefa mais produtiva, ainda que dirija melhor
que seu funcionário.
A reversão deste
processo reduziria a produtividade geral, assim como a demissão do motorista
faria nossa advogada perder horas valiosas no trânsito. O menor crescimento da
produtividade exacerbaria pressões inflacionárias e contribuiria para um aperto
monetário mais intenso.
Tais raciocínios são ao
menos parte da explicação para a (ainda modesta) elevação das taxas de juros
nos EUA nos dias que seguiram à eleição. Na semana que vem examinaremos outros
motivos, assim como sua provável repercussão sobre o Brasil.
Em julho, durante debate comigo pela TV, Marcio Pochmann, pináculo
do keynesianismo de quermesse, argumentou que a política monetária não
conseguiria reduzir a inflação. A evidência era risível: a inflação dos meses
anteriores registrara 0,78% e 0,35%, enquanto em agosto de 2015 chegara a
apenas 0,22%.
À parte o erro crasso
de comparar o incomparável (a inflação mensal tem padrão sazonal bem definido:
costuma ter picos no primeiro trimestre e atingir seu menor valor no terceiro)
não consigo deixar de pensar qual seria sua ginástica mental para explicar a
inflação de 0,08% em setembro deste ano. Desconfio que, como o número não
apoiaria sua tese, provavelmente esqueceria seu argumento anterior e, agora
sim, se lembraria da sazonalidade favorável do período.
Fato é que a inflação caiu,
embora não à velocidade desejada. De acordo com a última medida disponível, o
IPCA medido em 12 meses (portanto livre da flutuação sazonal) atingiu 8,3%,
comparado a 10,7% no final do ano passado, redução de 2,4 pontos percentuais, ainda
aquém do necessário para nos trazer de volta à meta (apesar da promessa da antiga diretoria do BC), mas em queda de toda
forma.
É bem verdade que parte
disto reflete o fim do ajuste dos preços administrados, após o irresponsável
controle de 2012 a 2014; já há evidência, porém, que a inflação de preços
livres vem cedendo, ainda que lentamente. Após atingir pico superior a 9% no
começo deste ano, registra agora pouco menos de 8,5%.
Ainda mais revelador, o
núcleo da inflação de serviços, segmento que o BC tem sublinhado em sua
comunicação precisamente por ser o mais sensível à atividade econômica e, consequentemente,
à política monetária, mostra queda de 2,7 pontos percentuais entre seu pico
(9,6% em outubro do ano passado) e a última observação (6,9% em setembro deste
ano).
O curioso é que o canal
do câmbio, ao qual quermesseiros de vários matizes atribuem poderes quase
miraculosos de redução da inflação, não revela a mesma força. A inflação dos
produtos “comercializáveis” (isto é, aqueles cujo preço local tende a seguir
mais de perto os preços externos e a taxa de câmbio) acelerou ao longo do ano
todo, caindo apenas nos últimos dois meses, de 10% para 9% (era 8,5% no final
do ano passado).
Se havia dúvida, pois,
quanto à capacidade do instrumento para reduzir a inflação, estas deveriam ter
se dissipado, ao menos para analistas que conservam hábitos antiquados, como
conferir o que dizem os números.
Obviamente não há o
menor risco de keynesianos de quermesse prestarem atenção a dados que não
confirmem suas crenças a priori, de
modo que devem continuar argumentando – contra toda evidência – que a política
monetária não funciona.
Isto dito, houve, claro,
custos de desinflação. Teriam sido menores se as contas públicas estivessem em
melhor forma e a diretoria anterior do BC tivesse sido séria quanto ao controle
da inflação. Não teríamos sofrido o risco de dominância fiscal e a inércia
inflacionária seria bem mais baixa, dois fatores que levaram à maior
resistência da inflação.
Já pagamos, porém, este
custo. Olhando à frente é imperativo transformar a promessa de ajuste fiscal em
realidade, permitindo ao BC reduzir mais fortemente os juros e assim contribuir
para a recuperação da economia.