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terça-feira, 29 de setembro de 2015

A vingança dos nerds

Caso desse ouvidos aos nossos keynesianos de quermesse, algum desavisado poderia imaginar que o país se engajou num enorme esforço fiscal, capaz inclusive de abalar os alicerces da nossa democracia. Como de hábito, só analistas que não se deram ao mínimo trabalho de checar os dados, tão certos que se encontram sobre a verdade do mundo, são capazes de acreditar nesta barbaridade.

Já os números mostram uma realidade bem distinta daquela que prevalece nos corações e mentes deste pessoal. O gasto federal, descontadas as transferências a estados e municípios, atingiu R$ 625 bilhões de janeiro a julho de 2015, corrigidos pela inflação. No mesmo período de 2014 este gasto havia chegado a R$ 623 bilhões também ajustados à inflação, ou seja, apesar do mimimi, a verdade é que o gasto federal ficou aproximadamente constante no período.

Esta conclusão permanece mesmo se, ao invés de utilizarmos o IPCA para fazer a correção inflacionária, usemos outra medida de inflação, mais próxima do PIB (o chamado “deflator implícito”). A única diferença no caso refere-se à necessidade de limitar a análise ao período até o segundo trimestre de 2015, última observação disponível para o deflator implícito.

Não é por outro motivo que meu amigo e colega colunista, Samuel Pessoa, afirmou recentemente que a política fiscal “até junho ainda se situava em terreno levemente expansionista”.

Olhando à frente, não há muito que nos faça crer numa reversão desta tendência. O malfadado orçamento de 2016 prevê crescimento das despesas acima da inflação. E, muito embora o pacote de ajuste alinhavado às pressas na semana passada contemple alguma contenção do gasto, não será suficiente para evitar novo aumento da despesa em 2016, mesmo na improvável hipótese de aprovação integral de todas as medidas.

Sim, o governo tem razão ao afirmar que não pode mexer em quase 90% das despesas, sejam elas obrigatórias, sejam elas discricionárias, porém não sujeitas ao contingenciamento (uma verdadeira contradição em termos), restando-lhe um espaço mínimo para gerenciar seu gasto. No entanto, não se trata de um problema novo; ao contrário, é uma questão que nos segue pelo menos desde a promulgação da Constituição em 1988, e que se tornou mais aguda a partir do fim da hiperinflação em 1994.

A propósito, é bom não esquecer que, há exatos 10 anos, o então ministro da Fazenda Antonio Palocci sugeriu que o governo se engajasse num ajuste fiscal de longo prazo justamente para que pudesse lidar com este tipo de problema. Esta proposta foi fulminada por ninguém menos do que a então ministra da Casa Civil e agora presidente da República, para quem o controle do gasto era “rudimentar”, classificando a despesa corrente como “vida”.

Se a ironia histórica quis que a presidente tivesse que sofrer o peso de seu desleixo, a triste verdade é que pagaremos juntos o preço de sua incúria. Perdemos 10 anos e o problema é hoje ainda maior.


Não basta um pacote de medidas conjurado num fim de semana. O tratamento da questão fiscal no Brasil requer um programa de longo prazo que elimine vinculações, reforme a previdência e imponha racionalidade ao gasto público. Não fazê-lo implica flertar com desastres que imaginávamos não mais ter que enfrentar no Brasil.

A cada dia mais óbvio

(Publicado 23/Set/2015)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Call de abertura 24/09/2015: Velocidade da alta do dólar é surpreendente e transmite grau de desordem do país

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Brasílio e a dieta do Dr. Bellezza

Nunca fora um grande atleta, mas Brasílio se sentia ainda mais fraco. Não conseguia sustentar o ritmo das passadas e seus tempos na corrida começaram a subir visivelmente. Preocupado, foi procurar a nova médica que recentemente se instalara nas vizinhanças em busca de diagnóstico e tratamento.

Dra. Vilma chamou uma junta de especialistas de sua confiança, em especial o Dr. Bellezza, e decretaram que a queda de desempenho de Brasílio tinha uma causa simples: desnutrição. O remédio era a dieta do Dr. Bellezza: sete refeições ao dia, ricas em carboidratos e gordura, regadas a doses generosas de refrigerantes e finalizadas com sobremesas variadas.

Não era uma opinião compartilhada por todos os especialistas. Boa parte deles considerava que Brasílio já andava meio gordinho e que o problema, na verdade, resultava de insuficiência cardíaca.

Brasílio, porém, nunca gostara de dietas muito rígidas e lembrava bem como, uns anos antes, havia sofrido de desnutrição por conta de uma piora na qualidade da comida importada, que lhe causara fraqueza considerável. Não havia, é bom que se diga, nenhuma indicação que a comida importada tivesse sofrido qualquer deterioração visível nesta ocasião, apesar dos alertas estridentes do Dr. Pombini a respeito.

Seja como for, Brasílio embarcou na onda. Com as sete refeições do Dr. Bellezza passou a se sentir muito feliz. Sempre gostara de massas, churrascos, doces, refrigerantes e a sensação de consumi-los por ordem médica, sem culpa, era inigualável.

Não houve, porém, qualquer melhora em sua performance. Pelo contrário, os tempos continuaram a piorar, agora acompanhados de fortes dores musculares. Voltou à Dra. Vilma que, aconselhada pela junta, não apenas manteve o diagnóstico, como reforçou a dose: agora eram nove refeições e os refrigerantes, antes opcionais, passaram a ser obrigatórios.

O desempenho piorou ainda mais e Brasílio chegou a cogitar consultar outro médico, mas a perspectiva de perder a feijoada de quartas e sábados, a picanha nossa de cada dia, os doces à vontade, assim como a alegria advinda da sensação da barriga permanentemente cheia falaram mais alto e ele manteve a Dra. Vilma.

Até que, certo dia, sofreu um colapso. Já não se tratava sequer dos seus tempos na corrida: sua temperatura havia subido, seu peso havia ultrapassado todas as medidas razoáveis (apesar das tentativas da equipe da Dra. Vilma de alterar o funcionamento da balança e do termômetro) e o seguro-saúde passou a cobrar prêmios elevadíssimos.

Veio o novo diagnóstico: era mesmo insuficiência cardíaca. Dra. Vilma colocou a culpa na comida importada (!), mas, mesmo assim, mudou sua equipe, agora chefiada pelo Dr. Manoel Cohen, que tentou enquadrar Brasílio numa dieta severa. Cortaram o refrigerante, mas não conseguiram fazê-lo largar dos carboidratos, nem da gordura.

Brasílio segue prostrado e os prêmios da seguradora explodiram. Ainda assim, Dr. Bellezza e seus asseclas culpam a dieta, mal-e-mal adotada desde o começo do ano, pelos problemas do paciente, aferrados ao diagnóstico de desnutrição, apesar da barriga saliente, e a Dra. Vilma ainda resiste aos conselhos do Dr. Cohen.


Enquanto os charlatões vociferam, Brasílio agoniza, numa maca imunda do Sistema Único de Saúde.




(Publicado 16/Set/2015)

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Call de abertura: Banco Central americano pode subir os juros pela primeira vez em dez anos

terça-feira, 15 de setembro de 2015

No, we can’t!

Na semana passada procurei mostrar que a recessão iniciada em meados do ano passado resulta da política econômica que vigorou com maior intensidade de 2011 a 2014.

As consequências da expansão desmesurada do gasto, descaso com a inflação, controles de preços e intervenções no domínio econômico foram aceleração inflacionária, déficits externos crescentes, desarranjo de setores importantes e aumento considerável da dívida pública, sem, é bom deixar claro, conseguir acelerar o crescimento. Além disto, há razões para crer que, dentre as heranças da experiência desastrada do período, se encontra também a impossibilidade de políticas anticíclicas.

O nome, algo pomposo, representa medidas que poderiam atenuar, ou abreviar, a recessão. Em particular, uma queda de atividade, como a observada este ano, poderia ser combatida com aumento do gasto e redução da taxa de juros, conforme defendido por alguns.

Não se trata de nada incomum. Outros países o fizeram, por exemplo, em resposta à crise de 2008, e mesmo o Brasil optou por este caminho naquele momento. Resta, porém, saber por que foi possível fazê-lo à época, mas não agora.

A resposta é óbvia, mas, como parece haver quem ainda não tenha entendido a natureza do problema, o melhor é explicitá-la.

Tome-se o caso do Brasil em 2008-2009. O país vinha de alguns anos de superávits primários superiores a 3% do PIB, que trouxeram a dívida pública de patamares próximos a 70% do PIB entre 2003-2005 para 55% do PIB às vésperas da crise.

A inflação, que havia superado em média por 1,4 ponto percentual a meta no período 2003-2005, ficou ao redor daquela entre 2006 e 2008. Em resposta a este desempenho, as expectativas de inflação quando o BC começou o processo de redução de juros em 2009 estavam apenas levemente acima de 4,5%, revelando uma credibilidade até então inédita quanto ao compromisso da instituição com o regime.

Por fim, o balanço de pagamentos havia registrado superávit de US$ 45 bilhões entre 2003 e 2007 (média equivalente a 1,1% do PIB por ano), enquanto o BC acumulara perto de US$ 190 bilhões em reservas adicionais.

Posto de outra forma, a sabedoria não foi reagir à recessão com o afrouxamento das políticas fiscal e monetária (assim como o uso de parte das reservas), mas sim ter preparado o terreno para isto, reduzindo a dívida, controlando a inflação, acumulando superávits externos e reservas internacionais.

Agora, com inflação na casa de 9,5% (7,7% caso desconsideremos as tarifas públicas), não há espaço para reduzir a taxa de juros sem criar um problema mais sério à frente.

Já o crescimento da dívida pública atingiu mais de 9% do PIB nos últimos 12 meses, sugerindo que sua dinâmica consegue ser pior do que a observada mesmo em economias com dívidas maiores.

Isto fica transparente na evolução do prêmio de risco associado ao Brasil, que subiu para 3,7% ao ano, contribuindo para aprofundar a recessão.


Neste contexto, só alguém sem a menor noção de funcionamento da economia e da história recente do país poderia sugerir aumento do endividamento como a solução para nossos males. Se isto bastasse, não estaríamos na situação complicada em que nos encontramos. Há risco que até o governo tenha sentido o tamanho da encrenca, mas certamente não os keynesianos de quermesse.

Demanda...efetiva...Lula...yeah...

(Publicado 9/9/2015)

sábado, 12 de setembro de 2015

Rebaixamento do Brasil foi o reconhecimento do fracasso de um modelo de política econômica

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Call de abertura 10/09/2015: Palavra chave do rebaixamento é falta de vontade

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A Guido o que é de Guido

A queda do PIB revelada pelo IBGE colocou o país numa situação desconfortável: apenas a Ucrânia, imersa numa guerra civil, e a Rússia, sob sanções precisamente por se envolver no conflito ucraniano, apresentaram desempenho pior que o nosso.

Se já era difícil atribuir ao resto do mundo a fraqueza da economia local, este dado deveria ser mais do que eloquente para sepultar tal ideia. Obviamente isto não ocorrerá, pois a capacidade de certos analistas se aferrarem a conceitos mais do que desmentidos pelos fatos se aproxima do infinito.

O resultado reforça que o Brasil está em recessão. Não porque o PIB caiu por dois trimestres seguidos, mas com base no trabalho desenvolvido pelo Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos, que, aplicando metodologia similar à utilizada em outros países, concluiu que a recessão se estende desde o segundo trimestre de 2014.

Diga-se também que o investimento no Brasil caiu por nada menos do que oito trimestres consecutivos, fenômeno que não apenas aprofunda a queda da atividade, mas sugere também que a capacidade de crescimento à frente será negativamente afetada.

Estes fatos, porém, trazem um novo problema. Muito embora seja lugar-comum atribuir a queda da atividade econômica à austeridade fiscal e monetária, tanto a recessão como a queda persistente do investimento precedem, em muito, a mudança de política. Falta, portanto, identificar as causas iniciais destes processos.

Como temos explorado há tempos neste espaço, o arranjo de política econômica que vigorou de 2011 a 2014, a Nova Matriz Macroeconômica (NMM), era insustentável.

A inflação vinha desde o primeiro trimestre de 2012 em trajetória de aceleração, apesar de controles de preços, cortes pontuais de impostos e tentativas de segurar o valor do dólar no mercado de câmbio.

Em particular, a prática de represamento dos preços administrados, especialmente combustíveis e energia, teve repercussões negativas em várias dimensões, desde o atiçamento das expectativas inflacionárias (pois se antecipava, acertadamente, que seria necessária uma inflação corretiva), até a desarticulação dos setores energético e sucroalcooleiro, passando pela emasculação da capacidade de investimento da Petrobras.

As contas públicas mostravam deterioração constante, mal disfarçada pelas “pedaladas” das mais diversas variedades. Consequentemente, a dívida do governo passou a crescer de forma acelerada, revertendo anos de trabalho paciente de melhora nesta frente.

As contas externas, por fim, apresentavam déficits crescentes, também sinalizando que em algum momento medidas deveriam ser tomadas para corrigir o desequilíbrio.

Em suma, era óbvio que, cedo ou tarde, ou a NMM seria (como foi) abandonada, ou rumaríamos para uma crise aguda.

Não deveria ser surpreendente sob tais circunstâncias, portanto, que tanto o investimento quanto o produto caíssem mesmo antes da mudança de política, que, a propósito, só se manifestou no lado monetário; do lado fiscal o desempenho consegue ser ainda pior do que o observado no ano passado. E ganha um doce quem identificar austeridade no orçamento de 2016...


Os sinos da recessão tocam, portanto, pela NMM, também responsável pelos obstáculos à adoção de políticas anticíclicas, tópico a ser explorado na próxima coluna. 



(Publicado 2/Set/2015)

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A rainha pasmada e a economia nua

Ainda em minha encarnação corporativa tive que entrevistar vários candidatos a uma posição nas diversas instituições onde trabalhei. Uma pergunta se mostrou particularmente reveladora: qual o seu maior defeito? Não era incomum que o entrevistado respondesse “perfeccionismo”, senha para que fosse, claro, rejeitado: ou não fazia a menor ideia de seus verdadeiros defeitos, ou estava simplesmente tentando enrolar o entrevistador.

Tive a mesma sensação ao ler trechos da entrevista da presidente em que, instada a reconhecer seus erros, respondeu ter sido a “demora em perceber que a situação era mais grave do que imaginávamos”. E segue “ninguém imaginaria que o preço do petróleo cairia de US$ 105 (...) para US$ 43”. Sobre o aumento do gasto público argumenta que só no fim do ano passado é que teria percebido que a arrecadação caiu. Ou a presidente não faz a menor ideia dos (muitos) erros que cometeu, ou está tentando nos enrolar. Talvez ambas as alternativas.

Ela insiste na fantasia da origem internacional da crise que vivemos, capturada na semana passada pelas notícias de uma possível queda de 2% do PIB no segundo trimestre, do desemprego a 7,5%, o mais alto registrado em julho desde 2009, e pela destruição de quase 900 mil empregos formais nos últimos 12 meses.

Parece se esquecer do que ocorreu no seu primeiro mandato, mas nada custa refrescar sua memória: o PIB cresceu ao estonteante ritmo de 2% aa, levando à alucinante expansão de 1% aa da renda per capita; a inflação, mesmo com controles de preços, superou 6% aa; a dívida pública aumentou de 51% para 59% do PIB; por fim, o déficit externo alcançou mais de US$ 100 bilhões (4,5% do PIB) no ano passado. Não há dúvida que se trata de desempenho medíocre; em compensação, foi acompanhado de desequilíbrios macroeconômicos severos...

Não se ponha a culpa no resto do mundo. Entre 2011 e 2014 o PIB mundial cresceu 3,6% aa, marginalmente mais que os 3,5% aa registrados nos quatro anos anteriores. No mesmo período os termos de troca, a relação entre os preços das coisas que o Brasil exporta e as que importa, foram 12% melhores do que o observado no segundo mandato do presidente Lula, quando o país cresceu a 4,5% aa.

As causas foram domésticas. O erro da presidente não foi a demora em perceber que a situação internacional mudou, mas sim ter sido incapaz de entender que a desaceleração da economia brasileira depois de 2010 se deveu a restrições do lado da capacidade de produção, da falta de mão de obra às carências de infraestrutura. Por conta disto tomou medidas para estimular a demanda, que não apenas falharam em acelerar o crescimento, como levaram aos desequilíbrios macroeconômicos acima listados.

É por este motivo, não pela pressão de “ideólogos de inspiração neoliberal, com forte apoio no empresariado”, que foi forçada a adotar a atual política econômica. A verdade é que não restou opção ao governo que não fosse abjurar das práticas do período 2011-2014 e correr para evitar o ainda pior.


Não é por outra razão que a presidente, outrora orgulhosa condutora da política econômica heterodoxa, é hoje forçada a se contentar com o papel de rainha da Inglaterra, tutelada em seu labirinto, contando os dias para se livrar do fardo que a persegue.



(Publicado 26/Ago/2015)