segunda-feira, 31 de agosto de 2015
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
Um enigma chinês
Quem afirma ter entendido
completamente a mudança da política cambial chinesa está enganado (ou enganando),
em particular se acredita que seu objetivo central é impulsionar as
exportações.
Com efeito, desde seu
anúncio na semana passada o yuan perdeu
cerca de 3% do seu valor, uma gota d’água para uma moeda que, segundo os índices de taxa real de câmbio
calculados pelo BIS, havia se apreciado 28% (descontada a inflação) desde
meados de 2011.
Posto de outra forma, o
ganho de competividade advindo desta mudança é pequeno, a menos que novas
desvalorizações venham a ocorrer, possibilidade que tem sido negada pela própria
China (já se devemos acreditar nisto é outra história). Não parece, portanto,
fazer sentido a interpretação da mudança acima mencionada, que visaria
recuperar a competitividade perdida e estimular o crescimento por meio do
aumento das exportações. Ajuda um tanto, mas é pouco perto do desafio de mover
a imensa economia chinesa, que sente o peso da queda do investimento,
particularmente no que se refere à construção civil.
Uma hipótese, talvez
mais promissora, nota a tensão entre dois objetivos conflitantes.
Há, por um lado, o
aparente anseio do governo chinês de ver o yuan
como uma das constituintes dos Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em
inglês), a “moeda” do FMI, ao lado do dólar americano, do euro, da libra
esterlina e do iene, visto como um passo para se tornar uma moeda de aceitação
internacional.
Para tanto, porém,
seria necessário que a moeda chinesa tivesse algumas características em comum
com as que fazem parte do SDR, o que, dentre outras mudanças, requereria
remover os controles de capitais hoje existentes.
Há, por outro lado, o
desejo de manter uma política monetária frouxa, considerado o (relativamente)
baixo crescimento recente da economia, assim como sinais de desaceleração à
frente. No entanto, isto só é possível, sob um regime de câmbio administrado
(como o chinês), quando há controles de capitais. Sem estes, uma redução da
taxa de juros deveria levar à saída de capitais, que, em larga medida, anularia
o efeito da queda dos juros.
A solução para este
dilema (na verdade um trilema) seria a adoção de uma taxa de câmbio flutuante,
mas o governo chinês parece relutante quanto a dar este passo.
Levando em consideração
o fraco desempenho econômico (comparado, bem entendido, ao de uns poucos anos
atrás), assim como a baixa inflação, na casa de 1,5% ao ano, há bons motivos
para crer que a moeda chinesa esteja sobrevalorizada. Caso isto seja verdade, a
mudança para o regime flutuante deveria causar uma desvalorização mais
considerável da moeda, o que parece também causar certo desconforto às
autoridades chinesas.
A mudança da semana
passada aparenta ser, portanto, uma tentativa de conciliar objetivos que são,
na verdade, inconciliáveis. Já numa perspectiva de um prazo algo mais longo, é
possível que a mudança seja apenas mais um movimento no sentido preparar o
terreno para a eventual adoção de um regime de câmbio flutuante.
Há, assim, mais dúvidas
do que certezas no que se refere aos acontecimentos da semana passada. Só
podemos saber que não se trata do fim da história: cedo ou tarde veremos nova
reforma do regime cambial chinês.
Decifra-me,
mas não agora...
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(Publicado 19/Ago/2015)
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Papai sabe tudo
“Os agentes estão agindo com pouca
racionalidade. Comprar a moeda nesses níveis pode representar um risco
potencial de perda a médio prazo (sic).” Esta foi a justificativa
apresentada pelo diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, para retomar
a intervenção no mercado de câmbio, depois que a moeda americana varou a marca
de R$ 3,50/US$.
Ele sabe do que fala:
nos 12 meses terminados em junho deste ano a posição do BC no mercado futuro de
câmbio acumulou prejuízo pouco superior a R$ 70 bilhões, equivalente a 1,2% do
PIB, maior do que a meta original para o superávit primário de 2015.
Não é, contudo, desta
perda que pretendo falar, mas sim da postura adotada pelo BC neste episódio.
Sem dúvida, comprar dólares depois que subiram é um risco, assim como é comprar
ações, ou ouro, ou imóveis, ou qualquer outro ativo, financeiro ou não. Quem
compra na expectativa de apreciação de um ativo sempre corre risco. Aliás, esta
é a essência do próprio capitalismo.
Neste contexto é no
mínimo curioso que o BC resolva intervir no mercado supostamente para mitigar
riscos. Alguém aceitaria, por exemplo, que o BC vendesse ações quando seus preços
estivessem “claramente esticados”, como afirmou Mendes
acerca da moeda norte-americana?
Provavelmente não, mas
se o objeto da afirmação é o dólar, parece que pouca gente se importa. Aceita-se,
implicitamente, que o BC saiba mais sobre moedas do que nós, reles mortais. (A
propósito, se Mendes entendesse isto tudo mesmo, será que amargaríamos o
prejuízo acima?).
Temos, é claro, que levar
em conta a estabilidade financeira. Em tese, perdas no mercado de câmbio
poderiam abalar instituições financeiras e a experiência nos mostra que, em
momentos assim, o contribuinte poderia ser chamado a cobrir mais um buraco. No
entanto, o BC dispõe hoje de um enorme arsenal de medidas para controlar a
exposição de instituições financeiras a riscos decorrentes da variação de
preços de ativos.
Há, por exemplo,
limites ao tamanho de posições compradas e vendidas, cujo objetivo é
precisamente evitar que instituições financeiras tomem mais risco do que são
capazes de assumir na suposição que potenciais perdas seriam devidamente
socializadas.
Em outras palavras, se
adultos querem comprar dólares acima de R$ 3,50, o problema é deles, ainda mais
considerando que as instituições financeiras já enfrentam limites determinados
pelo BC, quando não por seus próprios departamentos de risco.
A rigor, me parece que,
no final das contas, embora o BC tente embalar a intervenção como forma de
moderar riscos, na verdade, o que motiva esta postura é o receio dos efeitos do
encarecimento do dólar sobre a inflação.
Por exemplo, em suas
últimas projeções o BC partiu da premissa do dólar a R$ 3,25. Caso usasse,
digamos, R$ 3,50 a inflação projetada à frente subiria e o plano de encerrar o
ciclo de alta de juros ficaria prejudicado (ou ficaria mais claro que a
inflação não convergiria a 4,5% no ano que vem).
O problema, porém, é
que o BC queimou munição em troca de muito pouco de 2013 para cá. Já passa da
hora de deixar o câmbio flutuar e tratar de nossos problemas com os
instrumentos adequados. Ao cuidadosamente evitar isto entre 2011 e 2014, transformamos
uma desaceleração de crescimento na severa crise atual.
Não
comprem dólar, meninos...
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(Publicado 12/Ago/2015)
quinta-feira, 13 de agosto de 2015
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
O caso Volpon
Em primeiro lugar, um
aviso: embora não tenha, por motivos óbvios, nenhuma simpatia pela
atual diretoria do BC, sempre mantive um relacionamento cordial com Tony
Volpon, que hoje ocupa minha antiga posição na instituição e que se absteve de
participar da última reunião do Comitê de Política Monetária, quando a taxa
Selic foi elevada de 13,75% para 14,25% ao ano.
O motivo de sua
abstenção foram críticas recebidas por, supostamente, ter antecipado seu voto
em favor do aumento da Selic em reunião com economistas (em nome da
transparência, eu estava entre os presentes). A frase que provocou a reação de
senadores foi: “pessoalmente, vou votar pelo aumento de juros até que a nossa
projeção esteja de maneira satisfatória apontando para o centro da meta”.
Muito embora políticos tenham interpretado a afirmação
como antecipação do voto do diretor, no encontro propriamente dito ninguém a
viu desta forma. A começar porque não havia dúvida que o BC seguiria o aumento
da taxa de juros (a questão era se seria de 0,25% ou 0,50% ao ano).
No entanto, talvez o
mais relevante para explicar a diferente reação de senadores e economistas à
declaração seja o entendimento acerca da condução de política monetária no contexto
de um regime de metas para a inflação.
Ter uma meta para a
inflação não implica apenas explicitar um objetivo numérico; requer também, e
principalmente, que o BC aja de forma consistente com a busca daquele alvo.
De fatos, bancos centrais
que seguem este regime costumam se comportar de modo semelhante: aumentam a
taxa de juros quando a inflação está acima da meta e a reduzem quando a
inflação está abaixo dela.
Embora a regra pareça
simples, há questões que a tornam um tanto mais complicada. Como já tive
oportunidade de expor aqui, não se trata de olhar a inflação passada (por
exemplo, os últimos 12 meses, ou, como defendido por um desavisado, os últimos 3 meses),
mesmo porque não há nada que qualquer BC que não possua uma máquina do tempo
possa fazer para alterar a inflação já ocorrida.
A política monetária só
pode afetar a inflação futura, ainda mais em função das defasagens conhecidas
entre alterações das taxas de juros e a resposta da inflação, afetada por
vários canais distintos (atividade, taxa de câmbio, expectativas, etc).
Todavia, esta não é conhecida, dentre outros motivos porque, ao menos em tese,
o próprio BC deveria estar ativamente agindo para colocá-la na meta.
Por conta disto, BCs
costumam lançar mão de um conjunto de modelos econômicos que, dentro de suas
limitações, buscam responder uma pergunta crucial: se adotada a taxa de juros
“x”, presumindo tal e qual trajetória para as variáveis relevantes (desempenho
fiscal, crescimento mundial, etc.), a inflação “y” meses à frente estará acima
ou abaixo da meta?
Caso a resposta seja
“acima”, elevam-se os juros e vice-versa. Não há economista minimamente versado
em política monetária que não entenda isto. Já senadores...
Volpon apenas
verbalizou esta regra e é lastimável (embora, infelizmente, nada surpreendente)
que o BC tenha se curvado à pressão. Mais lamentável, porém, é a tentativa de (presumidamente
em nome de “preservar a independência do BC”) colocar a instituição e seus
diretores na berlinda por motivos estritamente políticos.
Estou
preocupadíssimo com a independência do BC
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(Publicado 5/Ago/2015)
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
A Levíada
Canta, ó Musa, a luta
inglória do severo Ministro,
Que da tesoura fez sua
afiada arma na demanda
Pela estabilidade da
nativa economia e da dívida
Do governo, condenadas
pela tibieza do Genovês
E pelo desmedido
orgulho da Rainha do Poste,
Persuadida pelos
áulicos da Princesa d’Oeste
Dos mestres em Chicago
sabia o feroz Tesoureiro
Que imperioso era o
primário superávit
Na batalha contra a
crescente dívida, sem o que
Perder-se-ia o valioso
grau de investimento
Por tantos prezado (e
tão poucos defendido!).
1,1% de PIB mirou e as
tesouras em moção pôs.
No entanto, ó sorte
aziaga, não percebe o herói
Que a Rainha, pela
fortuna e prudência abandonada,
Não mais sua horda comanda,
nem mais as bênçãos recebe
Daquele que a ungiu,
cedendo-lhe cetro, coroa e trono,
Mas, titereiro astuto,
às cordas lhe prende impiedoso,
E à cabeça da ala
esquerda marcha, sem rumo.
Não vê também que a
maldição do ouro negro e o saque
Indiscriminado da
Petrobras, à Rainha opuseram as tropas
Que lealdade haviam
jurado, em troca, porém, de butim
A quem não lhes cabia.
E, lançado à frente de batalha,
Logo entende a solidão
em meio às hostes aliadas,
Tesouras partidas, as
lâminas no pó caídas, em fuga o escudeiro.
Não se rende o Ministro
e aos seus brada pelo apoio,
Mas, cercado e
solitário, aos poucos retrocede, escudo à frente
E 0,15% do PIB (não
riam!) aceita, em troca, acredita,
De promessa de, mais adiante,
aos 2% do PIB chegar.
Forma-se o tumulto.
Cresce a dívida apesar da jura,
Subjugada pela
implacável e inexorável aritmética.
Sobe com ela o dólar,
movido pelo alarmante pavor
Da fraqueza do herói, seu
isolamento, as navalhas embotadas.
O escudo, outrora
invulnerável, já não afasta os golpes
Do destino cruel, nem
das tropas que, rebeladas, não mais
Aceitam segui-lo na
árdua peleja do ajuste fiscal
E se acerca a perda do
grau de investimento.
A inflação, besta
novamente desperta, rompe os grilhões.
Resta apenas ao Bardo a
penosa lide de novas setas contra ela lançar.
Mais 0,50%, sacrifício
pago no altar da irresponsabilidade,
Em troca de outro
juramento de convergência, novas correntes
A atar aquilo que
jamais deveria ser liberto (mas foi!),
Arrasando o que se
imaginava sadio daquele tormento.
De pouco valem as novas
flechas, porém, sem o apoio do primário.
Fortalecida a fera pelo
gasto público, e por mais que o futuro trará,
Ela prospera, selvagem
e bestial, a carcomer valores e morais.
Fortalecido pelos anos
de liberdade, o veneno lento, poderoso,
Mais uma vez se alastra,
inebriante, corrosivo, mortal,
Dominando corações e
mentes de uma terra desiludida.
Exausto, o guerreiro
recua, esperançoso ainda de persuadir
A fiel audiência que
derrota não houve; no máximo um estorvo.
Aperta, contudo, o
cerco à Rainha, abandonada pelas hostes.
Alas direita e esquerda
partidas, em formação de batalha íntima,
Sob o olhar estupefato
das colunas adversárias, alheias ao combate,
E prenhas de dúvidas:
consciência ou oportunidade; luta ou neutralidade.
Entende, por fim, a
futilidade: sem o trono não há vitória possível.
A Rainha omissa condena
o reino e a bravura é inútil.
As lâminas, desprovidas
de rumo, de nada servem.
Pranteia, ó Musa, a
derrota inglória do severo Ministro,
Que, sob o disfarce de
realismo, escancarou a debilidade da pátria
E os destroços de
tantos anos de descuido.
(Publicado 29/Jul/2015)