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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Vida em Tlön

Às vezes, na verdade quase sempre – o “quase” apenas para acomodar alguma exceção desconhecida – tenho a impressão que nossos “keynesianos de quermesse” habitam uma dimensão à parte (a Dimensão Z), onde os fatos se acomodam às crenças, permitindo que o voluntarismo mais primitivo se estabeleça como ideologia hegemônica.

Veja-se, por exemplo, o manifesto publicado por luminares da quermesse nacional, defendendo a manutenção da atual política econômica. Não bastasse reivindicar para si o monopólio do desenvolvimento com inclusão social – como se todos os demais economistas favorecessem a decadência econômica com piora da distribuição de renda –, os signatários do documento levam às raias do extremismo a distância entre o mundo como ele é e a realidade como reflexão distorcida de uma mentalidade peculiar.

A declaração é um repúdio às políticas de austeridade, não apenas no que se refere à política monetária, mas principalmente no que diz respeito à política fiscal. O mau desempenho econômico dos países desenvolvidos é apontado como resultado da redução da despesa pública, enquanto se sugere que a elevação dos gastos governamentais no Brasil nos faria retomar o crescimento.

Trata-se de impressionante incapacidade de distinguir os problemas brasileiros daqueles enfrentados por alguns países desenvolvidos, notadamente na periferia europeia.

Lá o desemprego é alto e a inflação se encontra muito abaixo da meta. Na Espanha, por exemplo, o primeiro segue acima de 20% e a segunda (medida ao longo de 12 meses) tem ficado em terreno negativo, situação semelhante à enfrentada por Portugal e Itália, onde o desemprego, embora menor, permanece na casa de dois dígitos, enquanto a inflação se mantém abaixo de zero. Na verdade, como sabe qualquer um que tenha se dignado a olhar os números, o maior risco hoje enfrentado na Zona do Euro é a ameaça de deflação.

Deveria ser óbvio, mas, como aparentemente não se trata do caso, noto que o problema no Brasil é diametralmente oposto. A inflação se encontra não apenas (bem) acima da meta, 4,5%, é bom lembrar, como nos últimos meses tem atingido além do limite máximo de tolerância. É formidável que, mesmo à luz disto, os luminares insistam na afirmação furada que “a inflação (...) manteve-se dentro (sic) da meta no governo Dilma Rousseff”.

Não bastasse isto nosso desequilíbrio externo se encontra na casa de US$ 85 bilhões (3,5% do PIB) nos 12 meses terminados em setembro, indicando que a demanda interna supera nossa produção, em contraste com superávits nas contas externas observados na periferia europeia.

É, portanto, notável, embora nada surpreendente, que a conclusão da quermesse seja sempre a mesma (“vamos aumentar o gasto público!”) independentemente da natureza do problema.

Diga-se, aliás, que esta postura diminui em muito a credibilidade da promessa de “iniciativas contracionistas (...) para quando a economia voltar a crescer”, mas, justiça seja feita, estas vozes também se calaram quando o país crescia forte e o governo seguia com o pé no acelerador fiscal. Sua coerência em sempre pedir mais despesa é legendária.

A verdade é que esta visão, embora se coloque como “alternativa”, predominou nos últimos quatro anos. O arranjo de política econômica, caracterizado por gastos crescentes, redução “na marra” das taxas de juros, intervenção no mercado de câmbio e ativismo injustificável no domínio econômico, foi, sem tirar nem por, exatamente aquilo por que clamaram anos a fio os autodenominados “desenvolvimentistas”.


Os resultados estão aí: crescimento pífio, inflação acima da meta (não “dentro” dela), desequilíbrios externos, estagnação da produtividade e, agora sabemos, também retrocesso no campo das conquistas sociais. Engana-se, porém, quem acreditar que o fracasso retumbante poderia lhes ensinar alguma coisa; o manifesto da semana passada é prova disto.



(Publicado 12/Nov/2014)

4 comentários:

Alex, um comentário recorrente dessa trupe é que política de contração fiscal não é expansionista. Logo, diminuir gastos e até mesmo aumentar a taxa de juros (política monetária restritiva) não garantem a retomada do crescimento e, além disso, podem inibir investimentos. Outro argumento é que a relação empírica entre o tripé macroeconômico e crescimento é inconclusiva. Enfim, a pergunta é: até onde vai a dita "ciência" econômica? Particularmente, acho bom o dissenso, já que tenho certa simpatia com a frase que afirma que todo unanimidade é burra. abs

"os fatos se acomodam às crenças"

uma boa analogia, os sabios economistas da nova matriz atacando seus gigantes (moinhos)...

Pronto agora o senhor não tem do que reclamar:Joaquim Levy para a área fiscal.

Só não vale chorar porque vai ser escolhido um "Chicago Boy" para a área fiscal.

Lembrando que os liberais de Chicago jamais defenderiam posições que o SR defende no caso do Japão,uma expansão fiscal adicional,em um pais com endividamento alto.


Fiz especializacao na Unicamp em Economia e ouvi de um professor que foi o Lula quem controlou a inflação. Até hoje fico pensando em como alguém pode ser tao desonesto intelectualmente...