Às vezes, na verdade
quase sempre – o “quase” apenas para acomodar alguma exceção desconhecida –
tenho a impressão que nossos “keynesianos de quermesse” habitam uma dimensão à
parte (a Dimensão Z), onde os fatos se acomodam às crenças, permitindo que o
voluntarismo mais primitivo se estabeleça como ideologia hegemônica.
Veja-se, por exemplo, o
manifesto publicado por
luminares da quermesse nacional, defendendo a manutenção da atual política
econômica. Não bastasse reivindicar para si o monopólio do desenvolvimento com
inclusão social – como se todos os demais economistas favorecessem a decadência
econômica com piora da distribuição de renda –, os signatários do documento
levam às raias do extremismo a distância entre o mundo como ele é e a realidade
como reflexão distorcida de uma mentalidade peculiar.
A declaração é um
repúdio às políticas de austeridade, não apenas no que se refere à política
monetária, mas principalmente no que diz respeito à política fiscal. O mau
desempenho econômico dos países desenvolvidos é apontado como resultado da
redução da despesa pública, enquanto se sugere que a elevação dos gastos governamentais
no Brasil nos faria retomar o crescimento.
Trata-se de
impressionante incapacidade de distinguir os problemas brasileiros daqueles
enfrentados por alguns países desenvolvidos, notadamente na periferia europeia.
Lá o desemprego é alto
e a inflação se encontra muito abaixo da meta. Na Espanha, por exemplo, o primeiro
segue acima de 20% e a segunda (medida ao longo de 12 meses) tem ficado em
terreno negativo, situação semelhante à enfrentada por Portugal e Itália, onde
o desemprego, embora menor, permanece na casa de dois dígitos, enquanto a
inflação se mantém abaixo de zero. Na verdade, como sabe qualquer um que tenha
se dignado a olhar os números, o maior risco hoje enfrentado na Zona do Euro é
a ameaça de deflação.
Deveria ser óbvio, mas,
como aparentemente não se trata do caso, noto que o problema no Brasil é
diametralmente oposto. A inflação se encontra não apenas (bem) acima da meta,
4,5%, é bom lembrar, como nos últimos meses tem atingido além do limite máximo
de tolerância. É formidável que, mesmo à luz disto, os luminares insistam na
afirmação furada que “a inflação (...) manteve-se dentro (sic) da meta no
governo Dilma Rousseff”.
Não bastasse isto nosso
desequilíbrio externo se encontra na casa de US$ 85 bilhões (3,5% do PIB) nos
12 meses terminados em setembro, indicando que a demanda interna supera nossa
produção, em contraste com superávits nas contas externas observados na
periferia europeia.
É, portanto, notável, embora
nada surpreendente, que a conclusão da quermesse seja sempre a mesma (“vamos aumentar
o gasto público!”) independentemente da natureza do problema.
Diga-se, aliás, que
esta postura diminui em muito a credibilidade da promessa de “iniciativas
contracionistas (...) para quando a economia voltar a crescer”, mas, justiça
seja feita, estas vozes também se calaram quando o país crescia forte e o
governo seguia com o pé no acelerador fiscal. Sua coerência em sempre pedir
mais despesa é legendária.
A verdade é que esta
visão, embora se coloque como “alternativa”, predominou nos últimos quatro
anos. O arranjo de política econômica, caracterizado por gastos crescentes,
redução “na marra” das taxas de juros, intervenção no mercado de câmbio e
ativismo injustificável no domínio econômico, foi, sem tirar nem por,
exatamente aquilo por que clamaram anos a fio os autodenominados
“desenvolvimentistas”.
Os resultados estão aí:
crescimento pífio, inflação acima da meta (não “dentro” dela), desequilíbrios
externos, estagnação da produtividade e, agora sabemos, também retrocesso no campo das conquistas
sociais.
Engana-se, porém, quem acreditar que o fracasso retumbante poderia lhes ensinar
alguma coisa; o manifesto da semana passada é prova disto.
(Publicado 12/Nov/2014)
4 comentários:
Alex, um comentário recorrente dessa trupe é que política de contração fiscal não é expansionista. Logo, diminuir gastos e até mesmo aumentar a taxa de juros (política monetária restritiva) não garantem a retomada do crescimento e, além disso, podem inibir investimentos. Outro argumento é que a relação empírica entre o tripé macroeconômico e crescimento é inconclusiva. Enfim, a pergunta é: até onde vai a dita "ciência" econômica? Particularmente, acho bom o dissenso, já que tenho certa simpatia com a frase que afirma que todo unanimidade é burra. abs
"os fatos se acomodam às crenças"
uma boa analogia, os sabios economistas da nova matriz atacando seus gigantes (moinhos)...
Pronto agora o senhor não tem do que reclamar:Joaquim Levy para a área fiscal.
Só não vale chorar porque vai ser escolhido um "Chicago Boy" para a área fiscal.
Lembrando que os liberais de Chicago jamais defenderiam posições que o SR defende no caso do Japão,uma expansão fiscal adicional,em um pais com endividamento alto.
Fiz especializacao na Unicamp em Economia e ouvi de um professor que foi o Lula quem controlou a inflação. Até hoje fico pensando em como alguém pode ser tao desonesto intelectualmente...
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