A Argentina voltou às
manchetes, mas não pelo golaço de Messi contra o Irã, na única oportunidade em que
não esteve marcado por 2 ou 3 adversários. A Suprema Corte dos EUA reconheceu
os direitos dos credores que não aceitaram os termos da reestruturação da
dívida argentina (“holdouts”) de
receberem integralmente o que lhes é devido. Em particular proíbe que se faça o
pagamento dos demais credores antes dos “holdouts”,
o que, na prática, pode jogar o país novamente na vala comum dos caloteiros.
Concretamente a
Argentina não tem capacidade de pagar aos “holdouts”,
pois poderia levar os demais credores a demandarem tratamento igual, o que
implicaria um desembolso além daquele que suas condições fiscais e o nível das suas
reservas permitem.
A decisão da Suprema
Corte levanta questões delicadas sobre o funcionamento do mercado internacional
de capitais. Em casos futuros de reestruturação, por exemplo, haverá, sem
dúvida, um incentivo para que credores se tornem “holdouts”, na esperança de receberem o valor integral, ou, ao
menos, valores maiores do que aqueles pagos aos que aceitem as novas condições.
Talvez nem mesmo as Cláusulas
de Ação Coletiva, termos do contrato que tornam forçosa a anuência às
novas condições caso uma maioria qualificada (tipicamente 75% ou 80% do valor
da dívida) as aceitem, sejam suficientes para impedir o problema à luz de
perspectivas de obter um resultado mais favorável junto às cortes.
Independentemente
disto, porém, há primeiro que entender como a Argentina se colocou nesta
posição e se há consequências potencialmente graves para o Brasil.
De fato, até há pouco o
país era o preferido dos nossos “keynesianos de quermesse”, com seu modelo que
privilegiava a administração da taxa de câmbio, devidamente apoiada pela
política monetária que, para manter o câmbio depreciado, não podia ser
utilizada para controlar a inflação.
O descaso com a
inflação, porém, tem custos. Preços administrados foram “congelados”,
desarticulando serviços públicos, assim como alguns preços da cesta básica.
Subsídios para compensar este problema foram gradualmente erodindo as finanças
públicas e o resultado primário do governo nacional, que havia chegado a 3-4%
do PIB entre 2004 e 2008, minguou para um déficit em torno do 1% do PIB no ano
passado.
Não bastasse isto, as
estatísticas oficiais foram maquiladas: enquanto o índice de inflação calculado
pelo governo insistia em taxas inferiores a 10% ao ano, estimativas de
consultores privados sugeriam algo entre 25% e 30% ao ano, o que os levou a
serem perseguidos pela máquina pública.
O resultado foi
desconfiança generalizada, retração do setor privado, reforçadas pela atitude beligerante
do governo, e, portanto, baixo crescimento e desorganização da economia. A
inflação elevada corroeu a suposta competitividade que deveria advir do câmbio
depreciado e as contas externas voltaram ao vermelho. Somada à fuga de
capitais, isto fez com que as reservas internacionais caíssem de US$ 52 bilhões
em meados de 2011 para US$ 29 bilhões agora, insuficientes para fazer frente
aos compromissos resultantes da decisão da Suprema Corte.
É uma tragédia
anunciada. Por mais que nossos “keynesianos de quermesse” tentem agora se
distanciar da experiência platina, a verdade é que cada desenvolvimento
negativo no período foi decorrência lógica do modelo de política econômica
adotado há 10 anos e celebrado então como a revolução que haveria de catapultar
o país ao crescimento acelerado.
Isto dito, se alguém
identifica ecos da política argentina na nossa manipulação da taxa de câmbio,
descaso com a inflação, congelamento de preços administrados e piora das contas
públicas, trata-se apenas de coincidência infeliz, resultado do pessimismo dos
setores conservadores. Nada a aprender, portanto, com erros alheios...
Melhor nos concentrarmos
no futebol mágico de Lionel Messi.
This time is different |
(Publicado 26/Jun/2014)
10 comentários:
Qual a razão do nome do artigo? Desculpe a ignorância.
Quando os Bourbon foram restaurados no trono francês cometeram os mesmo erros, de onde o comentário: "não esqueceram nada; não aprenderam nada".
Gostei do bate papo com o Sachsida. Melhor momento em 6:10 rsrs...
"Por mais que nossos “keynesianos de quermesse” tentem..." nãnãninã!!!
Belluzer acredita que tudo é culpa dos "butres"...e sua tbm!
"Por mais que nossos “keynesianos de quermesse” tentem..." nãnãninã!!!
Belluzer acredita que tudo é culpa dos "butres"...e sua tbm!
No seu Hangout o senhor de alguma maneira criticou a "qualidade" da diretoria do BC.Eu discordo da sua opinião,hoje temos no BC uma diretoria plural,diferente das gestões anteriores.
Essa pluralidade da diretoria é uma vitória da nossa democracia, que conseguiu acabar com a ditadura imposta pela PUC-RJ na indicação de membros para a diretoria do BC.
É importante ter a opinião de Nakano,Bresser,Belluzzo,na gestão da política monetária.
"É importante ter a opinião de Nakano,Bresser,Belluzzo,na gestão da política monetária."
Realmente a contribuição dos gênios mencionados foi muito positiva para a manutenção da inflação em patamares civilizados... 90% ao mês.
O comentário de 2 de julho de 2014 20:14 foi realmente sensacional KKKKKKKKKKKKKKKKKK
Realmente é importantíssimo ter a opinião de Beluzzo, Delfim, Bresser e Nakano na gestao política monetária. O problema é que o pessoal do governo está fazendo o que eles recomendam, no lugar de escutar a opinião e fazer o contrário
Alex você conheceu as propostas do pastor Everaldo?Me parece o único candidato de direita nesta eleição.
[off-topic]
" Hoje em dia, posso lhe dizer com conhecimento de causa, existe muita gente importante (isto eh, presidente de banco central de G7 etc) que tem se perguntado privadamente se a crise atual nao foi causada pelo aumento do preco de petroleo em 2007-08 que soh foi possivel devido a decisao dos bancos centrais de nao apertarem a politica monetaria em resposta a este choque de oferta.
Como sugestao de leitura, vide o que o James Hamilton tem dito no blog dele (econbrowser). Nao duvide que esta visao possa se tornar dominante e o FED carque juros altos para matar o proximo surto de alta no petroleo. "
"O"
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Caro O,
Alguma evolução nessa linha?
Abs.,
The Anchor
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