Hoje “humor” é
entendido como um estado de espírito, mas houve época em que era visto como
algo físico, fluidos que controlavam, entre outras coisas, o próprio
temperamento das pessoas (o fleumático, por exemplo, seria dominado pela
“fleuma”, humor procedente do sistema respiratório). Doenças eram atribuídas a
desequilíbrios entre humores; daí prescrições de tratamentos como sangrias e
afins, supostamente para recuperar o equilíbrio perdido.
A falta de base
científica, porém, da teoria dos humores ficou clara com o desenvolvimento da
medicina, levando ao seu abandono, do qual se salvaram apenas expressões como
“mau humor”, utilizadas, é claro, num contexto bastante distinto do original.
É irônico, portanto,
que a mesma visão medieval ressurja expressa na noção que a prostração da
economia brasileira – aparente no “pibículo” do primeiro trimestre, assim como
o que nos espera ao longo deste ano – se deva ao mau humor dos empresários.
Obviamente a confiança
empresarial anda baixa, e não apenas ela: medidas da confiança do consumidor
também não são nada animadoras, mas, isto dito, é um erro acreditar que
alterações de humor, de empresários ou consumidores, surjam do nada e, a partir
daí, afetem o desempenho econômico. A relação entre causa e efeito parece ser
precisamente a inversa: é o desempenho da economia que afeta o estado de
espírito a que chamamos de “confiança” ou “humor”, ou qualquer nome que se
queria dar à sensação que algo está muito errado no país.
Em particular, colhemos
agora os frutos da política econômica adotada, de forma gradual, de 2009 para
cá. Ao longo destes anos o compromisso com a meta fiscal foi substituído pela
“contabilidade criativa”: o governo finge que cumpre a meta, à custa de uma
perda sem precedentes da transparência (e credibilidade) das contas públicas e
lamenta que os analistas não compartilhem de sua fantasia.
Da mesma forma, a meta
de inflação foi abandonada. A política monetária passou a se guiar por outros
objetivos: crescimento em alguns momentos, a taxa de câmbio em outros. De outra
forma como explicar o comportamento de um Banco Central, que afirma prever a
inflação acima da meta tanto este ano como no próximo e, no entanto, interrompe
o processo de aperto monetário?
Não por acaso as
expectativas de inflação se aproximam do limite superior da meta em 2014 e
sugerem inflação superior a 6% no ano que vem, expressão mais nítida da
desconfiança com relação à política econômica.
No campo microeconômico
as frequentes (e desencontradas) intervenções do governo também minam a
capacidade de planejamento. Como esquecer o fracasso da primeira rodada de
concessões rodoviárias, em que o suposto “filé” entre as estradas federais (a
BR-262) não atraiu sequer um candidato, ou mesmo o leilão do campo de Libra, em
que apenas um consórcio foi formado?
Mais recentemente os
controles de preços (resultado direto do descaso no front inflacionário) adicionaram novas complicações. Os que
acreditaram, por exemplo, na retórica governamental e investiram em
biocombustíveis agora amargam os prejuízos decorrentes da manutenção dos preços
de combustíveis em patamares inconsistentes com níveis internacionais.
Empresas distribuidoras
de energia também sofrem com estes controles e, se alguém ainda acredita que
isto não terá qualquer impacto em seus planos de investimento, haverá de se
decepcionar.
Instabilidade
macroeconômica, mudanças de regras, controles de preços formam um caldo de
cultura muito pouco propício ao crescimento econômico e não deveria ser
surpreendente que a confiança dos agentes econômicos fosse abalada por estes
desenvolvimentos.
À luz disto, atribuir o
crescimento medíocre ao humor empresarial é uma piada de mau gosto, de quem
tenta afastar de si a responsabilidade pela visão medieval que tem dominado
nossa política econômica nos últimos anos.
Vamos drenar este mau-humor |
(Publicado 11/Jun/2014)
7 comentários:
Alexandre, a inversão que vivemos hoje nas relações de causa e consequência são absurdas. É um caso patológico, quando feito por aqueles que não têm ideia do que está acontecendo e de pura imoralidade entre aqueles que buscam manter seus privilégios.
Alexandre:
O que acha da visão do Beluzzo:
"O que não podemos é ser atropelados por uma onda de importações de itens que poderíamos fazer aqui, com alguma insistência, com ganhos de produtividade. Olhando a longo prazo, vemos oportunidades, mas isto de longo prazo não cai do céu. Temos que organizar a economia. E pra isso precisamos escapar deste mau humor. Se comparar com outros países, verá que não é justificável. Temos uma fronteira de investimento com o pré-sal. Mas o governo precisa dar os incentivos corretos. Temos esse debate, se pode ter intervenção do Estado na economia — isso é bobagem, em todo lugar há."
Ola Dr.
Li e gostei do seu co-livro. Parabens.
Pergunta: Eu importo bens de consumo (de verdade). Pago e gero mais de 100% do valor da importacao em impostos.
Somente o ICMS eh estadual (25%). Seja a empresa do simples ou lucro real o resultado para os governos em impostos nos produtos importados eh otimo. Freeriders FDPs.
Depois ha a circulacao do produto que gera riqueza, emprego, e... 'animo'.
Qual o problema entao com um produto importado/balanca comercial?? No curto prazo o importado ja compensa em impostos recolhidos os euros/dollars que saem do pais.
Saludos.
Alex,
a teoria dos humores era grega, assim como as origens da homeopatia. Essas teorias ganharam forca em algumas escolas na europa medieval que leram os originais gregos mas foram tambem abandonadas antes do renascimento - mas ainda reapareceram aqui e ali.
(para voce nao decepcionar seus parentes medicos na mesa do jantar...)
Bom dia Alexandre!
O que voce pode dizer sobre o que disse o Prof. Ricardo Bergamini:
Quem diria que a marolinha da crise mundial de 2008 iria provocar a volta na América do Sul do uso dos chavões tradicionais da esquerda: “Fora FMI” - “Fora Banqueiros” – “Auditoria da Dívida Externa”, etc.
O Brasil caminha, a passos largos, para ser a Argentina de hoje, visto que nossas reservas em moedas estrangeiras não estão sendo geradas pelo comércio internacional (deficitário em US$ 188,1 bilhões de 2011 até 2013), mas sim pela conta de capital (superavitária em US$ 259,0 bilhões de 2011 até 2013).
O primeiro sinal de nossa dificuldade em manter essa posição da conta de capital foi o aumento dos juros básicos de 7% ao ano para os atuais 11% ano. Apesar desse aumento de juros havendo fuga de capital será inevitável o pedido de socorro ao FMI. Acreditem se quiserem!!!!
Fugindo um pouco do assunto do tópico alquem poderia me dizer qual oerro teórico da tese Singer–Prebisch.
Eu sei que ela não é válida empiricamente mas eu queria saber a inconsistencia teórica da tese se alguem puder me responder obrigado
Não é desonestidade intelectual proferir teses erráticas sobre a escola austríaca sem conhecê-la?
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