domingo, 29 de junho de 2014
quarta-feira, 18 de junho de 2014
Desviei, mas não fui eu...
Que a “contabilidade
criativa” é a principal contribuição da atual equipe econômica para o progresso
do país não resta a menor dúvida, mas seria injusto desconsiderar demais
exemplos de criatividade no setor, em particular o esforço hercúleo do Banco
Central em explicar porque – a despeito de todas suas promessas – não conseguiu
entregar a inflação na meta nos últimos 4 anos; e não deverá fazê-lo nem este
ano, nem em 2015.
Tempos atrás, o
problema viria dos preços dos alimentos (era o “feijãozinho”, depois
substituído pelo tomate). Confrontada, porém, com medidas de inflação que
mostravam aceleração mesmo desconsiderando preços de alimentos, assim como
aumento persistente dos preços dos serviços, a desculpa mudou. O problema passou
a ser a “resistência da inflação” resultante de “mecanismos regulares e quase
automáticos de reajuste (...) que contribuem para prolongar (...) pressões
inflacionárias”.
Na última ata do Copom,
porém, a criatividade do BC atingiu novos patamares. Segundo o documento há “dois
importantes processos de ajustes de preços relativos ora em curso na economia –
realinhamento dos preços domésticos em relação aos internacionais e
realinhamento dos preços administrados em relação aos livres”.
Trocando em miúdos,
trata-se do impacto da desvalorização do real (durante bom tempo, diga-se,
perseguida com afinco pelo próprio BC) por um lado e, por outro, a necessidade
de corrigir preços que ficaram defasados por conta das medidas recentes de
controles, notadamente (mas não apenas) energia e combustíveis.
De fato, em entrevista a um órgão oficial de imprensa, uma “fonte (também) oficial” (cuja linguagem próxima da ata não deixava dúvida quanto a ser um diretor do BC) afirmou candidamente que “as projeções para 2015 estão bastante sensibilizadas pela questão dos preços administrados” e que “se a inflação de preços administrados neste ano fosse de 1,5%, perto do ano passado, em vez dos 5% esperados, a inflação ficaria 1 ponto percentual menor”.
A declaração é
merecedora do Prêmio Nobel da Obviedade, mas, além disto, reflete a nova
desculpa: a inflação não cai por conta dos preços administrados, os mesmos que
– sujeitos ao controle governamental – têm sido a principal estratégia
(equivocada, claro) de combate à alta do índice de preços.
É curioso, mas a “fonte
oficial” não parece ter percebido que seu mesmo argumento poderia ter sido
exposto como “se a inflação de preços administrados tivesse sido de 5% em 2013
(para evitar as distorções causadas pelo controle destas tarifas), a inflação do
ano passado teria sido 1 ponto percentual maior (isto é, 6,94%) e perderíamos
inclusive o teto da meta”.
Na prática a afirmação
equivale a reconhecer que a política monetária tem sido inadequada para conter
as pressões inflacionárias disseminadas observadas ao menos desde 2012,
dependendo de “puxadinhos” como controle de preços. Significa também que o BC,
supostamente o responsável pela estabilidade do poder de compra da moeda,
abandonou esta função há tempos.
Francamente não saberia
dizer se tal postura reflete convicções da diretoria do BC, ou apenas
subserviência ao governo de plantão (ou ainda uma mistura das duas), mas a esta
altura do campeonato a distinção é acadêmica. O (triste) fato é que não há
ninguém cuidando da inflação, que cresce, saudável e indômita, como há tempos
não se via. E, diga-se também, esta postura frouxa não impediu o crescimento
anêmico, que não deverá chegar à média de 2% ao ano neste governo.
Em tal contexto é
difícil evitar pensar que, caso o BC tivesse dedicado à questão uma fração da
criatividade empregada na criação de desculpas, nosso desempenho poderia ter
sido bem melhor do que a lastimável atuação dos últimos anos. Por outro lado, como
ávido leitor de ficção e fantasia, anseio pela nova geração de desculpas a
serem apresentadas mais à frente.
Desviei, mas não fui eu... |
(Publicado 18/Jun/2014)
terça-feira, 10 de junho de 2014
Humores
Hoje “humor” é
entendido como um estado de espírito, mas houve época em que era visto como
algo físico, fluidos que controlavam, entre outras coisas, o próprio
temperamento das pessoas (o fleumático, por exemplo, seria dominado pela
“fleuma”, humor procedente do sistema respiratório). Doenças eram atribuídas a
desequilíbrios entre humores; daí prescrições de tratamentos como sangrias e
afins, supostamente para recuperar o equilíbrio perdido.
A falta de base
científica, porém, da teoria dos humores ficou clara com o desenvolvimento da
medicina, levando ao seu abandono, do qual se salvaram apenas expressões como
“mau humor”, utilizadas, é claro, num contexto bastante distinto do original.
É irônico, portanto,
que a mesma visão medieval ressurja expressa na noção que a prostração da
economia brasileira – aparente no “pibículo” do primeiro trimestre, assim como
o que nos espera ao longo deste ano – se deva ao mau humor dos empresários.
Obviamente a confiança
empresarial anda baixa, e não apenas ela: medidas da confiança do consumidor
também não são nada animadoras, mas, isto dito, é um erro acreditar que
alterações de humor, de empresários ou consumidores, surjam do nada e, a partir
daí, afetem o desempenho econômico. A relação entre causa e efeito parece ser
precisamente a inversa: é o desempenho da economia que afeta o estado de
espírito a que chamamos de “confiança” ou “humor”, ou qualquer nome que se
queria dar à sensação que algo está muito errado no país.
Em particular, colhemos
agora os frutos da política econômica adotada, de forma gradual, de 2009 para
cá. Ao longo destes anos o compromisso com a meta fiscal foi substituído pela
“contabilidade criativa”: o governo finge que cumpre a meta, à custa de uma
perda sem precedentes da transparência (e credibilidade) das contas públicas e
lamenta que os analistas não compartilhem de sua fantasia.
Da mesma forma, a meta
de inflação foi abandonada. A política monetária passou a se guiar por outros
objetivos: crescimento em alguns momentos, a taxa de câmbio em outros. De outra
forma como explicar o comportamento de um Banco Central, que afirma prever a
inflação acima da meta tanto este ano como no próximo e, no entanto, interrompe
o processo de aperto monetário?
Não por acaso as
expectativas de inflação se aproximam do limite superior da meta em 2014 e
sugerem inflação superior a 6% no ano que vem, expressão mais nítida da
desconfiança com relação à política econômica.
No campo microeconômico
as frequentes (e desencontradas) intervenções do governo também minam a
capacidade de planejamento. Como esquecer o fracasso da primeira rodada de
concessões rodoviárias, em que o suposto “filé” entre as estradas federais (a
BR-262) não atraiu sequer um candidato, ou mesmo o leilão do campo de Libra, em
que apenas um consórcio foi formado?
Mais recentemente os
controles de preços (resultado direto do descaso no front inflacionário) adicionaram novas complicações. Os que
acreditaram, por exemplo, na retórica governamental e investiram em
biocombustíveis agora amargam os prejuízos decorrentes da manutenção dos preços
de combustíveis em patamares inconsistentes com níveis internacionais.
Empresas distribuidoras
de energia também sofrem com estes controles e, se alguém ainda acredita que
isto não terá qualquer impacto em seus planos de investimento, haverá de se
decepcionar.
Instabilidade
macroeconômica, mudanças de regras, controles de preços formam um caldo de
cultura muito pouco propício ao crescimento econômico e não deveria ser
surpreendente que a confiança dos agentes econômicos fosse abalada por estes
desenvolvimentos.
À luz disto, atribuir o
crescimento medíocre ao humor empresarial é uma piada de mau gosto, de quem
tenta afastar de si a responsabilidade pela visão medieval que tem dominado
nossa política econômica nos últimos anos.
Vamos drenar este mau-humor |
(Publicado 11/Jun/2014)
terça-feira, 3 de junho de 2014
Pibículo
Ouvi (na verdade li)
esta expressão de uma amiga e na hora me encantei. Não usamos tanto esta forma
de diminutivo (preferimos o “inho”, para diversão dos vizinhos
latino-americanos; às vezes o “ito”, ou ainda o “ico”), mas, assim como
“corpúsculo”, “pedúnculo” e “homúnculo”, “pibículo” captura perfeitamente a
dimensão diminuta, não só do ocorrido no primeiro trimestre, mas principalmente
do que nos espera à frente.
De fato, a expansão de
apenas 0,2% na comparação com o final de 2013 (já corrigida a sazonalidade) é
reveladora da nossa fraqueza. Mesmo com a revisão para cima do aumento do PIB no
ano passado (de 2,3% para 2,5%), pela incorporação de medidas mais atualizadas
da produção industrial, o que se observa é a virtual estagnação do país nos
últimos 9 meses, quando o crescimento médio ficou em 0,1% ao trimestre.
Em que pese a perda de
fôlego do consumo das famílias no começo deste ano, o “pibículo” no período
mais recente não pode ser atribuído apenas a este fenômeno, mas,
principalmente, ao desempenho lastimável do investimento. Segundo os dados
agora revisados, registramos a terceira queda consecutiva da formação de capital,
que acumula redução de mais de 5% desde o segundo trimestre de 2013.
Trata-se de um problema
crucial. Em parte porque, no curto prazo, o investimento é um dos elementos
cruciais para a determinação do ritmo de expansão da demanda interna; as consequências
mais sérias, porém, dizem respeito à nossa capacidade de crescimento de longo
prazo.
Medido como proporção
do PIB, o investimento, que já não era particularmente brilhante, vem caindo de
forma consistente: havia atingido o pico de 19,5% do PIB ao final de 2010 e
agora marca 18,1% do PIB nos últimos 4 trimestres. Esta redução implica menor
capacidade de crescimento à frente, um impacto negativo da ordem de 0,5% ao
ano.
Em contraste, o consumo
do governo ultrapassou 22% do PIB no período, o nível mais elevado da série
histórica iniciada em 1995, consolidando o Brasil como um dos poucos países em
que esta grandeza supera o próprio investimento. Não por acaso, a poupança doméstica
atingiu novos recordes de queda, levando a um novo milagre às avessas: apesar
do baixo investimento, o déficit externo aumentou, alcançando seu maior valor
desde 2001.
Por outro lado, a
divulgação do PIB permite novas estimativas da expansão da produtividade do
trabalho. Ignorando as flutuações cíclicas desta medida, chegamos a um número
inferior a 1% ao ano (0,8% aa, caso queiram saber), também o mais baixo dos
últimos 11 anos.
Isto dito, se o passado
não nos traz motivo de orgulho, tampouco o faz o futuro imediato. À luz do
resultado do primeiro trimestre, assim como indicações de fraqueza nos dados já
disponíveis para o segundo trimestre, fica claro que mesmo uma expansão do PIB
na casa de 1,5% para este ano, como, por exemplo, sugerido pela pesquisa Focus
do BC, parece improvável, pois requereria uma aceleração notável na segunda
metade do ano.
Tudo indica que nos
encaminhamos para um número mais perto de 1% do que 1,5% em 2014. Se
confirmado, o crescimento médio do PIB no governo Dilma ficaria em 1,8% ao ano,
o pior desempenho desde a estabilização da economia.
Eis o resultado da
“nova matriz econômica”, anunciada com fanfarra há alguns anos, e hoje pouco
defendida, seja pelo governo, seja pelos nossos “keynesianos de quermesse”:
crescimento medíocre, inflação em alta, desequilíbrio externo, queda do
investimento e desarrumação geral da economia.
Pensando bem, meu
encantamento pelo “pibículo” vai além do diminutivo pouco usual, ainda que
preciso; rima com “ridículo”, esta sim uma expressão que define bem o
desempenho do país nos últimos anos, assim como o modelo de política econômica
adotada no período, além, é claro, de descrever exatamente o que penso dos
formuladores e defensores desta política.
Viva a nova matriz
macroeconômica
|
(Publicado 4/Jun/2014)