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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Professor Costa Oreiro no Monitor Mercantil: Medo de Securitizações!!

Manifestações de boçalidade às vezes guardam um certo paralelismo com a arquitetura de uma cebola: vêm em camadas. Este é o caso da nova contribuição combinada do Professor Costa Oreiro e o Monitor Mercantil.

É certamente questionável o julgamento de qualquer economista que se disponha a dar uma entrevista ao Monitor Mercantil, uma publicação cuja existência fascina paleontólogos amadores como um sinal de que o elo perdido pode ainda andar entre nós.

Ainda mais se tal economista já passou pelo contratempo de ter sido citado –segundo ele, erroneamente – por aquele jornal como dizendo que Chávez é “o cara” e que "a Revolução Bolivariana encontrou o caminho para obter câmbio depreciado e competitivo no longo prazo".

Mas este é só o exterior da cebola. Quando a descascamos, a barbaridade é de assustar. Leia, segurando-se na cadeira, o trecho abaixo (em azul as passagens mais boçais):

EM VEZ DE CAPITALIZAR CAIXA VIA TESOURO, GOVERNO OPTA POR PAPÉIS TÓXICOS

"Há risco de formação de uma bolha. Não se pode esquecer que a crise começou com a securitização." O alerta é do economista José Luiz Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), ao comentar a possibilidade de, nas próximas semanas, a Caixa Econômica Federal captar R$ 500 milhões via securitização (títulos que repassam a dívida dos mutuários via papéis a serem comercializados livremente no mercado financeiro) de sua carteira de empréstimos, conforme disse a presidente do banco, Maria Fernanda Ramos Coelho, reafirmando anúncio feito esta semana pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Para Oreiro, o melhor é capitalizar a Caixa (e também o Banco do Brasil) pelo próprio governo, via aportes do Tesouro, a exemplo do que já ocorre no BNDES.

"Cheguei a propor isso ano passado. Afinal, os financiamentos da Caixa geram muitos empregos. Mas sou contra produtos financeiros exóticos", criticou, advertindo que, a longo prazo, a Caixa se tornaria um banco de investimento, "o que é ruim".

De acordo com o economista da UnB, o risco da securitização é a perda de controle sobre as emissões seguintes. "Uma obrigação lastreada em ativos, quando vendida no mercado secundário, para um banco de investimento, pode criar outro instrumento exótico que será empacotado e repassado. Aí, pode perder o controle, já que reduz a transparência."

Quanto à elevação do risco, Oreiro ponderou que se, por exemplo, algum fundo de pensão resolver vender ativos secundários, é provável haver queda acentuada no preço dos papéis, causando apreensão no mercado financeiro.

A presidente da Caixa disse que deverão ser lançadas também letras financeiras, espécie de debêntures criadas pelo governo no fim de 2009, para os bancos captarem recursos de longo prazo. A Caixa já lançou R$ 1 bilhão em letras financeiras e pode lançar mais R$ 2 bilhões.

Juro que vou tentar entender.

O professor acha que securitizações geram bolhas, portanto a Caixa deve se capitalizar via endividamento do Tesouro. Mas como securitizações geram bolhas segundo o mestre? Elas geram porque securitizações porque "há uma perda de controle sobre as emissões seguintes (...) Uma obrigação lastreada em ativos, quando vendida no mercado secundário, para um banco de investimento, pode criar outro instrumento exótico que será empacotado e repassado. Aí, pode perder o controle, já que reduz a transparência." Interessantemente, o mesmo pode ser dito de qualquer ativo financeiro. Dívida pública pode ser empacotada no mercado secundário, assim como recebíveis das Casas Bahia ou do crédito consignado. Mas aparentemente o doutor Costa Oreiro não parece saber disso...

Além disso, o professor Costa Oreiro também se preocupou com a possibilidade que a venda por algum fundo de pensão de posse de papéis secundários lastreados por crédito imobiliário da Caixa possa causar apreensão no mercado financeiro. Alguém pode explicar para o professor que fundos de pensão compram e vendem todo tipo de ativo financeiro todos os dias?

“a longo prazo, a Caixa se tornaria um banco de investimento” Er... Alguém pode explicar para o professor o que é um banco de investimento?

Este engolidor de espadas não é o Professor Costa Oreiro.


Pois é... Tio “O” escreveu mais um texto enfadonho. Quem poderia imaginar que o professor de macroeconomia da UNB e diretor da AKB não tem idéia alguma sobre mercados financeiros? Qual vai ser a próxima? Anunciar ao mundo que o Internacional de Porto Alegre joga com uma camisa vermelha?

Pelo menos sinto um conforto em saber que este é o calibre intelectual dos nossos Luditas do século 21.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Simples e genial

De Volta à República dos Abestados

Um dos comentários a meu post “A República dos Abestados” de 20 de agosto é representativo do zeitgeist descrito naquele post, portanto merece os holofotes e uma resposta cheia de novas indagações.

Um anônimo fez um copia-e-cola de uma fala ou texto do Jim O’Neill, o economista da Goldman Sachs, seguido de um comentário próprio:


Jim O’Neill: “Penso que o Lula tem sido muito mais astuto do que muitos dos analistas locais acreditam. Creio que o Lula é um dos mais, se não o mais interessante, de todos os criadores de políticas do G20 na última década. E em parte, é porque ele sabe que para adotar políticas econômicas ortodoxas no Brasil — um grande país em desenvolvimento — ele precisa, por outro lado, adotar outras políticas, como o aumento do número de servidores. E eu aplaudo as políticas de Lula.”
Anônimo: “volta pra escolinha de economia.”

Achei a fala intrigante.

Quem deve voltar para a escolinha de economia? Jim O’Neill? Lula? O Alex? Eu?

Infelizmente nosso anônimo não prima pela clareza em seu texto.

Então passei a indagar-me sobre o que poderia estar passando embaixo das telhas daquela criatura de Deus.

Por acaso ele acha que o Alex, um ex-membro da equipe econômica do Lula, não considera Lula astuto ou suas políticas meritórias de aplauso? Eu não faço a mínima idéia, nunca perguntei nem vou perguntar agora, assim como não faço hipótese alguma sobre suas preferências eleitorais. Tudo que sei, aprendi da leitura de seus textos que não escondem uma ponta de orgulho de sua passagem pelo governo Lula, onde fora bem-sucedido além de qualquer dúvida.

Ou o anônimo talvez ache que eu discordaria da fala de Jim O’Neill? Gostaria de saber o que o anônimo pensa de minhas preferências políticas. Sou Serra? Marina? Dilma? Semana passada mesmo, eu encontrei um documento oficial do governo Lula onde um documento não publicado que escrevi em defesa de alguns aspectos da política econômica brasileira é citado extensivamente. O mínimo que posso dizer sobre os formuladores de política econômica que o Lula emprega é que eles usam de bom senso na escolha de seus argumentos de autoridade :)

Ou talvez o anônimo discorde da avaliação do O’Neill que o Lula teria usado de astúcia para vender às massas um pacote de políticas econômicas ortodoxas?

terça-feira, 24 de agosto de 2010

And now for something completely different

Dica do Mankiw.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A República dos Abestados

De vez em quando, minha capacidade de filtrar ou relevar notícias ruins chega ao limite e tenho que desabafar. Esta semana foi barra pesada.

Primeiro, o Alex postou sobre o retorno do discurso protecionista entre nossos grandes ‘empresários’. Deprimente.

Depois, o Cláudio Shikida me levou para o Coturno Noturno, que por sua vez me apresentou para esta monstruosidade, um manifesto de uma organização de blogueiros oficialistas, digo progressistas, pela nassifização da blogosfera:

Reivindicamos a elaboração de políticas públicas que incentivem a veiculação de publicidade privada e oficial remuneradas nos blogs, bem como outras formas de financiamento que efetivamente viabilizem essa forma de comunicação representada pela blogosfera progressista (...)

Mas nada me preparou para algo que vi citado no blog do ótimo Mansueto Almeida, esse texto do professor Antonio José Alves Junior (veja o texto inteiro aqui), que apresenta um argumento que eu já havia ouvido anteriormente da boca de um economista estrangeiro de banco narrando um argumento que ele teria ouvido em Brasília, mas pensei que estava parodiando:

(...) a política de crédito direcionado vigente favorece a eficácia da política monetária.

(...) Assim sendo, não fosse a atual política de crédito direcionado, que mantém estáveis os custos do financiamento do investimento, o aumento da Selic prejudicaria desproporcionalmente a formação de capital.

(...) O efeito do aumento da Selic, ao ser canalizado pelo crédito livre, pode ser empregado para ajustar os gastos em bens de consumo, cujos preços formam o IPCA, enquanto o crédito direcionado, ofertado em condições estáveis, contribui para a manutenção do nível dos investimentos. Dessa forma, a expansão do crédito direcionado, neste momento de incerteza, impulsiona a economia brasileira rumo ao crescimento acelerado e não inflacionário.


Em outras palavras, segundo o professor Alves Junior, a SELIC deve aumentar para contrair a demanda, mas ao mesmo tempo o erário deve oferecer um subsídio aos tomadores do BNDES (Petrobrás, Vale, Friboi...) para que a demanda não se contraia.

Isto me remete então para a pergunta clássica da nassifologia: ele escreve isso porque é um boçal ou está de sacanagem?

Professor do Departamento de Economia da UFRuralRJ diz que transferências dos contribuintes para os acionistas das empresas tomadoras do BNDES aumentam a eficácia da política monetária.

A resposta neste caso é cristalina: os abestados somos nós.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Saudades dos anos 80

Eu até poderia me surpreender, mas, como economista trabalhando no Brasil há mais tempo do que quero confessar, sinto que não tenho este direito. Mesmo assim, quando líderes empresariais vêm a público pedir o fechamento da economia brasileira às importações, bate uma sensação que beira a desesperança. Depois de anos de uma bem-sucedida (ainda que limitada) experiência de aumento da integração comercial do país, resta ainda quem abertamente defenda o retorno à situação que vivemos por mais de 50 anos, cujos resultados foram estagnação da produtividade, baixo crescimento e elevação da concentração de renda.

O caso mais patológico foi, é claro, a malfadada política de reserva de mercado para informática, proposta por expoentes da corrente ironicamente autodenominada “desenvolvimentista”, que gerou uns poucos ricos às expensas de consumidores e empresas obrigados a pagar por produtos de baixa qualidade preços muito superiores aos praticados no exterior.

Todavia, este é apenas o exemplo mais doentio do caso do amor da indústria nacional com o protecionismo. Há meros 20 anos as importações equivaliam a 5,5% do PIB, dos quais quase a metade correspondia a petróleo e derivados, cuja produção doméstica era insuficiente. Sob tais circunstâncias, os incentivos para inovação eram mínimos e, consequentemente, o crescimento da produtividade foi medíocre, quando não negativo.

Dado, porém, que é precisamente o aumento da produtividade o fator crucial para a expansão sustentada do produto ao longo de muitos anos, também não se estranha o baixo dinamismo da economia brasileira por mais de 20 anos, que coincidiu, não por acaso, com o fim do processo de urbanização do país.

Por fim, a restrição às importações também permitiu a elevação das margens de lucro dos setores protegidos, cuja contrapartida é a redução do salário real. Posto de outra forma, a proteção beneficiou os setores intensivos em capital, implicando elevação do retorno sobre este à custa da redução do rendimento do trabalho, ou seja, maior concentração de renda.

E é a este estado de coisas que alguns pretendem retornar, justificando, para tanto, que a elevação das importações teria prejudicado o crescimento da produção local. Isto no contexto de elevação da produção industrial superior a 16% e um provável aumento do PIB na casa dos 9% na primeira metade do ano.

De fato, caso nossas projeções para as contas nacionais estejam corretas, a demanda doméstica deve ter crescido cerca de 10% no primeiro semestre, ou um pouco mais que R$ 150 bilhões (a preços de 2010). Já as importações medidas em reais, deduzindo combustíveis, cresceram (também a preços de 2010) em torno de R$ 35 bilhões, um aumento de 30%, valor consistente com a experiência dos últimos anos. Em outras palavras, mais de três quartos do crescimento da demanda doméstica foram atendidos pela produção local.

Isto se traduziu em forte redução da ociosidade na economia. No segundo trimestre deste ano, por exemplo, o nível de utilização de capacidade na indústria atingiu 82,7%, nível superado, por pouco, apenas no período entre o quarto trimestre de 2007 e o terceiro de 2008. Já a taxa de desemprego caiu abaixo de 7% no último trimestre, o valor mais baixo da série. Ambas as observações sugerem que a economia se encontra bastante próxima ao seu limite e que, portanto, as importações desempenham papel crucial para complementar a oferta doméstica num quadro de elevada demanda interna.

Se isto é verdade, o que poderia explicar este acesso de nostalgia? Quero crer que não seja um caso de sadismo, que sente saudade da estagnação e da queda do salário real. Provavelmente, não deve ser mais do que a percepção que as importações limitam bastante o poder de certas indústrias de impor seus preços; é ruim para seus lucros, mas muito bom para o Brasil.


O Conselho da Fiesp em momento descontraído (mas, se pensar em protecionismo, por favor, se reprima)
(Publicado 18/Ago/2010)

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Sua Excelência

Houve certa controvérsia na caixa de comentários do post anterior acerca da balança comercial sul-coreana. O Rogério mandou o link para os dados e eu os baixei, atualizei para preços de hoje pelo PPI EUA (isto não muda o sinal da balança, é claro, mas ajuda a percepção da ordem de grandeza, que ficaria prejudicada se usássemos os dados correntes).

Os resultados estão resumidos no gráfico abaixo: em 24 dos últimos 39 anos a Coreia apresentou déficits comerciais. Até a crise de 1997 acumulou um déficit (a preços de 2009) equivalente a US$ 138 bilhões; de 1998 até 2009 mais do que compensou isto com um superávit de US$ 259 bilhões.


Em tempo: no mesmos períodos o Brasil acumulou superávits de US$ 159 bilhões (1971 a 1997) e US$ 268 bilhões (1998 a 2009), tendo registrado déficits em apenas 14 dos últimos 39 anos. Obviamente não é possível generalizar a partir destas duas observações, mas já podemos começar a refletir, não?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Micro I

Quem quiser a matéria completa pode encontrá-la aqui, mas o extrato abaixo é uma amostra interessante do que ocorre quando, em nome da manutenção da taxa de câmbio depreciada (sem sucesso, diga-se, como discutimos neste post), o governo resolve tributar as exportações de commodities. Absolutamente previsível; a única coisa surpreendente (mas não tanto) é achar quem, depois de tudo isso, ainda defenda a adoção de medidas semelhantes por estas plagas.


Argentina’s farmers unable to fill wheat gap

For the past four years Argentine farmers have been grappling with wheat export limits, which the government says are to protect domestic prices, and also pay 23 per cent in export taxes, further discouraging overseas sales. So, with scant incentive to produce, farmers have slashed the land sown with wheat to a 111-year low, and cereal exports from the rolling pampas of what should be a breadbasket country have virtually halved over the past five years.
(…)
The lessons of Argentina’s experience with export restrictions are particularly relevant now, as wheat traders mull the impact of Russia’s decision last week to ban grain exports. The lower wheat production means that global supplies will be thinner than otherwise, further fuelling the price rally.
(…)
Wheat farmers in Argentina have turned to other crops, such as soyabean, while some international investors, who are critical to the flow of money into capital-intensive agriculture, have left the country and turned to Uruguay, Paraguay and Brazil.

Gustavo López, an analyst, reckons that the country’s best wheat hope this year is 4m hectares sown, which could produce a harvest of about 10m tonnes. Argentina needs 5.5m tonnes to meet domestic demand and, after setting aside seeds and stocks for next year, that could leave 4m for export, Mr López says. That compares with 10m tonnes in exports as recently as 2005.
(…)
Uncertainty about the export cap is compounded by doubts about export taxes. The government’s measures for charging such tariffs are set to expire this month, and it remains unclear how the system might be amended.

“It’s too late in the season to change planting decisions,” says Mr Cameron. “Instead of producing 16m to 17m tonnes like we used to and should, we produced 8m last year and we’ll produce 10m to 11m this year,” he adds.

The irony is that the price of bread in Argentina – which the government’s measures are supposed to protect – has leapt in recent years amid rising inflation, with the cost of wheat accounting for only a fraction of the bread price.




segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Copiado do blog do Leo Monasterio (Equilíbrio de Nash por Nash)

Vi isto no blog do Leo. Achei tão legal que pedi e ele me deixou copiar.

Se em Campinas é ruim, imagina em Lusaka...

Nada como começar a semana com pensamentos profundos em macroeconomia.

Imprimam e leiam este imperdível artigo do gênio renascentista zambiano Siize Punabantu (link).

Financing the doubling of GDP in one year at constant price

If the heading has drawn your attention then it has achieved the second objective of this paper, its first objective being to lead the reader through a discussion of how economic scarcity is a reversible problem. This paper examines reasons why scarcity may remain unresolved by economics as a result of how history and the machinations of business have evolved, especially in relation to the circular flow of income, price, value and the exchange of goods and services. The hypothesis that an economy has sufficient latent financial resources with which to finance the doubling of its GDP in one year at constant price is used to first anchor the idea resources are available so that a greater emphasis is placed on the burden of proof. The reader is asked, as a warm up exercise, to take a moment to meditate and reflect on the hypothesis; then suspend disbelief briefly in order to be able to follow the arguments unhindered by conventional wisdom. This aids in grasping how important thinking outside traditional views in economics can open new vistas in how the problem of scarcity is addressed. The gist is to grapple with ideas taken for granted in economics pertaining to enterprise, observe their evolution and attempt to mould them toward a construct that better exposes the latent potential within economic thought to change the economic landscape. It explores the view that even practices taken for granted in economics and business such as those used to understand cost, revenue, and the significance of money may harbour hidden factors that can affect how money transfers value between transactions. Further, it discusses how the tension between pessimistic and optimistic views can influence outcomes in economics.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Vastas expansões e medidas imperfeitas

Nem sempre é tarefa fácil avaliar a postura da política fiscal. Não basta olhar para o resultado fiscal em si para saber se a postura do governo é expansionista ou contracionista, pois receitas e despesas se alteram em resposta ao estado da economia. Em períodos de expansão é comum que a arrecadação cresça mais, enquanto na recessão observa-se o oposto. Assim, sem alguma informação acerca do momento do ciclo econômico, o simples valor do balanço fiscal pode levar a conclusões equivocadas acerca do caráter da política.

Não se trata, porém, de problema incontornável. Nos EUA o Congressional Budget Office calcula, além dos números observados, estimativas do saldo fiscal sob a hipótese da economia operando a pleno potencial. Em 2009, por exemplo, o déficit fiscal americano observado atingiu 9,3% do PIB; já a estimativa do saldo ciclicamente ajustado foi algo inferior, 7,3% do PIB, refletindo a queda da arrecadação por conta da recessão e o aumento de algumas despesas, como o seguro-desemprego.

Essa resposta de despesas e receitas às mudanças cíclicas é conhecida como “estabilizador automático”: o aumento natural do déficit fiscal em períodos recessivos tende a minorar a recessão, enquanto sua redução em momentos de crescimento mais forte ajuda a atenuar a própria expansão.

No Brasil, porém, não há estimativas consistentes do resultado orçamentário ciclicamente ajustado, o que prejudica a avaliação da política fiscal. É possível, por exemplo, afirmar que a queda do superávit primário de 2009 representou uma política contracíclica, ou seria apenas decorrência da redução brusca da atividade econômica?

Embora a resposta definitiva requeira um estudo mais aprofundado, minhas estimativas sugerem que a política fiscal não foi contracíclica em 2009. Indicam, contudo, que as decisões de aumento de gastos tomadas no ano passado, que se materializaram em 2010, teriam implicado uma redução persistente do superávit primário, ou seja, uma política fiscal fortemente expansionista para este ano e provavelmente também os próximos.


Fonte: estimativas do autor a partir de dados do Banco Central e IBGE

O gráfico mostra a relação entre o superávit primário do setor público consolidado (no eixo vertical) e uma medida do ciclo econômico, o hiato do produto industrial (no eixo horizontal). O superávit primário é o registrado na primeira metade de cada ano, aproveitando a divulgação recente do resultado do primeiro semestre de 2010 (caso usássemos o superávit acumulado nos 12 meses terminados até junho os resultados seriam muito parecidos). Já o hiato resulta da aplicação de um filtro estatístico simples na série trimestral de produção industrial até o final de 2007 e, a partir daí, uma extrapolação da tendência até o segundo trimestre deste ano.

Não é necessário um salto de imaginação para concluir que o resultado fiscal tende a variar com o nível de atividade de forma de forma bastante regular. Assim, em 2008, quando a economia estava fortemente aquecida, o saldo primário no primeiro semestre atingiu seu recorde (5,6% do PIB); em contraste, em 2009, o superávit do primeiro trimestre havia se reduzido para 2,4% do PIB, sob efeito de um hiato bastante negativo.

A relativa estabilidade das observações de 2000 a 2009, entendida como uma distância moderada entre o valor observado e o sugerido pela linha de tendência, representaria, portanto, um regime estável de política fiscal. Em outras palavras, o resultado primário consolidado seria explicado, em larga medida (embora não exclusivamente), pelos estabilizadores automáticos.

Neste sentido, a queda do superávit registrada em 2009 não representaria uma quebra de regime, mas teria decorrido da retração econômica. Apenas a arrecadação federal, medida a preços constantes, caiu quase R$ 26 bilhões na primeira metade de 2009 relativamente a 2008 (menos de 10% disto associado à redução do IPI sobre automóveis).

Por outro lado, o resultado do primeiro semestre de 2010 parece incongruente com o regime anterior. Apesar da recuperação da atividade e da arrecadação federal (R$ 43 bilhões) no primeiro semestre, o saldo primário se manteve inalterado, bem abaixo do nível que deveria atingir com base na experiência dos últimos 10 anos. Interpretado literalmente, isto indicaria uma expansão fiscal da ordem de 2,5% do PIB no semestre (1,5% do PIB em 12 meses). De forma menos literal, a mera manutenção do mesmo nível de superávit primário a despeito da rápida expansão do produto é sintoma de política fiscal consideravelmente mais expansiva.

A gestão da política fiscal não se esgota na importante questão da solvência pública, mas se insere no quadro geral de manejo da demanda. Se há pouca razão para preocupação quanto ao primeiro tema, há motivos de sobra, como se vê, no que se refere ao segundo.

(Publicado 5/Ago/2010)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O outro lado do reverso


Não fiz parte (até onde sei) de um governo que tenha quebrado o país; apesar disto, acredito que cabe voltar ainda uma vez ao tema dos créditos do Tesouro Nacional ao BNDES, abordado na minha última coluna. Naquela oportunidade explorei o custo associado àqueles aportes, expresso pela diferença entre a taxa de juros que o Tesouro paga por sua dívida e a taxa, bastante inferior, a que empresta estes recursos para o BNDES. Agora examino os possíveis benefícios desta política, em particular a contribuição que possa ter dado para mitigar a recessão.
 
Há, por exemplo, quem afirme que, na ausência do apoio do Tesouro ao BNDES, a queda do PIB em 2009 não teria sido de apenas 0,2%, mas consideravelmente maior, em torno de 3%. Trata-se de afirmação audaciosa, que eu gostaria de ver submetida a uma análise quantitativa mais séria.
 
A bem da verdade, entre a eclosão da crise (setembro de 2008) e dezembro de 2009 o volume de crédito do Tesouro ao BNDES aumentou em cerca de 3% do PIB. No mesmo período o montante de empréstimos do BNDES cresceu pouco menos que 3% do PIB. Só espero a estimativa audaciosa acima não esteja baseada nestes valores.
 
A começar porque, como costuma acontecer, há defasagens entre medidas de política econômica e seus efeitos sobre o nível de atividade. Mesmo que determinada empresa tome, digamos, R$ 25 bilhões num dado mês (julho de 2009, por exemplo), ela dificilmente conseguiria transformar todo este volume de crédito em dispêndio adicional naquele mês (e nem nos poucos meses seguintes, se pensarmos sobre o assunto uns dois segundos). Assim, mesmo que os repasses do Tesouro ao BNDES tenham crescido cerca de 3% do PIB, não teriam provavelmente tempo de afetar o PIB em montante igual ainda em 2009.
 
Some-se a isto que praticamente 75% dos aportes ocorreram a partir de junho de 2009, quando a economia já se achava em plena recuperação. A produção industrial, por exemplo, crescera naquele mês pouco mais do que 10% relativamente a dezembro de 2008 (o fundo do poço no que se refere à produção industrial), atingindo expansão de 14% na mesma base de comparação em agosto. O PIB no segundo e terceiro trimestres crescia a um ritmo anualizado pouco superior a 6%, enquanto a demanda doméstica mostrava taxa de expansão correspondente a 10% ao ano. E foi precisamente neste período (junho-agosto de 2009) que o saldo dos créditos do Tesouro ao BNDES saltou quase R$ 87 bilhões, de 1,7% para 4,5% do PIB.
 
Este mesmo argumento pode ser estendido, de forma ainda mais veemente, para o desembolso (R$ 80 bilhões) ocorrido em abril de 2010, quando não pairava sequer sombra de dúvida acerca da recuperação da atividade e o debate já havia se movido para os riscos de sobreaquecimento. Qualquer que tenha sido o efeito dos aportes ao BNDES, quando estes se materializaram a economia já crescia solidamente a taxas consideráveis, impulsionada pela demanda doméstica, cuja expansão era bastante superior ao aumento do produto.
 
É muito difícil, sob tais circunstâncias, argumentar que os aportes ao BNDES tenham evitado uma queda de 3% do PIB em 2009. Por outro lado, é bastante provável que tenham contribuído de forma mais palpável para a aceleração da demanda doméstica no período mais recente (ainda que reste a difícil questão de saber quanto da demanda que ocorreria na ausência dos aportes possa ter sido reduzida pela própria política).
 
Isto significa, portanto, que a taxa de juros requerida para manter a inflação na meta se torna mais alta do que seria sem os aportes ao BNDES, analogamente ao que ocorre quando o gasto público aumenta. Vale dizer, não apenas há dúvidas sobre a efetividade dos aportes para atenuar a recessão, como é possível que esta política tenha resultado em taxas de juros mais elevadas. Se estes são os benefícios, melhor mesmo nem pensar nos custos.

(Publicado 4/Ago/2010)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Dionísio

Não fui (infelizmente, mas por minha própria culpa) aluno de Dionísio Dias Carneiro. Também não posso dizer que tenha sido seu amigo. Na verdade, cruzei umas poucas vezes com ele, tipicamente em seminários no BC, na Casa das Garças (uma criação sua), ou ainda nos eventos para ajudar o esforço de financiamento do Departamento de Economia da PUC-RJ. Li, é claro, seus artigos na imprensa, assim como o material produzido por sua consultoria, e uns tantos de seus ensaios acadêmicos. Não tive, lamento informar, qualquer proximidade com ele.

No entanto, sinto que, de certa forma, o conhecia. Da mesma forma que no conto “Aproximação a Almotásim” o protagonista percebe num interlocutor uma qualidade que acredita provir de um homem desconhecido, não é difícil achar ecos do Dionísio numa geração de economistas, alguns dos quais tenho a honra de chamar de amigos.

É uma perda enorme, mas podemos nos consolar sabendo que a qualidade dele persiste em seus alunos e colegas. Um pequeno conforto para uma partida tão precoce.