Foi há pouco editada a Medida Provisória 315 alterando certas características da legislação brasileira de câmbio e capitais estrangeiros. Tendo trabalhado nestes temas no Banco Central me confesso desde já suspeito para avaliar os méritos das medidas ali propostas. No entanto, é precisamente o que vou fazer. Meu primeiro ponto: se alguém acha que estas medidas terão impactos dramáticos sobre a taxa de câmbio prepare-se para profunda decepção. Meu segundo ponto: independente de qualquer efeito sobre a taxa de câmbio as medidas são bem-vindas no sentido de reduzir custos de transação associados à atividade exportadora, de reduzir o custo de capital das empresas exportadoras e, finalmente, de corrigir problemas que vigoravam há décadas.
O aspecto mais conspícuo da MP diz respeito à eliminação (parcial) da “cobertura cambial”, isto é, da obrigatoriedade da conversão das receitas de exportações em reais. Houve quem propusesse tais medidas pela crença que a venda forçada de moeda estrangeira estaria deprimindo a taxa de câmbio e prejudicando a rentabilidade do setor exportador. Sinto desapontá-los, mas, se nutrem alguma ilusão a respeito, estão prestes a serem desmentidos pelos fatos.
Já em março de 2005 o Conselho Monetário Nacional havia definido prazo de 210 dias para internação destes recursos. Se fosse real a crença que só à força os exportadores trariam seus dólares, aquela mudança deveria ter feito o prazo médio entre embarque e fechamento de câmbio se aproximar dos 210 dias, ou, pelo menos, aumentar muito. Como nenhuma das duas coisas ocorreu, fica difícil escapar da conclusão que a cobertura cambial não era uma restrição efetiva. Logo, retirá-la não deve mudar a perfil de ingresso de dólares, nem afetar a taxa de câmbio.
Isto não quer dizer que a eliminação da cobertura em si seja inócua. Mesmo sem afetar a taxa de câmbio, a dispensa de internação de parcela das receitas externas (bem como o contrato simplificado de câmbio) reduz bastante os custos de transação das empresas, em particular as que exportam e importam muito. Insere-se, assim, na categoria das reformas microeconômicas, cujo objetivo é melhorar o clima de negócios no país.
Do ponto de vista do financiamento das empresas exportadoras o fim da cobertura cambial também deve ter efeitos positivos. Mesmo podendo manter apenas 30% de suas receitas no exterior, a percepção de risco associada a estas empresas deve se reduzir com relação à do país. De fato, estes recursos – num caso hipotético de restrições às remessas – poderiam ser usados para pagamento de dívidas destas empresas. Menor risco implica menor custo de capital, e, portanto, um incentivo para investimento do setor exportador.
A outra medida contida no pacote cambial tampouco deverá ter efeito significativo sobre a taxa de câmbio. Trata-se da extensão dos registros de capitais externos em reais para valores que, ao longo dos últimos 44 anos, não puderam obter registro junto ao BC nos moldes da Lei 4131. Muitas empresas sérias, de longa tradição no país, enfrentavam problemas associados ao serviço destes capitais, que poderão ser resolvidos neste novo marco legal. Isto dito, se alguma pressão sobre o câmbio pode resultar do serviço adicional, não se pode esquecer que a resolução de um problema de longa data associado ao capital estrangeiro no país melhora a sua atratividade para investimentos diretos, com efeito inverso, e está longe de ser claro qual destes efeitos prevalecerá.
Assim, as medidas são positivas no sentido de reduzir custos de transação e custo de capital, bem como resolver problemas ligados ao registro de capital no Brasil, porém não devem afetar a trajetória de câmbio em nenhuma direção preestabelecida. Eu, pessoalmente, preferiria a eliminação total, não parcial, da cobertura cambial, mas a direção da mudança é mais que correta.
Restaria saber se estas mudanças poderiam deixar o país mais vulnerável. A este respeito sugiro a seguinte reflexão: se a legislação cambial restritiva fosse tão eficiente para prevenir crises como alguns acreditam, como explicar as seguidas crises que o país passou nos 73 anos em que esteve em vigor? Vulnerabilidade se enfrenta com um bom arcabouço de política econômica; restrições deste tipo servem apenas para introduzir mais distorções numa economia já repleta delas.
(Publicado 20/Set/06)
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