teste

quarta-feira, 21 de março de 2007

Fora do lugar

É praticamente impossível ler certos textos sem se deparar com a expressão “câmbio fora do lugar” ou algo equivalente, usualmente acompanhada por uma historinha sobre a taxa de juros levar à apreciação “xxx” do câmbio (o leitor fica livre para preencher o “xxx” com “criminosa”, “irresponsável”, “leviana”, ou qualquer outro adjetivo habitualmente utilizado). Já tive oportunidade de examinar as dificuldades que membros desta escola enfrentam em explicar porque o câmbio seguiu se apreciando com a diferença entre os juros domésticos e externos se estreitando a cada mês, mas hoje quero abordar a noção do “câmbio fora de lugar”.

Uma das formas de olhar o problema consiste em acompanhar a evolução da taxa de câmbio ao longo dos anos ajustando-a pela diferença entre a inflação doméstica e internacional. O melhor trabalho que conheço a este respeito é o acompanhamento do Departamento Econômico do BC, que faz uma ponderação cuidadosa das diversas taxas de câmbio de acordo com o volume de comércio dos diferentes países com o Brasil. De acordo com estes dados, a taxa real de câmbio em janeiro deste ano estaria 1,7% abaixo da média observada desde janeiro de 1988, o que, convenhamos, não parece ser nenhum desastre.

Isto dito, resultados com base nesta abordagem são muito menos robustos do que gostaríamos. Escolhas diferentes das medidas de inflação (preços no atacado ou ao consumidor) ou de período amostral levam a resultados distintos. A própria escolha da média do período como referência não é isenta de problemas, a começar porque, mesmo com um número bastante elevado de observações mensais, não há como ter certeza que a taxa de câmbio é uma variável que retorna à média (acredito que sim, mas os testes estatísticos são inconclusivos).

Nesta situação o melhor é voltar à teoria econômica em busca de pistas que dêem sentido aos dados e, de fato, esta nos oferece um modelo que identifica duas condições de equilíbrio expressas em função da taxa real de câmbio e da demanda doméstica (consumo, investimento e gastos do governo). A primeira condição é o equilíbrio externo, ou seja, a manutenção de certo saldo na conta corrente que seja visto como sustentável ao longo dos anos.

A segunda se refere ao equilíbrio doméstico, que pode ser interpretado como uma condição acerca da evolução das taxas de inflação dos produtos que não podem ser comercializados internacionalmente, tipicamente serviços (escola, aluguel, cinema, manicure). Se a taxa de inflação destes produtos estiver crescendo é sinal de excesso de demanda neste mercado; se caindo, excesso de oferta. Em equilíbrio geral, portanto, a inflação dos não-comercializáveis é estável e o país gera um saldo em conta corrente percebido como sustentável.

Caso, porém, a taxa de câmbio esteja “fora do lugar”, alguma destas condições (ou ambas) não poderá ser atendida. Em particular, deveríamos observar uma piora nas condições do balanço de pagamentos, ou uma queda acelerada das taxas de inflação de produtos não comercializáveis internacionalmente, ou ainda uma combinação destes dois fenômenos. O que dizem os dados?

No que se refere ao balanço de pagamentos, não apenas o país registra expressivo saldo na balança comercial, que se traduz em superávit próximo a US$14 bilhões na conta corrente, como também as expectativas coletadas pelo BC acerca do saldo da balança para 2007 (média superior a US$40 bilhões) sugerem manutenção daquele superávit em mais de 1% do PIB.

Este superávit, porém, poderia resultar de uma demanda doméstica muito fraca, que reprimisse as importações e forçasse certos setores a exportar mais por falta de mercado. Só que a demanda doméstica tem crescido bem (4% em 2006), acima de sua média desde 1993 (2,4%), sugerindo mais força que se imagina, e deve crescer ainda mais este ano. Consistente com isto, a inflação de não-comercializáveis tem oscilado desde meados de 2006 ao redor de 4%.

Assim, a combinação de superávits expressivos em conta corrente com demanda doméstica se expandindo vigorosamente não sugere nada de fundamentalmente errado com a taxa de câmbio. Se algo há fora de lugar não é o câmbio, mas algumas idéias defendidas contra todas as evidências.

(Publicado 21/Mar/2007)

13 comentários:

Alexandre, você pode falar o que quiser, mas a realidade em muitos setores produtivos é bem outra, por exemplo eu, como agricultor, sinto na pele as dificuldades geradas por um cambio que está "fora de lugar" sim, nós temos custos em R$ (máquinas, sementes, mão de obra, colheita, frete, etc...) que sobem com a inflação, mas vendemos em dólar, que cai...
Assim, chega um momento em que não é mais possivel exportar nem produzir para o mercado interno, um exemplo, planto trigo desde 1975, mas este ano não será possivel, pois o custo de produção não cobrirá a receita, nem obtendo uma alta produtividade, sai mais barato importar da argentina, que tem o peso a 3:1...
Note que nossas importações estão crescendo desproporcionalmente, e as exportações só se mantem para commodities que estão com preços anormalmente altos em dólar, mas quando isto voltar ao normal, eu quero ver, só que até lá setores inteiros já terão falido, será que vale a pena...

Vê se aprende cara! Olha o blog do Nassif.


http://z001.ig.com.br/ig/04/39/946471/blig/luisnassifeconomia/2007_03.html#post_18802962

Alexandre
O Nassif resolveu agora ser "Professor do Professor de Deus".
O cara esta simplesmente fora de sí! Não percebeu ainda o papel ridiculo que esta fazendo como novo "porta voz" da heterodoxia.
É a chamada economia na "levada do bandolin"!

ade:

O fato do câmbio não remunerar a sua atividade não quer dizer que ele está fora de lugar para a economia como um todo. Repito: com mais de $ 40 bi de balança e crescimento da demanda doméstica bastante decente não há como argumentar que, do ponto de vista macro, o câmbio está fora de lugar. Isto dito, se preços de commodities caírem o câmbio não será este, mas outro. Quanto a setores inteiros estarem falindo, sugiro olhar com mais cuidado. A experiência de 99 em diante mostra que a reação dos volumes exportados é muito rápida;

Fabio:

O nassif só pode ensinar a tocar bandolim e insultar. Não tenho (infelizmente) talento musical; e não preciso lnsultar para afirmar minhas idéias (coisa que o Levantino Leviano não consegue);

Frodo:

100% de concordância. Deixa o lunático lá...

Alex, mas a desvalorização cambial não estimula a substituição de fornecedores e produtos locais por outros de fora, e a nivel macro a tendencia não é a piora gradativa da balança comercial? Não é isso que se observa na vida real e na produção industrial e agro-industrial? Penso que produtos importados por preços mais baratos ou impactam diretamente na produção e emprego internos, ou no minimo inviabilizam investimentos em sua produção...

Finalmente uma análise isenta,fundamentada e realista;lamentavelmente a maioria dos nossos economistas,não só faltaram as aulas (eu me incluo)como não hesitam em emitir opiniões levianas, abrigados pela impunidade que caracteriza o Brasil em todos os setores.

A taxa de câmbio estimula sim a importação; a despeito disto não há sinais de piora na balança comercial. Como escrevi no artigo, poderia ser que a balança fosse bem às expensas da contração da demanda doméstica, mas não é o caso (a demanda vem bem, como sugerido por vendas no varejo crescendo a uma velocidade anual superior a 6%, com possibilidade de buscar 7,5-8% em 2007). Uma balança superior a US$ 40 bilhões com demanda crescendo não sugere uma taxa fora de lugar. Parafraseando Arnaldo César Coelho, "o teste é claro".
Abs
A

Alexandre

Os economistas "desenvolvimentistas", deveriam é estar vociferando contra a classificação da China como economia de mercado!
De mercado ela não tem nada. Bancos quebrados, administração patrimonialista, corrupção, falta de marcos regulatórios decentes.
O Brasil nunca sera competitivo com países de economia "capitalista" regulada por um arcabouço legal autoritário e discricionário.
Acho que essa questão do cambio mascara o problema real. Mesmo com o dolar valendo R$3,00 , não conseguiriamos competir com a China e sua economia nas mãos do estado interventor. Isso sem contar o regime semi escravagista adotado naquele país em suas relações do trabalho.
O que você acha?

Frodo:

Na verdade, pelo menos do ponto de vista de nossas exportações somos mais complementares e menos concorrentes da China (na América Latina é o México quem apresenta perfil mais semelhante ao das exportações chinesas e, sem surpresa, quem mais sofre com a concorrência chinesa.

Isto dito, você tem razão no que se refere às dificuldades de acreditar que a mera manipulação da taxa de câmbio resolveriam a questão. O câmbio chinês é competitivo porque um país que poupa 40%do PIB (e poupa 40% do PIB em larga medida como resultado de um regime autoritário, trabalho semi-escravo e completa ausência de previdência social)acaba tendo uma taxa de câmbio consistente com isto.

Esta história de imitar o modelo chinês me lembra de uma antiga história do Analista de Bagé que, assistindo certa vez o filme "O Império dos Sentidos" sugeriu à mulher do lado fazer o mesmo que os artistas faziam no filme. Ao que a mulher teria respondido: "tudo bem, mas onde arrumamos os japoneses?". Queremos replicar o modelo chinês, mas, graças a Tupã, não queremos o que vem junto...

Alex, basear-se apenas no resultado da balança comercial para justificar como correto o cambio a taxa atual não me parece correto, pois estes superávits são o resultado de poucos produtos, e estes derivados de atividades extremamente concentradoras de renda, como açucar e álcool, por exemplo. Você não acha que algo está errado quando pessoas ganham muito mais vendendo propriedades que se tornaram economicamente inviáveis produzindo grãos ou pecuária para usinas de alcool e aplicando no mercado financeiro?

Ade:

Isto é uma lenda que não sobrevive a uma passada de olhos nos dados. Açúcar e álcool a que você se referiu representam só 13% do crescimento das exportações nos últimos 12 meses. Os cinco produtos que mais contribuíram para a expansão das exportações nos 12 meses até fevereiro (petróleo e derivados, açúcar e álcool, produtos metalúrgicos, químicos e minério) representam apenas 60% das novas exportações. Produtos cujo venda é inferior a US$ 1.5 bilhões/ano representam 16% das novas exportações. Ou seja, não há esta concentrãção que muitos falam.

Aliás, uma medida padrão de concentração (o índice Herfindahl-Hirschmann) mostra que, pelo contrário, as exportações têm ficado menos concentradas.

Por fim, a noção que os setores que vão bem empregam pouco, concentram renda e não são integradas ao resto da economia também não se sustenta. Isto dito, por que produzir grãos ou carne (quem, diga-se de passagem, não vai mal nas exportações, muito pelo contrário) vale mais que açúcar (soja concentra menos a renda?).

Abs

A

Alex, as exportações estão aumentando sim, e não só nas commodities, o que mostra a capacidade da indústria brasileira de agregar valor ao produto e se adaptar a uma nova realidade cambial, aliás 70% do agronegócio não são commodities, mas indústrias e serviços correlatas à agricultura, só que estas estão exportando mais que antes, mas estão retirando margem dos produtores, como é o caso das carnes, a que voce se referiu. Isto reflete imediatamente na qualidade de vida do interior do brasil, e futuramente irá afetar as cidades tambem. Falando sobre o sul do Brasil, o que acontece é que ao substituir uma área de graos ou pecuária por cana, como está acontecendo no norte do Paraná, o proprietário vende ou arrenda a terra, vai morar na cidade, e quem trabalhava no local, ganhando um salário fixo e mais uma percentagem sobre a colheita, irá, se tiver sorte, trabalhar para a usina com um achatamento brutal dos rendimentos, ou seja, existe uma concentração de renda sim, apesar de não haver desemprego em massa...
Enquanto isto, todas as categorias de produtos importados apresentaram crescimentos maiores que as exportações...
Se você interpretar este crescimento como um fortalecimento da economia interna, estará tudo bem, mas a longo prazo, não sei onde isto irá nos levar...
Por exemplo, no Paraná, onde moro, o ano de 2006 fechou com exportações totais de US$ 10 bilhões (-0,21% sobre 2005) e importações com aumento de 32,04%, o Estado fechou o ano de 2006 com um saldo na balança comercial de US$ 4 bilhões. O resultado geral foi positivo porque houve saldo na balança, mas a situação economica dos produtores está pior que antes...

O nassif só pode ensinar a tocar bandolim e insultar. Não tenho (infelizmente) talento musical; e não preciso lnsultar para afirmar minhas idéias (coisa que o Levantino Leviano não consegue);