Foi com satisfação que li o editorial da Folha no último dia 13 comentando a questão das importações e do PIB, assunto da minha última coluna. O texto reconhece o equívoco de partir de uma identidade contábil para concluir que o aumento das importações teria reduzido o crescimento do PIB em 1,7 pontos percentuais, exatamente o ponto central do meu artigo. Quase comemorei (são poucas as vezes que a racionalidade econômica prevalece), mas a continuação da leitura revelou que falta ainda um tanto para que o jornal compreenda realmente a questão.
De fato, o editorial propõe uma métrica peculiar para avaliar se as importações prejudicam (ou não) a atividade econômica: se a indústria local puder fornecer o bem, então a importação será prejudicial; se não, a importação não terá impacto sobre a atividade econômica. Por esta lógica curiosa um país só pode importar sem prejuízo à atividade doméstica quando: (a) o bem em questão não é produzido no país; ou (b) o bem é produzido, mas, no momento, não existe capacidade ociosa para fazê-lo.
Em momento algum se admite que bens importados possam simplesmente competir com os domésticos. Em outras palavras, pela lógica do editorial, valorizamos a expansão da produção nacional independente dos preços a que esta expansão ocorra, e o consumidor (ou investidor, se o bem for uma máquina) que viva com isto. Com tais idéias dominando o pensamento nacional não é estranho que o Brasil permaneça como um dos países mais fechados do ponto de vista do comércio internacional.
Imagine, no entanto, persistente leitor que ainda não abandonou a coluna que em dada indústria surja nova empresa, cujos preços são consideravelmente mais baixos que os das empresas tradicionais. Esta empresa irá provavelmente expulsar as mais antigas, reduzindo produção destas e, portanto, o emprego. Se este empresa se localizar em território nacional, chegará às capas das revistas, a despeito da “destruição criativa” que causou no seu setor.
Se, porém, esta empresa se localizar no exterior será objeto de editorial contrário, que ressaltará como ponto negativo a mesma “destruição” de emprego e produção saudada no caso anterior. Por que um acidente geográfico deveria levar a conclusões distintas?
Os mais ofendidos com o argumento acima irão levantar duas objeções. A primeira é que, no caso da nova empresa ser nacional, a produção e o emprego aqui permanecem, enquanto no segundo caso, migram para o exterior. A este respeito lembro o argumento já avançado no meu artigo anterior: a importação mais elevada permite, tudo o mais constante, que o BC baixe adicionalmente o juro. O emprego nesta indústria cai, mas a aceleração da demanda doméstica permitida pela importação criará empregos em outras indústrias. Aliás, não fosse isto, países com déficits comerciais viveriam em recessão crônica.
A segunda objeção diz respeito à taxa de câmbio. Setores que competiam com as importações em condições de superioridade sob determinada taxa de câmbio não conseguem fazê-lo sob outra taxa mais apreciada. Assim, o problema não seria tanto a importação em si, mas a taxa de câmbio, “artificialmente apreciada pelo diferencial de juros, etc., etc.”. Quanto a isto, sugiro dois pontos para reflexão.
(1) Quem é o iluminado que determina a taxa de câmbio “correta” para avaliarmos a real competitividade de cada setor industrial? Há vários candidatos a gênio, mas, francamente, quase todos associados a setores que têm muito a ganhar ou perder com a definição desta grandeza, e o leitor há de me perdoar não pôr muita fé nos “estudos” de defasagem cambial que volta e meia aparecem por estas plagas.
(2) O diferencial de juros entre o Brasil e os EUA caiu à metade nos últimos 18 meses e, a despeito disto, a taxa de câmbio seguiu se apreciando. Ao mesmo tempo as exportações seguiram crescendo a taxas robustas, enquanto os saldos comerciais e em conta corrente se mantiveram em torno de US$ 45 e US$ 13 bilhões respectivamente. À luz disto, pergunto ao raro leitor, o que há de artificial na apreciação do câmbio?
Assim, uma vez abandonada a contabilidade nacional como métrica do assunto, sugiro aos interessados o retorno à teoria do comércio internacional para aferir seus efeitos sobre a economia. A alternativa é o eterno retorno ao protecionismo de sempre.
(Publicado 21/Fev/07)
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