O artigo 37, inciso XI,
da Constituição Federal estabelece um teto
salarial para o funcionalismo: “o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal”. Apesar disto, a ministra dos Direito Humanos,
Luislinda Valois, foi manchete de vários jornais por conta de seu requerimento
à Casa Civil, pedindo que fosse somado à sua aposentadoria como desembargadora
(R$ 30,5 mil/mês) também o salário integral de ministra (R$ 30,9 mil/mês), o
que traria seu ganho mensal para R$ 61,4 mil/mês, ultrapassando, em muito, os
vencimentos dos ministros do STF (R$ 33,7 mil/mês).
O “argumento” da
ministra (entre outros de validade tão duvidosa quanto se “vestir com
dignidade”), é que, devido ao teto, seu trabalho no ministério acrescenta
“apenas” R$ 3,3 mil/mês a seu rendimento, o que, no seu imparcial entendimento,
configuraria trabalho análogo à escravidão, pois, “todo mundo sabe que quem
trabalha sem receber é escravo”.
Noto somente que o
rendimento adicional da ministra supera, com folga, a média de todos os
trabalhadores brasileiros, R$ 2,1 mil/mês, e equivale à média da categoria com
maior rendimento, o funcionalismo. Da mesma forma, não podemos deixar passar
que ninguém a forçou a assumir um ministério; neste sentido, sua decisão se
equipara à de milhares de pessoas que se dedicam ao trabalho voluntário, sem
receber nada, e que, certamente, não se consideram escravos.
Não é esse, porém, o
ponto central da coluna, por mais escandalosa que seja sua postura. Em parte
porque o fiasco de seu pedido – consequência da exposição à mídia –é a exceção,
não a regra, em casos como estes. Em agosto deste ano houve também notícias sobre juízes
cujos vencimentos superavam o teto constitucional, por força de
vantagens eventuais, indenizações e demais penduricalhos que, por entendimento,
vejam só, da própria justiça, não estariam sujeitos a limitação do teto. E,
diga-se de passagem, uma breve busca pelo Google nota casos similares em 2016,
2015, 2014...
Mais relevante ainda é
que tais casos ainda não correspondem, nem de longe, à totalidade dos
privilégios que tipicamente são conferidos pelo setor público a grupos próximos
ao poder.
A triste verdade é que
a sociedade brasileira se tornou, e não de hoje, prisioneira de um círculo
vicioso de caça à renda (a melhor tradução que
vi para rent-seeking).
“Renda”, no sentido
econômico do termo, representa a remuneração a algum insumo acima do valor que
seria necessário para mantê-lo empregado nas condições atuais. Parece abstrato,
mas os exemplos abundam: de licenças para táxis (um caso bastante atual, a
propósito) à proteção contra concorrência internacional, passando por subsídios
e toda sorte de privilégios.
A caça à renda
representa um imenso jogo de rouba-monte, com o agravante que
sua prática contribui para reduzir o tamanho do monte, pois recursos reais da
sociedade são utilizados para este fim e não para a produção, além de
tipicamente favorecer setores menos produtivos. Embora possa enriquecer alguns
de seus participantes, este jogo empobrece as sociedades que o praticam.
Curioso mesmo, porém, é
como economistas autodenominados “progressistas” se engajam facilmente
na defesa da caça à renda. Eu já passei da idade
de achar que se trata apenas de ingenuidade.
(Publicado 8/Nov/2017)