O mau desempenho do setor industrial
parece ir além da fraqueza da economia argentina. Há evidências de perda de
competitividade, mesmo com a forte depreciação da moeda. Neste contexto, a
agenda da produtividade deveria ser o foco da liderança do setor, embora não o
seja.
Semana
passada falei dos sinais razoavelmente positivos da atividade econômica nos
últimos meses, resumidos no gráfico abaixo. A nota destoante é o setor
industrial (no caso, indústria de transformação), que, após um início promissor
de recuperação em 2017, só tem andado de lado, quando não para baixo.
Há
algum tempo atribuímos este comportamento ao colapso da economia argentina. As
importações (em 12 meses) daquele país, que atingiram US$ 71 bilhões no início
de 2018, caíram para pouco menos de US$ 52 bilhões ao final de 2019, queda de
27%. No mesmo período as exportações brasileiras para lá (mais de 90% das quais
de produtos manufaturados) caíram quase à metade, de US$ 18,5 bilhões para US$
9,8 bilhões.
Dado
que representavam cerca de 20% das exportações totais de manufaturados e perto
de 9% do valor adicionado pela indústria de transformação, não é de estranhar
que o impacto tenha sido considerável. Isto fica mais claro no caso da
indústria automotiva, cujo principal mercado externo se encontra na Argentina.
Embora as vendas domésticas tenham crescido 8%, correspondendo a pouco mais de
200 mil unidades, as exportações caíram em quantidade praticamente equivalente,
resultando em aumento modesto da produção: 2% (ou 53 mil unidades).
Se
a Argentina fosse o único problema do setor industrial, o crescimento da
demanda doméstica poderia solucioná-lo. Da mesma forma que não precisamos
soprar pelo buraco por onde vaza ar do balão, o aumento mais vigoroso da
demanda interna (consumo e investimento) poderia compensar a queda das
exportações.
Todavia,
há indicações – a bem da verdade, ainda não conclusivas – que as dificuldades
do setor se estendem além do encolhimento do mercado vizinho. Já havia
mencionado anteriormente que os números da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD contínua) apontavam para uma evolução preocupante da
produtividade do trabalho em geral, também presente no caso da indústria de
transformação. Há indicações de queda da produtividade, que é “normal” durante
a recessão (a produção normalmente cai mais do que o emprego), mas que deveria
ter se recuperado, o que não foi o caso.
Em
particular, se a evolução dos salários superar a da produtividade, há elevação
do custo unitário do trabalho (CUT), sinal de perda de competitividade.
Explorei
dois conjuntos de dados referentes à evolução do emprego (portanto da
produtividade) e do salário na indústria: os da PNAD e os calculados pela Confederação
Nacional da Indústria (CNI). A comparação dos resultados (disponíveis
apenas a partir de março de 2012 para a PNAD) aparece nos gráficos abaixo. Logo abaixo temos a comparação dos CUT ajustados à inflação. Enquanto as
estimativas baseadas nos dados da CNI sugerem uma queda modesta relativamente a
2013, último ano de expansão industrial, as obtidas com os dados da PNAD
mostram não apenas os CUT ainda mais altos do que em 2013, mas também
crescentes de 2016 para cá.
Já
o gráfico inferior mostra os mesmos indicadores em dólares. No caso, ambas as
medidas mostram redução na comparação com 2013, graças à desvalorização da
moeda além da variação salarial, mas em magnitude bem menor quando usamos os
dados da PNAD.
Não
temos ainda como dizer qual das medidas mais se aproxima da “verdadeira”
evolução dos CUT no setor industrial. Noto, porém, que o crescimento das
quantidades importadas (notando que entre 85-90% das importações brasileiras
são de produtos industrializados), num contexto em que a indústria nacional
opera de 3 a 4 pontos percentuais abaixo da utilização “normal” de capacidade
(77-78% contra 81%), sugere haver sim um sério problema de competitividade no
setor.
Caso
isto seja verdade, apenas a expansão da demanda interna não seria suficiente
para a recuperação industrial. A agenda de produtividade, pela qual passa,
entre outras, a reforma tributária, seria essencial para permitir que o setor
voltasse a crescer de forma mais acelerada.
O
desempenho inquietante da indústria pode ter raízes bem mais profundas do que
normalmente imaginamos. Mas a liderança do setor, claro, prefere mendigar por
favores do governo de plantão (qualquer que seja o governo de plantão) à tarefa
difícil de lidar com a agenda de produtividade.
(Publicado 29/Jan/2020)
0 comentários:
Postar um comentário