A deterioração da infraestrutura municipal
não resulta de austeridade fiscal, mas de prioridades que pouco têm a ver com o
bem-estar da população.
Escrevo
esta coluna sem energia, tanto no meu escritório quanto em casa, cortesia da
chuva, que derrubou árvores e castigou a já sofrida infraestrutura da cidade.
São Paulo hoje é Belo Horizonte de algumas semanas atrás e outras cidades de
porte, sem dúvida, assumirão o papel até as águas de março fecharem o verão.
Não
é novidade a chuva intensa nesta época do ano, muito menos que, submetida a
temporais, a cidade alaga. Não houve vítimas fatais, mas há relatos de
destruição severa, inclusive na zona oeste, onde moro, dentre eles o da a
biblioteca do Santa Cruz, cujas imagens me recusei a ver.
Não
é a exceção; ao contrário, a regra, seja quanto a municípios, estados, ou a
União, é a percepção – acertada, diga-se – que a contrapartida dos nossos
impostos em termos de serviços públicos e qualidade da infraestrutura é pouca,
quando não inexistente. Isto não ocorre por acaso, mas reflete prioridades
bastante particulares do poder público ao longo de muitos anos.
Quase
sempre quando escrevo a este respeito o foco acaba se encaminhando para o
governo central, seja por seu porte maior, seja pela relativa riqueza
estatística a respeito, resultado de anos de trabalho da Secretaria do Tesouro.
Hoje, porém, vamos ver os números municipais, justamente aqueles mais próximos
de nossa experiência cotidiana.
Receitas,
despesas e investimentos municipais - % PIB
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
||
Transações que afetam o patrimônio
líquido
|
|||||||||||
1
|
Receita
|
8,1
|
8,3
|
8,5
|
8,2
|
8,4
|
8,6
|
9,0
|
8,8
|
9,1
|
9,3
|
11
|
Impostos
|
1,5
|
1,6
|
1,6
|
1,6
|
1,7
|
1,8
|
1,7
|
1,8
|
1,9
|
2,0
|
113
|
Impostos sobre a propriedade
|
0,6
|
0,6
|
0,6
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
0,8
|
0,8
|
114
|
Impostos sobre bens e serviços
|
0,9
|
1,0
|
1,0
|
1,0
|
1,0
|
1,1
|
1,0
|
1,0
|
1,1
|
1,1
|
12
|
Contribuições sociais
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,6
|
0,6
|
0,7
|
0,8
|
0,9
|
0,9
|
13
|
Transferências / Doações
|
5,2
|
5,3
|
5,4
|
5,2
|
5,3
|
5,2
|
5,4
|
4,9
|
5,2
|
5,2
|
14
|
Outras receitas
|
0,9
|
0,9
|
1,0
|
0,8
|
0,9
|
1,0
|
1,1
|
1,2
|
1,1
|
1,3
|
141
|
Juros
|
0,2
|
0,2
|
0,3
|
0,1
|
0,2
|
0,2
|
0,3
|
0,2
|
0,2
|
0,2
|
142
|
Outros
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
0,8
|
0,9
|
1,0
|
1,0
|
1,1
|
2
|
Despesa
|
7,6
|
7,6
|
7,9
|
7,7
|
8,1
|
8,5
|
8,7
|
8,5
|
8,8
|
8,9
|
21
|
Remuneração de empregados
|
3,5
|
3,5
|
3,7
|
3,8
|
3,9
|
4,0
|
4,2
|
4,2
|
4,2
|
4,3
|
22
|
Uso de bens e serviços
|
2,7
|
2,7
|
2,7
|
2,5
|
2,7
|
2,6
|
2,7
|
2,5
|
2,7
|
2,8
|
23
|
Consumo de capital fixo
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
24
|
Juros
|
0,3
|
0,2
|
0,2
|
0,2
|
0,2
|
0,3
|
0,2
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
25
|
Subsídios
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
26
|
Transferências / Doações
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
27
|
Benefícios sociais
|
0,4
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,6
|
0,6
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
28
|
Outras despesas
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
Resultado operacional bruto - ROB (1-2+23)
|
0,9
|
1,1
|
1,0
|
0,8
|
0,7
|
0,6
|
0,8
|
0,8
|
0,8
|
0,9
|
|
Resultado operacional líquido - ROL (1-2)
|
0,5
|
0,7
|
0,6
|
0,4
|
0,3
|
0,1
|
0,3
|
0,3
|
0,3
|
0,3
|
|
Transações com ativos não financeiros
|
|||||||||||
31
|
Investimento líquido em ativos não
financeiros
|
0,5
|
0,4
|
0,5
|
0,2
|
0,3
|
0,2
|
0,1
|
-0,1
|
0,0
|
0,0
|
31.1
|
Aquisição de ativos não financeiros
|
0,9
|
0,9
|
0,9
|
0,6
|
0,7
|
0,7
|
0,7
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
31.2
|
Alienação de ativos não financeiros
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
31.3
|
Consumo de capital fixo
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
Balanço total (1-2-31)
|
0,0
|
0,2
|
0,1
|
0,2
|
0,0
|
-0,1
|
0,1
|
0,4
|
0,4
|
0,3
|
|
Balanço primário ((1-141)-(2-24)-31)
|
0,1
|
0,2
|
0,1
|
0,3
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,3
|
0,3
|
0,2
|
Fonte:
Tesouro Nacional (2019: quatro trimestres até setembro)
A
tabela acima resume o resultado fiscal dos municípios brasileiros de 2010 ao
terceiro trimestre de 2019, o último dado disponível. Alguns padrões saltam aos
olhos.
A
primeira conclusão derivada dos números desmente a tese de “falta de dinheiro”.
As receitas municipais, soma da arrecadação própria e transferências de outras
esferas de governo, subiram persistentemente de 2010 para cá. Aliás, mesmo
durante o período pós-2013, marcado pela recessão 2014-16 e fraca recuperação
desde então, as receitas municipais aumentaram pouco mais de 1 ponto percentual
do PIB, equivalente a quase R$ 63 bilhões medidos a preços do terceiro
trimestre de 2019. O problema não se localiza, portanto, no desempenho das
receitas.
Por
outro lado, as despesas seguiram trajetória virtualmente ininterrupta de
elevação, de 7,6% do PIB (R$ 514 bilhões) em 2010 para quase 9% do PIB (R$ 643
bilhões) em 2019. Em particular, de 2017 para cá, as despesas municipais
aumentaram mais de R$ 40 bilhões acima da inflação do período. Destes, cerca de
2/3 se destinaram à remuneração dos empregados municipais e pagamentos de
aposentadorias e pensões. Houve, portanto, piora do resultado operacional líquido
dos governos municipais.
O
terceiro resultado importante é a queda do investimento público, aparente na
linha “aquisição de ativos não-financeiros”, de uma média pouco inferior a R$
60 bilhões/ano (0,8% do PIB) entre 2010-13 para pouco mais de R$ 40 bilhões /ano
(0,6% do PIB) no período subsequente. Nos últimos três anos, inclusive, o
investimento tem sido insuficiente para repor o desgaste do capital (“consumo
de capital fixo”): R$ 100 bilhões contra R$ 107 bilhões, ou seja, houve redução
do capital público neste período.
Este
padrão não caiu do céu, nem nos foi imposto por alienígenas malignos,
neoliberais perversos, ou economistas ortodoxos. Ele resulta, repito, de
escolhas do poder público que refletem suas prioridades, dentre as quais, deve
ficar claro, não se inclui o bem-estar da população, mas o dos grupos a quem se
destina a parcela crescente do gasto.
Não
chegamos a mais de 5,5 mil municípios no país pela preocupação em bem servir.
1 comentários:
Caro Alex,
Como sempre, dá gosto ler seus artigos.
Hoje queria aproveitar para lhe perguntar algo bem especifico sobre o IBS, que está sendo cogitado pelo congresso. Já tentei achar informações especificamente sobre a parte de geração de créditos mas não encontro, por isso do pedido de ajuda...
Na ultima participação do Bernard Appy no Roda Viva, ele explicou que, para o setor de serviços, haveria uma redução da carga para aqueles prestadores de serviço "meio", ou seja (pelo que entendi), são as empresas que prestam serviços para outras empresas:
- É isso mesmo? Como se daria essa redução?
- Como uma empresa de serviços "meio" conseguiria gerar o tal crédito tributário?
- Se uma empresa "meio" de serviços, que não usa tantos geradores de crédito - seu principal custo é mão de obra, que entendo que não é uma geradora - como ela poderia ser impactada pela mudança?
- Haveria o risco de uma explosão da PJtização se, com os PJs, fossem gerados créditos para as empresas de serviços "meio"?
Desculpe pelo espaço, mas é um assunto beeem importante para passar batido.
Grande abraço.
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