Fernando Haddad reclama da “falta de um
projeto de nação” por parte dos industriais, por força da aproximação entre a
Fiesp e o governo, que, na verdade, apenas replica a relação observada nos
governos Lula e Dilma, cujos resultados variaram do desastroso ao catastrófico.
Fernando
Haddad reclama da falta de um “projeto de nação” por parte da nossa “burguesia
industrial”, saudoso dos tempos da ditadura varguista
(possivelmente também da ditadura militar), quando a tal burguesia teria se
aliado ao(s) governo(s) de plantão para potencializar o desenvolvimento da
indústria nacional.
Motivado
aparentemente pela aproximação do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, com o
presidente Bolsonaro, Fernando recupera – vejam só! – trabalho do ex-presidente
Fernando Henrique (em geral anátema nas hostes petistas) para notar que: “1) os
órgãos de classe dos industriais ‘só cuidam dos interesses particulares dos
dirigentes quando falam em nome da classe’; 2) aos industriais,
individualmente, ‘a ação política possível consiste na participação pessoal no
jogo patrimonialista’”.
Gostei
em particular desta última colocação, que me parece absolutamente verdadeira. Lamento
apenas que o Fernando não tenha adotado esta postura mais crítica quando os
governos Lula e Dilma, em que ocupou altas posições, em nome do então suposto “projeto
de nação da burguesia industrial”, encamparam muitas das propostas da Fiesp,
então aliada – como sempre! – do poder central.
A
“Nova Matriz Econômica”, órfã relegada ao mais hediondo abandono, não se
caracterizou apenas pela abandono da disciplina fiscal (cujo legado ainda nos
assombra), pelo descuido com a inflação (sob a égide de Alexandre Pombini) e
pela intervenção maciça no mercado de câmbio (a “guerra cambial” do nada
saudoso, embora ainda livre, Guido Mantega); houve também, é bom lembrar, um
esforço extraordinário de política industrial, cujos resultados variaram do desastroso ao catastrófico.
Exemplos
abundam. Bancos oficiais, notadamente o BNDES, receberam do Tesouro Nacional o
equivalente a pouco mais de 9% do PIB para o financiamento de “campeões
nacionais”, dentre os quais se destacam casos como a Sete
Brasil, os empreendimentos X de Eike Batista, e
a JBS, dos irmãos Joesley e Wesley, cuja notoriedade dispensa apresentação. À
parte o saque organizado à Petrobras, cuja dimensão se tornou aparente com a
Lava-Jato, a empresa também se engajou no esforço (fracassado, por óbvio) de
ressuscitar a indústria naval como parte de uma política de conteúdo nacional
que se estendeu também a outros setores com resultados tristemente similares.
Na mesma linha, a
intervenção calamitosa (meu estoque de adjetivos está caindo vertiginosamente)
no setor elétrico, a MP 579, também atendeu às
demandas da “burguesia industrial”, sob aplausos de muitos, incluindo jornalistas econômicos de renome.
É,
ou deveria ser, óbvio que associações de classe não têm qualquer projeto de
nação, por mais que “vendam” suas propostas desta forma. O crescimento
industrial entre 1930 e 1980 não resultou da abnegação de setores que pensavam
no “bem do país”, mas de pessoas que defenderam seus próprios interesses e cujo
produto final foi um setor cronicamente incapaz de competir internacionalmente,
com raras e honrosas exceções, tipicamente oligopolizado (graças à proteção da
concorrência externa) e, portanto, altamente concentrador de renda. Se este era
o “projeto de Nação”, me pergunto por que o Fernando ainda o defende.
Como
chama a atenção Samuel
Pessoa, em vários
de seus escritos, a liderança empresarial, bem como os economistas que
defenderam o modelo brasileiro de industrialização, jamais manifestaram o
menor interesse no papel da educação ao longo deste período, isto sim um
projeto de nação. Diga-se, aliás, que a esquerda brasileira compartilhava da
mesma visão. Nas palavras do Samuel, ao se referir sobre a campanha “o petróleo
é nosso”:
“As
esquerdas, a dita classe média (no Brasil os 5% mais ricos) e a opinião pública
em geral foram às ruas por essa bandeira. Nessa época, 7 de cada 10 crianças de
7 a 14 anos estavam fora da escola.”
Há,
ao final da história, verdadeira obsessão da esquerda nacional com o “projeto
de nação da burguesia industrial”, que desconfio ser herança de certo
esquematismo marxista, para o qual o paraíso socialista só seria possível
depois da revolução burguesa e Fernando não é imune a este fascínio. Pena: se
tivesse lido Fernando Henrique (ou Raymundo Faoro) com mais atenção quem sabe
os governos de que fez parte não tivessem caído no conto da Fiesp.
Amadores... |
(Publicado 8/Jan/2020)
3 comentários:
Impressionante como tem gente no Brasil que não aprende. "Projeto de nação da burguesia industrial" cheira a mofo.
Impressionante que ainda escrevam este tipo de coisa.
Também não me agrada usar termos como "elite" e "burguesia" na argumentação sobre o crescimento econômico do país. As ações ocorrem no âmbito individual, e não por meio de conceitos.
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